Como nos conflitos do passado, a canonização de José de Anchieta provoca indignação.
Por Evaldo D´Assumpção*
Precisamos de paz e não de novas guerras religiosas, abusando do nome de Deus!
No Antigo Testamento, encontramos inúmeras batalhas sangrentas travadas pelos israelenses contra os povos que iam encontrando em sua caminhada para a formação de sua nação. No Novo Testamento, mais derramamentos de sangue em nome de deuses e não deuses, sacrificando cristãos que não renunciavam a sua fé.
Chegando na Idade Média, vamos encontrar as Cruzadas, que tiveram início em 1906 com a chamada “Dos Mendigos”, promovida por Pedro, o Eremita, que antecedeu às Cruzadas Oficiais. Foi um movimento popular contra os judeus da Renânia, e que teve a rejeição e condenação do Bispo Católico da cidade, porém sem resultado pois muitos judeus foram mortos na ocasião. Essa turba dirigiu-se a Constantinopla, e acabou dizimada pelos turcos,
No mesmo ano, foi formada a primeira Cruzada nos Nobres, que durou três anos e tinha como objetivo a libertação do território da Palestina e de Jerusalém, sua capital, do domínio muçulmano. A ela se seguiram oito novas Cruzadas, sempre misturando interesses políticos com objetivos religiosos pouco sedimentados na verdadeira doutrina cristã. A nona e última Cruzada, terminou no ano 1272. Porém não terminaram as guerras usando o nome de Deus. Em 1572, em Paris, aconteceu a trágica noite de São Bartolomeu, onde protestantes foram massacrados por soldados da família real católica.
Em 1793, durante a Revolução Francesa, ocorreu o violento massacre de Vendeia, quando 200 mil camponeses e artesãos católicos foram assassinados pelas tropas revolucionárias republicanas. De 1936 a 1939, durante a Guerra Civil Espanhola, os comunista massacram grande número de católicos. Em novembro de 1938, na Alemanha houve a tristemente famosa noite dos cristais, em que judeus foram massacrados pelos nazistas.
No período de 1936 a 39, durante a Guerra Civil Espanhola, milhares de católicos foram assassinados pelos comunistas. E mais recentemente, na Irlanda do Norte, no ano 1968 houve o assassinato de católicos pelos protestantes, dando início a uma Guerra Civil que durou vários anos, com muitas mortes dos dois lados. A lista é interminável, mas paramos por aqui.
Numa avaliação bem crítica e isenta de preconceitos, vamos descobrir que todas elas, usando justificativas religiosas, na realidade expressavam interesses escusos, tanto materiaiscomo políticos. Afinal, nenhum líder religioso foi tão pacifista como Jesus Cristo. E absurdamente utilizam seu nome para tentar conquistar vantagens pessoais que nada têm com a espiritualidade cristã.
Levantei esses dados da história, para comentar os acontecimentos que hoje assistimos, com pesar, relacionados com a canonização do padre jesuíta José de Anchieta, ocorrida no último dia 3 de abril.
Pessoas que se dizem evangélicas – como se os católicos também não o fossem! – rejeitam a canonização de homens e mulheres num total desrespeito à liberdade religiosa que legalmente existe em nosso país. E o fazem por um total desconhecimento do que significa a canonização de uma pessoa. Imaginam que os católicos, que são tão cristãos quanto quaisquer outros seguidores dos Evangelhos, colocam tais pessoas numa condição de igualdade com o próprio Jesus. Desconhecem que canonização significa colocar seus nomes numa lista canônica, que se refere a pessoas que heroicamente viveram a sua fé e sua entrega a Cristo e que por isso mesmo são tomadas como exemplos para os demais cristãos, para que tentem viver também na santidade que aquelas pessoas viveram.
Não significa que os santos devam ser adorados, pois a adoração só se deve a Deus. Não significa que eles sejam superiores aos demais humanos, pois foi exatamente a extrema humildade em que viveram, a sua entrega ao serviço desinteressado pelos seus irmãos, os humanos, que os credenciaram a receber essa distinção.
Portanto, toda agressão, toda indignação dos críticos à canonização de pessoas merecedoras de tal, demonstram, ou ignorância, ou má fé, pois de forma alguma ela agride a quem quer que seja e, pelo contrário, busca fomentar o aparecimento de pessoas melhores, mais pacíficas, mais afetuosas, mais misericordiosas. Qualidades hoje tão escassas em nossa sociedade.
Ao invés de combatermos, criticarmos, agredirmos um ato tão sublime com a canonização de alguém que deu a sua vida pela propagação da mensagem cristã, que defendeu os indígenas da hostilidade dos brancos ditos civilizadores, que nos deu textos belíssimos de espiritualidade e nos ensinou o idioma tupi-guarani, que irmãmente possamos nos dar as mãos e juntos agradecer à Deus nos ter concedido tais pessoas para despertar em nós o coração amoroso e generoso do seu próprio filho, que deu sua vida para nos redimir.
Precisamos de paz e não de novas guerras religiosas, abusando do nome de Deus!
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor.
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