Primavera na Holanda é tempo da “febre do feno”, causada por pólens e outras partículas.
Por Lev Chaim*
É um verdadeiro inferno. É uma vontade de arrancar o nariz, os olhos e pular numa piscina de água gelada e nunca mais voltar à tona. Não se trata de tendências suicidas, mas uma busca de alívio para a coceira nos olhos e no nariz, que não lhe dá trégua para ler ou pensar. É um resfriado sem estar resfriado.
Tudo por causa da primavera - "bandida" estação do ano. Tão bonita e tão mesquinha para os que sofrem da "febre do feno" (alergia a polens de grama, árvores e outras coisas que pairam no ar). Na Holanda, neste ano, está demais: tudo começou a brotar mais cedo e de uma só vez. O inverno foi fraco e o calor veio forte.
Há um "fog" no ar com nuvens de pólen e pequenas partículas de poluição misturadas à areia do deserto do Saara. Dá para imaginar, areia do Saara no norte da Europa? Quando ouvi isto pela primeira vez pus-me a rir. Mas, agora, a coisa foi comprovada. O vento a trouxe, deixou-a aqui e foi-se embora. Com dias sem chuva, o ar seco, parado, tudo fica mais difícil. Poluição não conhece fronteiras.
É claro que tenho pílulas antialérgicas, próprias para tal coisa. Mas, muitas vezes, nem elas ajudam e o jeito é ficar dentro de casa o máximo de tempo possível. E, ao contrário do que diz o nome, não se tem febre mas uma coceira infernal que acaba transformando os seus olhos em uma bola vermelha, de tão congestionados. No Brasil não tinha isto. Pelo menos não sabia.
Mas é claro que as estações do ano, na Holanda, são bastantes diferenciadas e se nota nitidamente a primavera, quando tudo volta à vida, depois do inverno. Mas como disse, o inverno holandês deste ano foi muito fraco e parece que não matou as porcarias que ficaram pelos ares no último outono.
Imaginem vocês que há muitos anos, sonhava em passear em um bosque com árvores do tipo Bétula. Não sei se viram um filme do diretor polonês Wadja, que se chamava "Bétula", onde ele relata a vida idílica de um guarda florestal, perdido naquele emaranhado de árvores e mais árvores daquela espécie. Nesta época do ano, tenho o bosque e não posso aproveitá-lo.
Será que a febre do feno aconteceu em minha vida para que apenas imaginasse um bosque de bétulas e nunca o adentrasse de verdade? Não creio que a vida seja tão ingrata como possa parecer, mas trata-se de uma questão de azar, de genética e de poluição ambiental. Mas quando a primavera é normal, brota uma coisa e depois outra, tudo é mais ameno. Mas, neste ano, os pólens estão “bravos” e acumulados.
O meu mote da semana "faça parte do mundo" foi para as calendas gregas. Estou tirando umas férias do ar livre, para respirar melhor e ter um alívio para os meus olhos cansados e vermelhos. Se alguém de vocês estiver rindo, achando que esteja exagerando, fique a vontade: a coisa é até para rir.
Devido a todos esses percalços, acabei por adiar alguns planos, como o de reler o mais famoso romance do autor Tcheco, Milan Kundera, “A insustentável leveza do ser”, que está festejando um jubileu de 30 anos. E além de tudo, o autor, um verdadeiro perfeccionista, está completando 85 anos neste abril.
Será que o romance causaria o mesmo reboliço que causou em meu espírito, quando o li pela primeira vez? Qual o grau de liberdade que Kundera dá aos seus leitores? Esta leitura foi adiada, até que tenha melhorado da “febre do feno” e recuperado de volta os olhos!
Nesta agonia toda, lembrei-me das últimas palavras de Michelangelo, no dia de sua morte, em 18 de fevereiro de 1564, descritas pelo seu primeiro biógrafo, Vasari: “Devolvo a minha alma às mãos de Deus, meu corpo à terra e meus pertencem à minha família”( isto com quase 89 anos).
A minha situação poderia virar um filme do tipo pastelão e o título: "Abatido pelos pólens". É isto ai: quando se tem um bosque de bétulas tão perto e não se pode adentrá-lo, para se perder entre as suas sombras e seus mistérios, a vida fica mais aborrecida. Vou hibernar em casa até que chova e o vento e água possam limpar o ar.
Depois querem me fazer crer que o clima da Terra não esteja avariado. Só não vê quem não quer ver, pois os indícios dos estragos estão ai, todos os dias, dando os seus sinais de alerta. Desejo-lhes uma ótima semana, sem a “febre do feno” ou qualquer outra alergia. Um abraço forte desde a Holanda.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Dom Total.
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