Sou Brasil na minha mestiçagem, nas minhas contradições, nos meus paradoxos, no meu calor anormal.
'Sou Brasil porque às vezes me sinto o rei da cocada branca'.
Por Ricardo Soares*
Há três anos, trabalhei em um projeto que consistia em entrevistar 20 pessoas notáveis em seu setor com uma pergunta em comum : "Como você se sente sendo brasileiro?". Era, aliás, uma das exigências daquele trabalho fazer essa pergunta a todos eles o que me remeteu inevitavelmente a uma outra questão aplicada a mim mesmo e a eles: "Eu me pareço com o Brasil?".
Talvez parecido com o Brasil eu sempre tenha sido. Nas minhas contradições, nos meus paradoxos, na minha pressa em resolver coisas sérias e em postergar outras coisas mais sérias ainda. Sou Brasil nos meus paradoxos, no meu trânsito lento, no meu calor anormal, na minha falta de paciência e na paciência infinda em ter que entrar nas filas da vida quando existem outros "brasileiros" que as furam, podam pelos acostamentos, param em filas duplas e se acham tão diferenciados que esse lance de cumprir lei é mera bobagem.
Sou o Brasil na minha mestiçagem, na minha parecença com quem veio antes de mim a descer de navios ou a sair de tabas ainda mascando o milho da véspera. Sou o Brasil porque as vezes me sinto um pária e noutras o rei da cocada branca. Também o sou porque por mais que queira parecer desenvolvido levo dentro de mim um subdesenvolvimento que me faz bem na medida em que coloco muitas vezes o coração antes da razão. Raciocino com a intuição e não com o cálculo, arrisco no tempero e mesmo que eu erre na receita na maioria das vezes dá para almoçar direitinho.
Pareço o Brasil porque também sou cachaça, torresmo e bolo de aipim. Sou freguês de rima barata, adoro dramalhão na canção e posso misturar frango com polenta a quibe e tabule. Sou meu país pois não passo sem café, arroz- feijão, beijo, abraço, aperto de mão. Também o sou pois posso ser fugaz ou malemolente, posso ser moroso ou urgente mas me perco em saudosismos épicos quando vejo um trem antigo passar.
Pareço o Brasil pois, às vezes, quero entrar no primeiro ônibus que passa, mas muitas vezes quero parar o mundo para descer, pois, como o meu país, eu sou único e isso não quer dizer que eu seja bom, ou "o bom". Mas sou único como aquela única fatia da laranja, aquele único e ultimo bolinho de chuva que sobrou dentro do tacho e a possibilidade de sempre ao invés de ter certezas concluir apenas : "eu acho". Isso é ser mineiro? Não é ser brasileiro?
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.
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