Trabalhadores protestaram contra o PL 4330, em setembro deste ano.
Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total
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Atualmente o Brasil tem, segundo a Câmara dos Deputados, cerca de 15 milhões de trabalhadores terceirizados. Mais de 30 projetos sobre o tema tramitam pela casa, assim como mais de 30 audiências públicas já ocorreram para debater o assunto. Com o objetivo de regulamentar o trabalho terceirizado no país, o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) propôs o Projeto de Lei (PL) 4330/04. O relator do PL, Arthur Oliveira Maia (PMDB-BA) – que acolheu mais de 20 emendas dos trabalhadores e do governo à iniciativa –, afirma que hoje há precarização no trabalho terceirizado porque não existe regulamentação. E na opinião do presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, a regulamentação não pode atender a nenhuma posição radical, seja ela dos empregadores ou dos empregados.
No último debate realizado na Câmara, o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, afirmou que a terceirização é uma forma moderna de organização das atividades econômicas. Para ele, a falta de legislação não é benéfica nem para os trabalhadores e nem para os empregadores. Conforme Furlan, a regulamentação garantirá mais segurança jurídica para as relações trabalhistas. Os representantes de sindicatos de trabalhadores terceirizados também defendem a regulamentação.
Por outro lado, as centrais sindicais criticam a proposta. Elas alegam que a principal característica das empresas terceirizadas é pagar aos terceirizados 60% do salário dos outros funcionários e menos benefícios. Além disso, as centrais denunciam que o substitutivo do deputado Arthur Maia permite a contratação de serviços terceirizados na atividade fim das empresas, o que hoje é considerado como terceirização ilícita.
Análise
Segundo a advogada, professora de Direito do Trabalho da Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Direito do Trabalho, Thais Cláudia D´Afonseca Silva, o Projeto de Lei 4330/04 trouxe à tona essa discussão sobre terceirização, que divide opiniões entre empresários e empregados. “Muito além de ser uma prática utilizada na gestão empresarial, a terceirização, na maioria das vezes, esconde um contexto de precarização de direitos e deterioração do meio ambiente do trabalho. Recentemente juristas e juízes da área trabalhista se uniram às vozes das centrais sindicais para promover um manifesto de repúdio à atual proposta de regulamentação da terceirização no Congresso Nacional”.
Ela ressalta que a iniciativa em questão prevê a possibilidade de terceirização de qualquer atividade dentro da empresa, inclusive aquelas da área fim. Assim, a fórmula de contratação bilateral – empregado e empregador – poderá ser substituída, de modo generalizado, pela contratação através da intermediação de uma ou várias empresas em série, para que terceirizados trabalhem em qualquer atividades ou etapa do processo produtivo da empresa contratante. “Atualmente, segundo entendimento do TST na Súmula 331, somente poderiam ser terceirizadas, de modo permanente, atividades acessórias, ou seja, atividades da área meio, aquelas que não estão ligadas ao objetivo ou à finalidade da empresa contratante”, explica.
Condições precárias
De acordo com Thais Cláudia, os terceirizados não possuem os mesmos direitos que os empregados da empresa contratante e o referido projeto não prevê a igualdade, apesar de ampliar a modalidade de contratação para todos os setores da empresa, inclusive para as atividades finalísticas.
“A lógica de precarização das condições de trabalho e direitos dos trabalhadores terceirizados é simples: uma empresa terceiriza certa etapa de seu processo produtivo para outra, que deverá fazer as mesmas atividades por um custo bem inferior. Neste sentido, em busca de redução de custos, os trabalhadores terceirizados não recebem os mesmos benefícios e direitos que os empregados da empresa tomadora. Estudos comprovam que os terceirizados podem receber até 50% a menos e estão mais sujeitos a acidentes do trabalho”.
A advogada e professora da Dom Helder cita, a exemplo disso, o ocorrido com os bancos a partir dos anos 90. Ela conta que eles dispensaram um número absurdo de empregados que, por serem bancários, tinham mais direitos e jornada diária de seis horas. No lugar deles foram contratados terceirizados que recebem valores abaixo do piso salarial da categoria e trabalham oito horas por dia. “Mas, a prática se estende entre os seguimentos de telefonia, mineração, energia elétrica, indústrias, chegando inclusive nos entes públicos, entre outros”.
Flexibilização
Ela frisa que hoje, quando uma terceirização é realizada em atividade da área fim, ela é considerada ilícita e gera vínculo direto com a tomadora dos serviços (nos entes de direito privado), resultando no recebimento dos mesmos direitos dos empregados da empresa tomadora. “Porém, caso aprovada, a nova lei poderia então generalizar uma modalidade de contratação mais precária, tornando lícita qualquer contratação desta modalidade e trazendo grave retrocesso social, com perda de renda e direitos aos trabalhadores. Além disso, contribuiria para a fragmentação do potencial de luta dos empregados, na medida em que a terceirização dissolve a representatividade coletiva”.
Conforme Thais Cláudia, como o projeto prevê a possibilidade das empresas contratadas ainda subcontratarem serviços, isso dificultará ainda mais para o trabalhador receber seus direitos em caso de inadimplência. “A prática mostra que mesmo quando existe somente uma empresa interposta, muitas vezes o terceirizado tem grande dificuldade em receber seus créditos nas ações judiciais, pois essas empresas fecham ou possuem sede em cidade diversa da prestação de serviço. Nas subcontratações, maiores são as chances de piorar as condições de trabalho na cadeia produtiva, como nos casos de conhecimento público em que empresas de grande porte se utilizam trabalho análogo a escravo, inclusive com imigrantes ilegais, ou trabalho infantil em suas cadeias produtivas extensas”.
Na contramão
Além disso, a advogada e professora da Dom Helder chama atenção para o fato do PL 4330 contrariar o trabalho decente proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) aos países membros. Em 2009 o Brasil implementou, por declaração conjunta com a OIT, o Plano Nacional de Trabalho Decente. Segundo a OIT, o trabalho decente se sustenta em quatro eixos estratégicos: a eliminação de trabalho forçado, abolição de trabalho infantil, eliminação de toda formação de discriminação em face de emprego e ocupação, e liberdade sindical.
“Porém, a terceirização, por si só, produz discriminação no ambiente de trabalho, diminui os direitos dos trabalhadores e fragmenta a atuação coletiva deste trabalhador, ainda mais se for concebida de modo indiscriminado. A busca pelo trabalho decente no país visa superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. A proposta que tramita na Câmara e busca, simplesmente, interesses econômicos em detrimento das condições de trabalho vai de encontro ao que o próprio país se obrigou perante à OIT”, conclui.
Dom Total
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