sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Efeito estufa - Marcus Eduardo



Se o teor de gás carbônico subir muito, a temperatura na Terra ficará insuportavelmente alta (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira

É bastante pertinente a ponderação de que a economia está vinculada à ecologia e à termodinâmica. Sendo um sistema aberto (embutido) ao sistema ecológico, a economia passa a ser regida pelas leis da termodinâmica.
O problema maior é que além de não reconhecer essa “dependência”, o ensinamento neoclássico trata com razoável menosprezo a questão em torno dos limites da natureza. A atmosfera, por exemplo, pela elevação da temperatura produzida especialmente pela expansão da atividade econômica é uma das primeiras a sofrer as consequências.
Tornando essa passagem um pouco mais didática, é oportuno apontar que a atmosfera é uma mistura de muitos gases. Dois gases acabam “formando” 99% da massa atmosférica: o nitrogênio (com mais de 78%) e o oxigênio (com 20,95%). Sobra 1% para outros componentes menores (neônio, metano, hidrogênio, dióxido de carbono, ozônio e outros). O que acontece é que a temperatura da atmosfera é controlada pelo teor de alguns destes componentes menores, principalmente pelo gás carbônico.
É importante salientar que se apenas existissem nitrogênio e oxigênio, a temperatura da atmosfera seria muito baixa e a maior parte dos mares viraria gelo, dificultando o desenvolvimento das espécies. Acontece que o gás carbônico e o metano (em menor proporção) são os gases que retém o calor do sol e evitam esse congelamento dos mares.
Se o teor desses gases subir muito (acima de 1%) a temperatura na Terra ficará insuportavelmente alta. A questão temerária é que a atividade econômica, na sanha em estimular o crescimento físico da economia, tem provocado substancialmente o aumento desse teor, promovendo o aquecimento do clima. É a esse fato que se dá o nome de Efeito Estufa.
Cada vez que se queima petróleo, carvão mineral e florestas (desmatamento), aliado à ação das indústrias que poluem o ar, são introduzidos bilhões de toneladas por ano de gás carbônico na atmosfera, sendo que 85% são originados dos combustíveis fósseis.
Com isso, estimular o crescimento econômico só faz aumentar a pressão sobre os serviços prestados pela natureza. Crescimento é expansão, e o mundo ecológico não suporta mais um tipo de expansão exageradamente agressivo à escala de valores da natureza, em especial aos da biodiversidade.
Voltando ao início desse tópico, enquanto o paradigma maior da ciência econômica girar em torno da busca pelo crescimento, o limite biofísico será constantemente ferido.
Mudar esse princípio, como aqui estamos defendendo sob a orientação dos três parâmetros-chave descritos, é o principal desafio dos próximos tempos. Para tanto, faz-se necessário estabelecer uma economia que opere em sintonia com os princípios da natureza, reconhecendo, de antemão, a dependência do sistema econômico em relação à ecologia e à termodinâmica.
Faz-se necessário ainda estabelecer as bases de um modelo econômico que busque desenvolvimento sem escravizar a natureza, sem desfigurar o semblante da Mãe Terra, de Gaia.

Sem escravizar a natureza
Esse último século de produção econômica tem sido marcado por uma economia de acumulação que como bem disse Dominique Voynet, ex-ministra do Meio Ambiente francês no governo de Lionel Jospin, “não se baseia no capital do planeta, mas em seu estoque”.
Essa prática largamente difundida pela atividade econômica, além de dilapidar o patrimônio natural, degradando os serviços ecossistêmicos, fez surgir uma sociedade de mercado sem horizontes humanos.
Para buscar o crescimento, como se com isso fosse possível contemplar a todos, a economia escravizou a natureza e fez do mercado de consumo um local frequentado por apenas 20% (mais ricos) da população mundial que se chafurda no consumo suntuoso.
Com a intensa dilapidação da natureza, a desertificação hoje afeta um terço da terra firme do mundo – são quatro bilhões de hectares. Segundo o estudo Avaliação Ecossistêmica do Milênio (organizado pela ONU, em 2005) ao longo dos últimos 50 anos a atividade humana esgotou 60% dos pastos, florestas, terras cultiváveis, rios e lagos do mundo.
Apenas nos últimos 40 anos, 18% da Floresta Amazônica foi destruída. Das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo, mais de 60% apresentam uma retirada de peixes mais acelerada que a sua taxa de reprodução.
Nessa sociedade econômica desumana, desigual e dilapidadora das bases da natureza, acentua-se cada vez mais a disparidade entre o modo de consumir dos mais ricos em comparação aos dos mais pobres.
Simplesmente, 45% da carne e do peixe do mundo são consumidos pelos 20% mais ricos da população mundial. Dados do Banco Mundial apontam que atualmente 2,8 bilhões de pessoas sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Dois quintos da riqueza mundial estão concentrados nas mãos de apenas 37 milhões de indivíduos. Apenas dois países - Estados Unidos da América e Japão - concentram 64,3% dos indivíduos entre o grupo de 1% mais ricos do mundo. Entre os 10% mais pobres do mundo, 26,5% estão na Índia, 6,4% na China e, 2,2%, no Brasil.
Enquanto aumentam as disparidades socioeconômicas, a população mundial aumenta e as economias modernas, para atenderem a essa demanda, buscam nas elevadas taxas de crescimento satisfazer a sanha consumista dos mais vorazes.
Os números que enlaçam esses crescimentos são ilustrativos. Em 1900, havia 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Hoje, dividimos o mesmo espaço da Terra com 7 bilhões de bocas. A atividade econômica, em apenas 50 anos – de 1950 a 2000 – cresceu de US$ 5 trilhões para US$ 50 trilhões.
A produção econômica cresceu, a população consumidora quadruplicou, o mercado se expandiu e o meio ambiente, escravizado pela atividade humana, ficou fragilizado. Para atender exclusivamente esse aumento no consumo, a natureza foi totalmente desfigurada pelo modo de produção industrial. Mais produtos, menos recursos naturais. Mais mercado, menos biosfera. Mais consumo, menos natureza.
O que segue serve de exemplo: Um quilo de café cultivado requer 20 mil litros de água. Um computador portátil pesando 3 quilos exige em sua produção o equivalente energético de 350 kg de petróleo. Para a produção de um quilo de cereais necessitam-se de um mil litros de água.

A desmaterialização da economia
Uma alternativa para conter essa agressão ambiental, emoldurada no uso intensivo de recursos naturais, seria estancar tanto o crescimento populacional quanto o consumo supérfluo, como já apontamos.
Conquanto, como é quase impossível que as autoridades econômicas dos governos modernos estanquem o crescimento econômico, uma possibilidade para fazer a vida ecológica continuar “respirando” satisfatoriamente seria promover um crescimento econômico a taxas mínimas de impacto ambiental negativo.
Como fazer isso? Praticando a desmaterialização da economia. Em que consiste? Desmaterializar a economia significa promover ações que reduzam o consumo de materiais, desde a energia, água, terra, florestas e minerais em cada unidade de produção econômica. Desmaterializar é promover uma redução drástica do volume dos resíduos sólidos, diminuindo a agressão sobre a biosfera, atenuando, por consequência, a produção de lixo ao final do processo produtivo. Desmaterializar é, grosso modo, procurar por um desenvolvimento sem escravizar a natureza.
Essa limitação do crescimento econômico pela desmaterialização pode ser ajudada pelo avanço da tecnologia. Inequivocamente, a evolução da tecnologia gera desmaterialização.
Entretanto, essa mesma tecnologia tem sido incentivada em sentido contrário: não para desmaterializar a atividade econômica, mas para incitar novas produções consubstanciadas na tacanha prática da obsolescência programada.
Assim, aumenta-se a produção para atender ao exagerado consumo, diminuindo, na ponta final, a natureza.
Na verdade, estamos sendo constantemente “engolidos” pelo consumo. Victor Hugo (1802-1885), célebre escritor francês, vislumbrou isso: “Por força de querer possuir, nós nos tornamos possuídos”.
Por estarmos sendo possuídos, lamentavelmente não ouvimos os reiterados recados dados pela natureza.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e especialista em Política Internacional.

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