Os R$ 30 bilhões gastos na Copa poderiam ter sido úteis, não fosse o coração bêbado dos políticos.
Por David Paiva*
Peço desculpas por citar a mim mesmo. A respeito da informação do IBGE de que 84% dos brasileiros vivem em cidades, escrevi na última sexta-feira (18/4), no Dom Total: “Apesar de tamanho predomínio na distribuição dos brasileiros, as cidades – embora algumas comicamente se intitulem “maravilhosas” – são um descalabro, uma referência mundial de iniquidade”.
Estou de volta ao assunto a propósito da declaração do economista colombiano Gustavo López Ospina, Diretor da Unesco. Sua afirmação dispensa panos quentes: "As cidades do futuro terão de ser humanizadas ou não teremos futuro". Continuo confessando o meu assombro: entre os países mais populosos do planeta, o Brasil é aquele que tem o maior percentual de habitantes vivendo em cidades. Portanto, investir em melhorias urbanas não é só gestão pública inteligente – é também um bom negócio eleitoral. Mas nem assim a questão sensibiliza o coração prático dos políticos.
Segundo o Ministério das Cidades, menos da metade das habitações brasileiras (48,1%) são servidas por saneamento básico. Entre os habitantes das 100 maiores cidades, nada menos que 6 milhões não tinham acesso a água potável em 2011. E esgoto a céu aberto é coisa corriqueira, como pode ver qualquer um que tenha a subsaariana ocasião de cruzar nossas periferias urbanas. Por sua vez, o déficit habitacional no país, de acordo com estudo da Fundação João Pinheiro, é de quase 7 milhões de residências – e abrange, sem exceção, todas as cidades do país.
Mas, explicam marqueteiros e especialistas em coração cínico de políticos, saneamento básico não rende voto, já que a obra fica enterrada. Déficit de moradias, por sua vez, em qualquer das suas modalidades, existe até em países desenvolvidos. Então vamos falar de questões mais visíveis e menos complexas. Mobilidade urbana, por exemplo. Outro dia ouvi no elevador uma moça dizendo à amiga: “O emprego até que era bom, mas eu não tinha como chegar lá”. Vamos admitir que não é questão de extrema dificuldade, que exija cérebros e qualificações privilegiadas, nem riqueza escandinava, ações para melhorar os serviços de transporte público. É preciso reconhecer, para começo de conversa, que sistemas de ônibus que impõem esperas de 40 minutos e viagens de três horas de casa ao trabalho são formas de humilhação, verdadeira imobilidade urbana que reduz a vida, para milhões de pessoas, a uma interminável, vazia e neurótica espera. E quando os ónibus afinal se movem, os passageiros penam dentro de veículos que não são para transporte de passageiros, tal o desconforto, o barulho, o calor e o despreparo dos motoristas. São apenas chassis de caminhão fantasiados de coletivos, a máquina mais barata com que as empresas concessionárias tocam seu lucrativo negócio. Não é à toa que essas empresas estão sempre na linha de frente dos financiadores de campanha, que garantem a riqueza do perdulário coração marqueteiro dos candidatos.
Conforto, segurança, bem-estar, respeito – isso é basicamente o conteúdo da ideia de humanização. Mas existem especialistas em gestão urbana que criticam políticas nacionais para as cidades, apontando a existência de particularidades regionais e locais. É verdade; mas também é verdade que somente políticas públicas federais podem superar a inércia regional e local dos pequenos déspotas e da grande corrupção. Políticas nacionais podem legislar acima de más influências locais e podem ampliar esforços municipais numa revolução no país inteiro. Só um registro: os 30 bilhões de reais escoados no ralo dessa Copa que vem aí poderiam ter sido úteis, não fosse o coração bêbado de alguns políticos.
Peço desculpas por citar a mim mesmo. A respeito da informação do IBGE de que 84% dos brasileiros vivem em cidades, escrevi na última sexta-feira (18/4), no Dom Total: “Apesar de tamanho predomínio na distribuição dos brasileiros, as cidades – embora algumas comicamente se intitulem “maravilhosas” – são um descalabro, uma referência mundial de iniquidade”.
Estou de volta ao assunto a propósito da declaração do economista colombiano Gustavo López Ospina, Diretor da Unesco. Sua afirmação dispensa panos quentes: "As cidades do futuro terão de ser humanizadas ou não teremos futuro". Continuo confessando o meu assombro: entre os países mais populosos do planeta, o Brasil é aquele que tem o maior percentual de habitantes vivendo em cidades. Portanto, investir em melhorias urbanas não é só gestão pública inteligente – é também um bom negócio eleitoral. Mas nem assim a questão sensibiliza o coração prático dos políticos.
Segundo o Ministério das Cidades, menos da metade das habitações brasileiras (48,1%) são servidas por saneamento básico. Entre os habitantes das 100 maiores cidades, nada menos que 6 milhões não tinham acesso a água potável em 2011. E esgoto a céu aberto é coisa corriqueira, como pode ver qualquer um que tenha a subsaariana ocasião de cruzar nossas periferias urbanas. Por sua vez, o déficit habitacional no país, de acordo com estudo da Fundação João Pinheiro, é de quase 7 milhões de residências – e abrange, sem exceção, todas as cidades do país.
Mas, explicam marqueteiros e especialistas em coração cínico de políticos, saneamento básico não rende voto, já que a obra fica enterrada. Déficit de moradias, por sua vez, em qualquer das suas modalidades, existe até em países desenvolvidos. Então vamos falar de questões mais visíveis e menos complexas. Mobilidade urbana, por exemplo. Outro dia ouvi no elevador uma moça dizendo à amiga: “O emprego até que era bom, mas eu não tinha como chegar lá”. Vamos admitir que não é questão de extrema dificuldade, que exija cérebros e qualificações privilegiadas, nem riqueza escandinava, ações para melhorar os serviços de transporte público. É preciso reconhecer, para começo de conversa, que sistemas de ônibus que impõem esperas de 40 minutos e viagens de três horas de casa ao trabalho são formas de humilhação, verdadeira imobilidade urbana que reduz a vida, para milhões de pessoas, a uma interminável, vazia e neurótica espera. E quando os ónibus afinal se movem, os passageiros penam dentro de veículos que não são para transporte de passageiros, tal o desconforto, o barulho, o calor e o despreparo dos motoristas. São apenas chassis de caminhão fantasiados de coletivos, a máquina mais barata com que as empresas concessionárias tocam seu lucrativo negócio. Não é à toa que essas empresas estão sempre na linha de frente dos financiadores de campanha, que garantem a riqueza do perdulário coração marqueteiro dos candidatos.
Conforto, segurança, bem-estar, respeito – isso é basicamente o conteúdo da ideia de humanização. Mas existem especialistas em gestão urbana que criticam políticas nacionais para as cidades, apontando a existência de particularidades regionais e locais. É verdade; mas também é verdade que somente políticas públicas federais podem superar a inércia regional e local dos pequenos déspotas e da grande corrupção. Políticas nacionais podem legislar acima de más influências locais e podem ampliar esforços municipais numa revolução no país inteiro. Só um registro: os 30 bilhões de reais escoados no ralo dessa Copa que vem aí poderiam ter sido úteis, não fosse o coração bêbado de alguns políticos.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é escritor.
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