A anexação da Criméia pela Rússia não é legítima, ainda que a população local queira a separação.
Por Alexandre Kawakami*
É um critério que deveria ser aplicado para tudo: quem paga a conta deveria poder pedir o prato.
Na teoria moderna das relações internacionais, existem duas linhas que se contrapõem e se combatem: os realistas e os institucionalistas. Os institucionalistas afirmam que as ações das nações no quadro internacional devem ser regidas por lei internacional e é função das organizações internacionais a sua aplicação. Já os realistas acham que as nações farão o que são capazes de fazer; suas soberanias assim garantem e, se existem regras aplicáveis, elas só se sustentam enquanto existem condições materiais e objetivas para que sejam cumpridas.
As duas escolas, em sua forma mais absoluta, são simplistas e os primeiros a reconhecê-los são seus próprios defensores: os realistas sabem que a desconsideração pelas nações das leis internacionais vigentes representa perda da legitimidade de suas ações e restringe o campo do que podem fazer; os institucionalistas também compreendem que, dentro de suas soberanias, países sempre vão buscar o que é de seu melhor interesse, ainda que as ações resultantes não sejam estritamente legítimas do ponto de vista das regras vigentes.
O caso da Ucrânia é emblemático. Com base nos acordos vigentes, a anexação da Criméia pela Rússia não é legítima, ainda que a população local, de origem russa, tenha preferência pela separação. A Rússia, por sua vez, sabe que perder a Ucrânia de sua esfera de influência é, a longo prazo, uma displicência arriscada: a Ucrânia é, afinal, o hub por onde passam os gasodutos que unem a Europa às suas fontes de produção, muitas delas, russas.
Além disso, quando o assunto é estratégia energética, os Estados Unidos já haviam anteriormente desconsiderado leis internacionais vigentes, sendo emblemático o caso da guerra no Iraque. Esta posição não é nova na política internacional norte-americana, sendo famoso o aforismo de Theodore Roosevelt: “Fale macio mas carregue um sarrafo grande.”
Nas discussões pertinentes ao caso da Ucrânia, entretanto, há outro aspecto que merece atenção. Até o presente momento, realistas e institucionalistas concordam que dois fatores agem como impedidores certeiros de conflitos entre nações: o fato delas serem ou não democracias; e a intensidade das trocas e relações comerciais entre as mesmas.
Ora, tanto a Ucrânia quanto a Rússia são, em princípio, democracias. E a Rússia é responsável por 25% do PIB de exportação da Ucrânia. Assim sendo, por que ocorreria um conflito entre os dois países, de acordo com a teoria moderna?
Não vou aborrecê-los com uma descrição extensa dos problemas da teoria, mas deixo aqui minhas desconfianças para discutir no futuro. Acredito que as democracias de hoje não são tão representativas como gostaríamos que fossem e o fisiologismo que vemos tão presente no Brasil não lhe é exclusivo. Tal fisiologismo isola os mandatários de seus representados, fazendo com que os custos de enviar rapazes para morrer e matar alhures sejam mais baixos para os políticos. Estes embolsarão todos os lucros e arcarão com nenhum dos prejuízos, já que estão isentos de ir ao front (e podem também retirar os seus deste destino).
Em 1916, uma emenda constitucional foi proposta no Congresso norte-americano, infelizmente, sem sucesso. A emenda não só fazia necessário plebiscito para declarações de guerra, mas também ordenava que todos os que fossem a favor da declaração deveriam se alistar como voluntários no exército norte-americano. A premissa era a de que os que de fato terão que arcar com os custos e perdas da guerra deveriam ter o poder de aprová-la.
É um critério que deveria ser aplicado para tudo: quem paga a conta deveria poder pedir o prato.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.
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