quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O meu, o seu, o nosso dinheiro

Os recursos depositados em bancos devem estar prontamente disponíveis para serem devolvidos.

Por Alexandre Kawakami*

Trabalhei durante muito tempo fazendo inspeção de bancos em instituições financeiras japonesas, europeias, norte-americanas e brasileiras localizadas em Tóquio. Sempre me impressionou a diferença de cultura de cada uma, mas a natureza das instituições financeiras brasileiras é realmente única.

Dentre os vários pontos que são observados pelo órgão regulador japonês, um princípio é arraigado e incontroverso: uma das principais razões, se não a principal, para ter-se uma vigília próxima das ações de bancos reside no fato de que o banco não é proprietário dos recursos que administra, mas depositário.

Ou seja, os fundos confiados aos bancos devem estar prontamente disponíveis aos seus donos de direito, ou seja, os depositantes. Isso se manifesta, em regulação, de várias formas.

Por exemplo, a incapacidade de um cliente de ter acesso à sua conta pela internet ou caixas automáticos é um problema considerado muito grave no Japão. Se o site de um banco fica fora do ar ou se o caixa automático se desliga do sistema, em qualquer lugar, por mais de uma ou duas vezes ao ANO, a instituição financeira é colocada em situação de monitoramento e tem que apresentar ao regulador um plano de ação que garanta a solução do problema. Isso porque, num mundo onde as operações se tornam cada vez mais virtuais, o cliente tem o direito de poder movimentar fundos que são seus a todo o momento. São de sua propriedade, ora bolas. É consenso e os bancos de lá não reclamam.

Essa noção se estende a todas as atividades bancárias. Se a gerente de um banco informa que uma conta vai ser aberta em dois dias (e ela é obrigada a colocar tais condições em material por escrito), uma falha em fazê-lo gera um alerta que leva a um termo de ajustamento de conduta. Se uma remessa é feita em conta e depende de documentação ou ação do depositante, o banco deve certificar-se de que o cliente foi informado de tal condição e que, uma vez solucionada a questão, os fundos estarão à sua disposição. Extravio de fundos e cobrança de serviços não contratados gera ação penal, sem conversa.

As instituições financeiras brasileiras que inspecionei nunca acreditavam quando eu apontava os requerimentos do regulador japonês. Para elas, a queda de website ou caixa automático não era um problema anual, era um problema diário e insolúvel. O website e o caixa eletrônico são conveniências que o banco oferece ao cliente... é favor! "Você agora vai reclamar de receber favor?"

Não poder completar uma remessa era geralmente problema do cliente: oferecer um serviço ocasiona problemas inevitavelmente e achava-se natural que, em alguns casos, os fundos não fossem enviados, fossem extraviados ou perdidos. Com tantas contas, é impossível estar sempre correto, alguns me diziam... "Se eu tiver de cumprir isso tudo eu não volto mais pra casa." Em outras palavras, "antes o meu descanso que o seu patrimônio".

E ainda assim, as instituições japonesas, europeias e norte-americanas cumpriam esses requerimentos. O regulador deixava claro: "Se não consegue administrar o patrimônio de seu cliente, vai fazer outra coisa. Banco, você não pode ser".

No Brasil, ficamos ouriçados porque os bancos lucram cifras imensas. Isso causa revolta em alguns porque pensam na função social deste lucro (ou seja, "vamos tomar dos bancos para dar aos pobrezinhos"). Mas o que deveria causar real desconforto é o fato de que, em vários casos, nossa propriedade, fruto de nosso esforço e trabalho, é desrespeitada sem compromisso. "Não posso fazer isso por você" é, muitas vezes, uma resposta ilegal, e não descortês.

É essa ausência de carinho do brasileiro às nossas propriedades cotidianas que faz com que fiquemos cada dia mais pobres em serviços, em dinheiro e em higiene mental. É por isso que os telefones são tão ruins, a internet é tão devagar, os carros são tão medíocres, os hospitais são tão displicentes, o imposto é tão alto e os ladrões são tão coitadinhos.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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