sexta-feira, 4 de abril de 2014

A NOSSA MISSÃO NO MUNDO PÓS-MODERNO

Pe. Antonio Augusto Menezes do Vale*

O mundo é produção da liberdade humana. Nós não vivemos determinados pelo ambiente no qual nascemos, porque temos a capacidade de configurá-lo às nossas necessidades. Isso não quer dizer que não sejamos limitados por fatores genéticos, históricos e culturais, mas o que caracteriza nossa natureza humana é caminharmos além de nossas limitações. 

A realidade que criamos no século XXI é chamada, por alguns especialistas, dentre eles Gilles Lipovetsky, de pós-modernidade ou hipermodernidade, onde tudo se torna fluido. Não há um sentido único que unifica os anseios de uma nação ou do mundo, seja esse sentido Deus, a razão ou uma vontade geral que representa o espírito de uma nação, mas uma fragmentação dos sentidos. Isto caracteriza a radicalização do individualismo, onde não há mais espaço para discursos utópicos que dê uma unidade à ação do homem no mundo. Vivemos no tempo onde toda moral é excesso, e toda moral é apenas a moral do indivíduo que está acima do bem e do mal. A história atual é marcada pelo narcisismo radical, o Estado um mero instrumento de garantia dessa fragmentação e a mídia promotora dessa “espiritualidade”. A mídia se torna nesse novo cenário a grande aliada da pós-modernidade, um dos seus tentáculos mais importantes.

A Igreja tem como missão oferecer uma proposta que parece ser superada pela nova configuração social. A pergunta é: como anunciar a Palavra de Deus num mundo “sem palavra” e “sem Deus”? Este “mundo”, a que me refiro é onde se desenvolve mais radicalmente a pós-modernidade. É um grande desafio à Igreja se voltar aos lugares mais inusitados de evangelização, como por exemplo, a política, os locais de comunicação social, as universidades, porque requer uma catequese bem organizada e refletida, com gente bem formada e não só com boas intenções. 

O desenvolvimento da missão eclesial não pode ser caracterizado como um confronto direto e hostil, mas aberto e dialógico, com uma profunda humildade e inteligência. É preciso entendermos que o cristianismo não é mais o pensamento hegemônico da sociedade, tampouco temos respostas para um mundo que não quer respostas definitivas, porque não faz perguntas definitivas. Precisamos aprender mais sobre essa nova ordem que surgiu e repensar a nossa linguagem, sem renunciar o que é mais essencial para nós cristão. Mas como se abrir a essa realidade de forma inteligente? Vejo que além de muita oração e consciência da nossa identidade de cristã, é fundamental uma sólida formação dos pastores do povo de Deus para o engajamento nas esferas políticas, da comunicação e das universidades. Uma liderança cristã que não estuda se tornará apenas um reprodutor, inconsciente ou não, do vazio dessa sociedade, sendo ele mesmo um narcisista radical. 

Uma pastoral erguida com boa vontade, sem objetivos claros, inconscientemente ou não, torna-se espiritualista, não dialoga com o tempo vigente, reproduzindo o estilo de “espiritualidade” narcisista coletivo, que não contradiz o narcisismo radical do individualismo. No que consiste esse narcisismo coletivo? Em uma identificação sentimental de pessoas que se unem assentados em preocupações imediatas e circunscritas aos desejos do grupo. Não é uma busca por um ideal maior, que abrange questões universais, mas daquele “grupinho ali”, específico, e tudo que está fora dessa ideologia regional está fora da salvação. O agrupamento é entre seres “idênticos” que se unem por afinidades psicológicas. É a psicologização do social. 

Uma pastoral inteligente e arraigada de uma espiritualidade consciente requer muito estudo e trabalho. Inclui as diferenças para aprender com elas, compreende o mundo sem se deixar seduzir por ele, não teme o mundo. É profundamente difícil, mas necessária, não está pronta e nunca pode ser definitivamente fixada, sempre precisa ser avaliada, reavaliada, reconstruída e com objetivos claros. Renova-se. 

Não podemos mais ignorar a urgência de nos inserirmos nesse mundo cansado de respostas e de “super-heróis”. A nossa missão é reconduzir esse estado de coisas criadas a um sentido mais fundamental. Essa recondução não deve ter a pretensão de saltos qualitativos imediatos. É fundamental reconstruirmos o ser humano perdido de si mesmo, o ser humano destruído pelo vazio, pela negação de uma humanidade capaz de sonhar com ideais mais altos, altruístas, universais, fundamentados pelo amor à espécie humana, para assim, reconhecido seu justo valor, possamos reencontrar o verdadeiro Deus que não deve ser confundido com inumeráveis códigos de “nãos” injustificáveis e totalmente contrários à nossa capacidade de compreensão. 

*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, estudante em Roma, na Universidade Gregoriana

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