quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Síndrome de Pânico

Tornou-se conhecida a experiência dos etólogos com ratinhos. Fechados numa gaiola à medida que cresce o número no mesmo espaço, aumenta também a agressividade entre eles. Assim família numerosa morando em casa grande sofre menos o risco da violência e da agressividade entre os membros do que se habitasse um barracão. E vemos tantas e tantas famílias morarem num cômodo só para tudo!

Então nos comportamos como os ratinhos? Sim e não. Para bem e para pior. Sim, porque somos também animais e como tais reagimos semelhantemente aos irracionais em muitos comportamentos. Isso justifica o estudo da etologia que pesquisa as reações dos animais para entender melhor o proceder humano. A violência situa-se na origem da síndrome do medo. E a violência humana cresce em virtude das gigantescas aglomerações humanas. A nossa natureza animal sente ameaçada por tanta densidade habitacional e reage com violência e medo, como os irracionais.

Diferenciamo-nos dos ratinhos, porque criamos cultura. E isso para bem e para mal. Para bem, podemos diminuir por meio da educação o crescimento da agressividade, provocado pelas condições físicas. Com isso, minimizamos as circunstâncias adversas. Uma família, que habita espaço minúsculo, estabelece certas regras internas do seu uso para evitar o aumento da agressividade. E assim nos diferenciamos dos ratinhos que não criam consensos nem normas de procedimento.

Mas comportamo-nos pior do que os bichos, precisamente porque somos racionais. Temos possibilidade de multiplicar a violência e, com ela, o medo. No caso dos roedores funciona simplesmente o lado instintivo. Em nosso caso, a inteligência perversa planeja, organiza e realiza atos de violência que elevam a taxa de perigo da vida em sociedade.

O lado cultural goza ainda influência maior. Não se trata unicamente de casos isolados que se multiplicam e que não passam de decisões punctiformes. A cultura pesa mais. Inventa símbolos, regras de proceder, códigos interpretativos da vida, estruturas de comportamento, modelos imitativos, maneira normal de pensar e agir de tal maneira que as pessoas aí se movem como no seu habitat. Produzimos cultura e a assimilamos. Gestos de violência se multiplicam. Destarte, comportamentos de agressividade da parte de outros tornam-se “normais”, inteligíveis, previsíveis e, portanto, causam medo latente no relacionamento. A cultura se gesta tanto pelo cotidiano da violência física quanto pelo imaginário produzido pela mídia. Pouco a pouco se consideram os atos de brutalidade, de agressividade, de destruição, projetados infinitas vezes nos filmes, nos noticiários, nos videogames, enfim, na parafernália eletrônica de hoje, como a coisa mais comum. Acultura da violência impõe-se. 

A geração jovem, sensível a esses apelos, embarca facilmente na onda bruta, alimentando-se dela e alimentando-a com seu comportamento. Entramos em círculo infernal que só se rompe simultaneamente dos dois lados, tirando o alimento externo da violência e impedindo que os comportamentos o produzam.

Nesse momento, o Cristianismo dispõe de palavra própria. Prega a reconciliação em todos os níveis. A vocação cristã pede viver e testemunhar amplamente a dimensão de reconciliação, diminuindo a violência e reduzindo, portanto, a síndrome do medo. “Não há temor no amor (1 Jo 4, 18)”.Onde há amor, há reconciliação e não há violência; e onde não há violência, não há medo.

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação. 

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