Marcus Eduardo de Oliveira
Numa determinada época em que o crescimento econômico parecia ser a única alternativa para promover o bem-estar dos povos, um especialista em economia, versado em matemática e estatística, vindo da Romênia, ousou desafiar o discurso econômico tradicional e discorreu palavras fortes contra as noções centrais da teoria do crescimento econômico.
Esse especialista, em seu tempo, disse que “os níveis de crescimento da economia não mais poderiam prosseguir sem que as gerações futuras pagassem o ônus da irresponsabilidade”.
Para esse especialista era de fundamental importância que todos entendessem que o desenvolvimento humano depende da retração da atividade econômica, ou seja, de certo encolhimento, e não de uma expansão do produto.
Esse especialista entendeu, antes de muitos outros, que a civilização em busca do progresso a qualquer monta carregava, em si, um caráter destruidor. E percebeu mais: que energia, economia, entropia e ecologia são termos e conceitos que não podem ser discutidos (e ensinados) em separado, como sempre se praticou.
O futuro da economia e a economia do futuro, para esse especialista, nunca esteve condicionado, portanto, às elevadas taxas de crescimento do produto, mas, sim, em sentido contrário: promover a retração da atividade econômica, ou seja, propor de imediato o “decrescimento econômico”, pois o progresso, nos moldes em que estava se consolidando, era potencialmente gerador de desordem ambiental.
Essa determinada época mencionada são os anos 1960. Até então, pouco se falava na existência de “limites ao crescimento econômico”, pois não se associavam às relações da economia com as da ecologia, embora, tempos antes (1869), Ernst Haeckel (1834-1919) em seu livro “Generelle Morphologie des Organismen” tenha chamado a Economia de “ciência ecológica”.
Todavia, pouco tempo depois dos anos 1960, mais precisamente em 1972, dava-se início a primeira conferência internacional para se discutir a atividade econômica e seus impactos sobre o meio ambiente. Estocolmo, capital sueca, recebia, em 1972, a delegação de 113 países na “Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano” (United Nations Conference on the Human Environment).
Onze anos depois desse primeiro encontro, a Organização das Nações Unidas (ONU) criavam a “Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento”. Dessa Comissão surgiria, tempos depois, o relatório, “Nosso Futuro Comum”, também intitulado de “Relatório Brundtland” (Our Common Future – Brundtland Report); uma espécie de “filho legítimo” de outro importante relatório produzido pelo Clube de Roma, em 1972, “The Limits to Growth”, (Os Limites do Crescimento) assinados por Donella Meadows, Dennis Meadows e Jorgen Randers.
Contudo, o ponto principal levantado pelos estudiosos que assinaram esses documentos, em especial, o Relatório Brundtland, afirmavam que: “A economia global deve atender às necessidades e desejos legítimos das pessoas, mas o crescimento tem que se adequar aos limites ecológicos do planeta.”
O Relatório da Comissão Brundtland, cujo nome se deve à sua presidente, Gro Bruntland, médica e primeira-ministra da Noruega, pediu “uma nova era de desenvolvimento econômico ambientalmente saudável”. Esse Relatório ainda atestava que “a Humanidade tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentável - de assegurar que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades.”
O fato notável é que a partir desses encontros internacionais, ainda que timidamente, a comunidade acadêmica começou a ensaiar observações consistentes sobre a relação economia e meio ambiente.
Todavia, foi a partir de determinado momento, mais precisamente nos anos iniciais da década de 1970, que as Leis da Economia e as Leis da Física, em especial, as Leis da Termodinâmica tiveram “uma relação mais próxima” a partir do trabalho pioneiro (1) daquele especialista em economia que fizemos menção no início do texto.
Exclusivamente, isso se deu por conta da inter-relação existente entre a economia e a preservação do meio-ambiente, envolvendo as variáveis econômicas e os conceitos básicos que decorrem desses campos de análise (Economia), com ênfase específica na entropia (Física) (2).
Não por acaso, alguns manuais de Economia atestam que a Ciência Econômica é um corpo de conhecimento bem articulado, assim como a Física.
Dessa simbiose aparentemente complexa, podemos exaltar dois nomes de suma importância, tanto no campo da Física, quanto na Economia. O alemão Rudolf Clausius (1822-88), pelo lado da Física, e o romeno Nicholas Georgescu-Rogen (1906-94), pelo lado da Economia, são esses personagens “esquecidos” num canto qualquer da história do pensamento.
N. Georgescu-Rogen é o nosso “personagem” aqui referido desde o início. Dele, Paul Samuelson, prêmio Nobel em Economia, chegou a dizer ser “o professor dos professores e o economista dos economistas”.
A origem do termo Entropia
Foi então somente a partir dos anos 1970, que as leis da termodinâmica passaram a exercer alguma influência no campo de análise de alguns economistas, embora, ainda hoje, mais de quarenta anos depois, pelos manuais tradicionais de Economia, o nome de Georgescu-Rogen é absurdamente “ocultado” no ensino universitário.
Georgescu-Rogen, um dos mais brilhantes economistas do século XX, foi simplesmente deixado de lado nos debates que envolvem a questão crucial do crescimento econômico e, muitos são os apedeutas de plantão que continuam ensinando a Economia como se essa fosse apenas e tão somente um sistema totalmente “desacoplado” do meio ambiente.
Ora, o sistema econômico é apenas um subsistema de um sistema maior chamado meio ambiente. A economia deve, portanto, estar submetida a esse sistema maior.
Quanto ao termo Entropia, cabe apontar que originalmente "entropia" (troca interior) surgiu como uma palavra cunhada do grego de “em” (en - em, sobre, perto de...) e “sqopg” (tropêe - mudança, o voltar-se, alternativa, troca, evolução...).
Pela entropia, é permitido avaliar-se a degradação da energia de um sistema. Com isso, mede-se o grau de desordem de um sistema. Tudo isso pode ser condensado em uma única questão: a produção. Entre outros fatores, a produção envolve a energia. Assim, um postulado a ser considerado é que o uso da energia é um dos fatores (não o único) determinante da atividade econômica.
Para uma adequada caracterização da entropia, é recomendável recorrer ao físico italiano Enrico Fermi (1901-54), um dos pais da bomba atômica. Em seu Thermodynamics, ele diz que a primeira lei da termodinâmica é essencialmente a afirmação do princípio de conservação da energia para sistemas termodinâmicos. Como tal, pode ser expressa do seguinte modo: “A variação de energia num sistema durante qualquer transformação é igual à quantidade de energia que o sistema troca com o ambiente”.
Esta primeira lei não coloca limitações sobre as possibilidades de transformação de energia de uma forma para outra. Ora, essa possibilidade ilimitada de transformação é à base de toda a civilização do progresso.
Já a segunda lei da termodinâmica impõe severas limitações: "É impossível uma transformação cujo resultado final seja transformar em trabalho todo o calor extraído de uma fonte" (postulado de Kelvin).
Notas: (1) Referência a The Entropy Law and the Economic Process (Cambridge: Harvard University Press, 1971) de N. Georgescu-Rogen. (2) Entropia é o conceito utilizado pelos cientistas para explicar, por exemplo, por que os cubos de gelo derretem numa calçada quente. A lei de conservação da energia, correspondente à primeira lei da termodinâmica, não explica tal fenômeno. (CECHIN, Andrei. “A Natureza como Limite da Economia – A Contribuição de Nicholas Georgescu-Rogen”. Editora SENAC/EDUSP, S. Paulo, 2010).
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo) | Especialista em Política Internacional e mestre pela (USP) | prof.marcuseduardo@bol.com.br
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