sexta-feira, 14 de março de 2014

A festiva Paris

Livros recém-traduzidos no Brasil alimentam mito da sedutora 'cidade luz' do início do século XX.

Por Carlos Ávila*

Cidades marcam as vidas das pessoas e são sempre assunto de conversa, de descrições e impressões diferenciadas; são também tema de livros e filmes. A capital francesa - com seu charme e sua beleza, sua história e sua cultura, além das mil e uma atrações que possui – foi e tem sido inspiração para escritores e cineastas (ainda há pouco, Woody Allen a homenageou no seu encantador "Meia-noite em Paris"). 

Hemingway decretou que "Paris é uma festa" (ou uma moveable feast, uma festa móvel, no título original de seu famoso livro); segundo ele, "se alguém teve a sorte de morar em Paris, quando jovem, terá da cidade uma lembrança para toda a vida". Paris foi o centro do mundo durante um bom tempo; principalmente nos anos 20 do século passado, os "anos loucos" entre as duas guerras mundiais, quando Hemingway e outros escritores americanos se radicaram ali: Gertrude Stein, Ezra Pound, Scott e Zelda Fitzgerald... A chamada génération perdue, muito louca e criativa. 

Dois livros recentemente traduzidos no Brasil – "O flâneur das duas margens", do poeta francês Guillaume Apollinaire (1888/1918), e "Paris era ontem", da jornalista norte-americana Janet Flanner (1892/1978) – trazem outras duas visões de épocas diferentes da festiva Paris.

O pequeno volume de Apollinaire (com tradução de Júlio Castañon Guimarães) é uma deliciosa reunião de crônicas e artigos publicados na imprensa, que formam uma imagem da cidade na primeira década do século 20, retratando seus bairros, ruas, cafés, restaurantes, museus e livrarias. O flâneur vagabundeia pela "cidade luz" mostrando coisas curiosas e excêntricas; fazendo observações cheias de graça e bom humor; relatando conversas com escritores e artistas que viviam em Paris na época. É a visão de um francês da vida nos anos 10 na bela capital do seu país.

Já o livro de Janet (com tradução de Sônia Coutinho) traz a visão crítica de uma correspondente americana em Paris, entre os anos 1925 e 1939. Usando o pseudônimo de Genêt (que traz imediatamente à lembrança o nome do polêmico e marginal escritor francês Jean Genêt, autor do “Diário de Um Ladrão”), Janet escrevia suas “cartas de Paris” para os leitores da revista “New Yorker”. É o relato de uma época de ouro da capital francesa, um painel onde figuram ícones como a bailarina Isadora Duncan e o compositor Maurice Ravel. Mas há também espaço para fatos de impacto, como crimes e escândalos de corrupção. Os livros de Apollinaire e Janet Flanner, de agradável leitura, juntam-se agora ao clássico de Hemingway (relançado no ano passado, na boa tradução de Ênio Silveira) e continuam alimentando o mito da sempre bela e sedutora Paris.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, "Bissexto Sentido" e "Área de Risco" (poesia); "Poesia Pensada" (crítica) e "Bri Bri no canto do parque" (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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