quarta-feira, 26 de junho de 2013

Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles

IHU On-Line
Não estamos diante da "falência da política. Ao contrário, trata-se da persistência da política! Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção", avalia o cientista político.
Na tentativa de compreender as razões que levaram milhares de cidadãos brasileiros às ruas, o sociólogo Giuseppe Cocco, que estuda o conceito de multidão abordado pelo italiano Antônio Negri, elenca algumas possibilidades. Na avaliação dele, o ciclo de "revoluções 2.0", com base na internet, "começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais". Outro aspecto importante é o fato de jovens brasileiros só terem conhecido "o Brasil de Lula". E dispara: "No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do ‘novo modelo' econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo".
De acordo com Cocco, havia e há no Brasil "um sem número de movimentos de protesto e resistência, em particular por causa dos efeitos dos megaeventos, e hoje esses movimentos se juntaram, confluindo com a multidão da nova composição do trabalho metropolitano".
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, ele assinala que os protestos ganharam força a partir do Movimento Passe Livre porque "a questão dos transportes e, mais em geral, do serviços é estratégica para o trabalho metropolitano".
E esclarece: "Os operários fordistas lutavam por salários e horários. Os trabalhadores imateriais têm como fábrica a metrópole e lutam pela qualidade de vida da qual dependerá a inserção deles em um trabalho que não é mais um emprego, mas uma ‘empregabilidade'. Os operários fordistas lutavam para reduzir a parte do horário que ia embutida como lucro nos carros que produziam; os trabalhadores imateriais nas metrópoles desviam os slogans publicitários de uma montadora (‘Vem Pra Rua') para ressignificar os agenciamentos produtivos que se desenham na circulação".
Giuseppe Cocco é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova. É mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). É doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Manifestações sociais massivas descontentes com a política e a economia iniciaram no Oriente, na Espanha, em Wall Street. E agora chegam ao Brasil. Por quê? O que estas manifestações sociais representam?
Foto: amaivos.uol.com.br
Giuseppe Cocco - Podemos logo começar dizendo que o que caracteriza essas manifestações é que elas não representam exatamente nada ao passo que, por um tempo mais ou menos longo, elas expressam e constituem tudo. O primeiro elemento é este: elas têm uma dinâmica intempestiva, fogem a qualquer modelo de organização política (não apenas os velhos partidos ou os sindicatos, mas também o terceiro setor, as ONGs) e afirmam uma democracia radical articulada entre as redes e as ruas: autoconvocação e debates nas redes sociais, participação massiva às manifestações de rua, capacidade e determinação de enfrentar a repressão e até capacidade de construção e autogestão de espaços urbanos como foram a Praça Tahrir, as acampadas espanholas e as tentativas do Occupy Wall Street e, enfim, a Praça Taksim em Istambul, na Turquia. Para cada uma dessas ondas e dessas que chamamos de "primaveras" houve um estopim específico, mas todas dispõem de uma mesma base social (por mais diferenciadas que sejam as trajetórias socioeconômicas dos diferentes países) e dos mesmos processos de subjetivação. No caso do Brasil, todo mundo sabe que o estopim foram os protestos contra o aumento do preço das passagens nos transportes públicos. Como foi o caso de outras marchas, a manifestação em São Paulo foi violentamente reprimida pela Polícia Militar. Só que dessa vez a faísca não se apagou numa "marcha da liberdade" e incendiou São Paulo e todo o país. Mas saber que o estopim foi esse não nos permite avançar na análise.
Por que agora? É difícil responder e talvez a característica própria desse tipo de movimento é que ninguém sabe propor razões "objetivas" indiscutíveis. Contudo, podemos avançar três explicações: a primeira explicação tem a forma de um segundo "estopim" e é a quase coincidência do episódio da repressão da marcha pelo passe livre em São Paulo com a renovação das primaveras árabes e do 15M espanhol nas lutas duríssimas da multidão turca na Praça Taksim, em Istambul (não por acaso, na segunda manifestação carioca, que já reunia 10 mil pessoas, um dos gritos era: "acabou a mordomia, o Rio vai virar uma Turquia"); uma segunda explicação está no fato que esse ciclo de "revoluções 2.0" começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais; a terceira explicação é mais consistente e a mais importante e diz respeito ao que são essas "novas gerações" no Brasil de hoje, ou seja, essas gerações de jovens que só conheceram o Brasil de Lula. O que é incrível e até irônico é que o próprio PT não tenha previsto isso e ainda hoje seja incapaz de enxergar esse dado importantíssimo.
IHU On-Line - Quais as aproximações e diferenças entre as manifestações brasileiras e as que vêm ocorrendo em outros países?
Giuseppe Cocco - As aproximações são mais importantes do que as diferenças, que apenas enfatizam a qualidade específica de cada evento.
Num primeiro nível, há em comum a articulação entre as redes e as ruas como processo de autoconvocação das marchas e manifestações que ninguém consegue representar, sequer as organizações que se encontraram no cerne da primeira chamada: a tentativa de "empoderar" os rapazes do Movimento pelo Passe Livre em São Paulo ("oficializados" pela presença no Roda Viva e a negociação com prefeitura e estado) mostrou que eles não controlam nem dirigem um movimento que se autorreproduz de maneira rizomática (as manifestações aconteciam ao mesmo tempo sem respeitar qualquer tipo de "trégua").
Num segundo nível, há em comum o esgotamento da representação política. No Brasil, esse fenômeno foi totalmente subavaliado pela "esquerda" e, sobretudo, pelo PT porque não o entenderam (e não o entendem).
Inicialmente pensaram que fosse um problema das autocracias do Norte da África (Tunísia e Egito); depois que fosse a incapacidade dos socialistas espanhóis (PSOE) de responder de maneira soberana às injunções das agências internacionais de notação ou do Banco Central Europeu. Depois pensaram que o 15M espanhol não consegue encontrar uma nova dinâmica eleitoral ao passo que o partido de Beppe Grillo mostrou na Itália um fenômeno eleitoral totalmente novo e desgovernado.
Em seguida, pensaram que o Egito e a Tunísia foram normalizados eleitoralmente pelo islamismo conservador e aí aparece o levante turco contra o governo islâmico moderado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário