A velha ferramenta, gasta e manchada, tem uma força nobre. Não se pode dizer o mesmo dos políticos.
Por Max Velati*
P.S.: Já devolvi o martelo ao carpinteiro.
A coluna de hoje é sobre um martelo de carpinteiro e políticos em campanha. De algum modo quero unir aqui estes dois elementos sob um conceito que deve ser observado sempre, mas de maneira especial em ano de eleição.
Descobri ontem que um carpinteiro contratado para uma pequena reforma no meu escritório esqueceu um martelo perto do canil. Coloquei com respeito a ferramenta sobre a minha escrivaninha para examiná-la, sob a luminária forte da minha mesa de trabalho.
O martelo está na ativa há muito tempo e talvez tenha uma década de bons serviços prestados. O metal tem muitas mossas para provar isso e o cabo de madeira possui um tom de osso, uma coloração de tíbia produzida por um verniz grosso de cimento, suor e manchas velhas de tinta branca.
Há uma aura de dignidade neste martelo.
Nas suas marcas e no cabo gasto, é possível sentir a força que emana do trabalho árduo e honesto. Se fosse colocado ao lado de martelos novos na loja de ferramentas, este teria um brilho especial de autoridade, experiência e dignidade. Essa qualidade especial, tão difícil de descrever – mas fácil de perceber quando se olha atentamente –, ocorre porque esse martelo é autêntico.
A palavra "autêntico" vem do grego "authentikós" e refere-se a algo ou alguém que possui a autoridade de seu criador original. O termo é usado para algo ou alguém válido, aprovado, de qualidade reconhecida. Pois esse velho martelo de carpinteiro, gasto e manchado, possui essa força nobre. Mesmo em repouso, sentimos nele a qualidade sólida daquilo que é "autêntico".
Oficialmente ou não, as campanhas políticas já começaram. A partir de agora, devemos nos preparar para ver e ouvir de tudo: da verdade demolidora à mentira mais sórdida, da mera insinuação à acusação grave, do boato ao dossiê. As siglas envolvidas usarão a democracia como escudo, pretexto, desculpa, justificativa, cúmplice e comparsa. As agências de publicidade e marqueteiros bem pagos já estão em atividade e a encomenda é elaborar uma estratégia que faça do candidato-cliente-produto um ser humano com as qualidades do martelo que tenho sobre a mesa. Recursos sofisticados de propaganda, fotógrafos, redatores talentosos e funcionários incansáveis estarão empenhados em mostrar a você que este ou aquele nome pertence a um político com todas as qualidades de um ser humano “autêntico” e por isso ideal para o cargo. Pode até ser verdade, mas as eleições não contam a você o que acontece quando o candidato ganha.
Do modo como a política brasileira se organizou, quem assume o cargo pelo voto da maioria começa logo no primeiro dia de governo um perverso aprendizado: como conduzir os assuntos públicos para obter vantagens privadas. O PSDB oferece provas robustas da eficiência deste aprendizado. E uma vez diplomado nessa arte, mesmo o candidato autêntico fará de tudo para permanecer no poder. Um exemplo recente disso - mas não o único - é o ex-presidente Lula. Eleito como um brasileiro autêntico, foi perdendo na sua trajetória política as marcas e as mossas e transformou-se, por fim, numa versão falsa de si mesmo, um personagem que busca hoje, na pesada maquiagem política, ter sob os holofotes as marcas e as cores do Lula original. O PT seguiu o mesmo roteiro de sua maior estrela carregando nas cores e no “falso autêntico”, só para permanecer no poder, custe o que custar. Sobre esta disposição teimosa, - comum a todos os partidos e candidatos - termino o texto com a regra do Martelo de Marlow, um axioma que diz que “se a única coisa que você tem é um martelo, verá todos os problemas ao redor como pregos”.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de S. Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário