(Foto: Divulgação) |
“Falta de estudo dos pais, causa principal da mortalidade infantil no Brasil.” Manchete de diversos jornais. Desnecessário reproduzir as estatísticas. Destaco uma das conclusões: a falta de estudo (analfabetismo) contribui duas vez mais para a taxa da mortalidade infantil do que a falta de comida (fome). Isso, porque os pais pouco instruídos simplesmente não sabem o que devem fazer em caso de problema, nem sequer como encaminhar os casos aos devidos serviços médicos e sociais, se é que têm conhecimento deles. Além de não terem noções básicas sobre higiene, saúde etc.
Aproveito essa manchete para insistir mais uma vez no desenvolvimento ou formação integral, necessários para que o ensino seja legitimamente chamado de educação (o nome oficial do ministério responsável é Ministério da Educação, por incrível que pareça).
A tendência de aumentar as aulas das ‘matérias úteis’ (matemática e português) em detrimento das ‘inúteis’ (artes, filosofia, ensino religioso) mostra em que sentido vai o pensamento dominante, se pensamento é.
Não que eu deseje um ensino humanístico cheio de erudição para impressionar os frequentadores dos salões. Isso é coisa do século dezenove, cultura bacharelesca bem descrita por Machado de Assis. O que desejo é bem outra coisa: saber para viver. Saber viver.
O ensino básico – aquele que é obrigatório para todos os brasileiros – deve ensinar, explicita e repetidamente, nas diversas séries, de acordo com o grau de maturidade próprio de cada série e com base em planejamento adequado, as noções básicas de saúde, de conhecimento corporal, de higiene, dos processos psicológicos e afetivos, do comportamento sexual, dos efeitos e da organização das drogas, da estrutura da sociedade, do funcionamento da política, das regras de trânsito para motoristas, motoqueiros, bicicletas e pedestres. Além de uma visão crítica do mercado, do comércio, dos meios de comunicação, do discurso político e outras coisas mais. E nesses conhecimentos eu incluiria também a religião, no seu aspecto cultural e social, e também no aspecto da experiência e consciência do Transcendente.
Ora, não basta dizer que isso são noções ‘transversais’, não basta ‘tocar nisso’ em disciplinas voltadas predominantemente para o conhecimento técnico-instrumental. Educação afetiva para a sexualidade não é assunto do curso de biologia. Nem se deve supor que a ‘atmosfera’ da escola comunique isso. Olhe a atmosfera de nossas escolas públicas! E nem quero falar da atmosfera das escolas particulares, mesmo confessionais, envenenada pela competição e o consumismo.
Os conhecimentos de que estava falando fazem parte de uma abordagem pedagógica própria, visando à formação da pessoa completa. Claro, a formação da personalidade não é alheia às disciplinas de cunho instrumental, mas ela exige que haja o devido espaço para conversar com os alunos sobre as questões que dizem respeito à sua pessoa, levando em consideração seu contexto social e cultural. Inclusive, a situação familiar. É preciso que o ensino penetre até o chão dos casebres em que os alunos moram (ou deveriam morar, caso morem na rua).
Não é a primeira vez que escrevo isso, mas volto a insistir, pois é urgente. Dar a culpa a uma sociedade indiferente, desleixada e degenerada é dar a culpa a nós mesmos.
A falta de formação básica integral, de noções elementares de comportamento e responsabilidade, verifica-se em todos os níveis, e está aumentando ainda com a automação e informatização, que faz com que as pessoas trabalham com produtos sem conhecer os processos, pensam que o pão sai do forno já fatiado... Penso nos técnicos de informática que fazem belas páginas sem saber o que estão fazendo, deformando os textos que caem em suas mãos. Ou, como me aconteceu, uns anos atrás, numa livraria que se chama educativa: comprei dez cartões de cinquenta centavos e fui ao caixa com uma nota de cinco reais, mas a moça não conseguia calcular o valor porque a maquininha estava nas mãos de outra funcionária...
Ou veja o caso da medicina. O número de médicos em alguns Estados do Brasil é bem superior à proporção que se encontra em países da Europa Ocidental. E mesmo nesses Estados, há falta deles no interior, como faltam infraestrutura, fornecimento regular de medicamentos etc. Mas em vez de se organizarem em torno desses problemas, toda a atenção vai para problemas que são consequências, não causas. Por exemplo, a aparente discriminação entre as exigências para validação de diplomas obtidos no exterior e a contratação emergencial de médicos num programa de ajuda de uma nação estrangeira – casualmente ideologicamente predisposta, pois senão, não o faria... E, de fato, eu conheço pessoas formadas em medicina, que atuam no Brasil como cooperadores do desenvolvimento, porém, sem poder exercer a profissão em que se formaram, por razões burocráticas. Não será que a complicada validação dos diplomas foi uma reserva de mercado promovida pelos próprios organismos corporativos?
O que quero dizer é que a situação que se criou – o superdesenvolvimento da medicina estética e o subdesenvolvimento da clínica geral e ausência nos lugares afastados – é a consequência de falta de visão e de verdadeiro humanismo e generosidade. Agora não adianta lamentar o leito derramado.
Johan Konings Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara.
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