PAULO EDUARDO MENDES*
Embora fosse abrasado orador, escritor incansável, jurista consagrado, político militante, o que mais enternecia a alma e estremecia o coração do gênio multifacetário Ruy Barbosa era a sua condição de jornalista. Certa feita proclamou: “E jornalista é que nasci, jornalista é que eu sou, de jornalista não me hão de demitir enquanto houver imprensa, a imprensa for livre (...)” E foi mais além: “Cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas com o primeiro pão do dia, as suas lições penetram até ao fundo das consciências inexpertas, onde vão elaborar a moral usual, os rudimentos e os impulsos, de que depende a sorte dos governos e das nações.”
Desde algum tempo, sob o influxo da admiração curiosa, leio aos sábados, na seção “Idéias” do Jornal Diário do Nordeste, uma coluna assinada por Paulo Eduardo Mendes, que se identifica apenas como jornalista. Tempos depois, em evento na Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF), seu nome foi submetido, juntamente com o da sua consorte Gilmaíse, à nossa apreciação para integrar aquele sodalício de letras. Despiciendo enfatizar que foram aclamados com louvor.
E assim fiquei conhecendo Paulo Eduardo Mendes, de cujas crônicas já era íntimo. Embora pouco tenhamos convivido, já concluí que seu fenótipo parece transparecer sua alma: homem de olhar sereno, leve como a pluma, postura equilibrada, voz ponderada, alma superior. Porque humilde de índole e manso de coração, parece exalar o orvalho da sabedoria evangélica por todos os poros. Talvez por isso se explique o fato de omitir suas outras facetas, como a de magistrado modelar, homem devotado à família, doutor da honrosa causa do bem e da generosidade, jardineiro das flores filantrópicas e reitor da invisível universidade do espírito.
Paulo Eduardo é um condoreiro que adora voar sem ser notado, um candeeiro que brilha sem que identifiquem a origem. É um astro distraído, ou melhor, um ser discreto como a própria sombra.
A paixão pelo jornalismo nasceu no vale da infância, no Cariri cearense, quando pegava uma lata de canela e imitava um locutor de rádio. Mais do que jornalista, radialista é. Não por acaso ainda hoje participa, com o mesmo encantamento infantil, do programa dominical Antena Espírita, na rádio Cidade AM.
A intimidade com os fonemas, o fascínio pelo verbo, a afeição às letras é algo que lhe veio pelo caule da família: o avô, Alcides Mendes, que levou massa à “Padaria Espiritual”, e o pai, José Maria Mendes, foram poetas benditos.
O périplo ininterrupto de Paulo Eduardo pela linotipia começou no O Povo, seguiu pelo Diários Associados (Ceará Rádio Clube, Unitário – matutino – e Correio do Ceará - vespertino), passou pela Uirapuru, em seguida Tribuna do Ceará, depois Gazeta de Notícias, até ocupar uma das molduras de Ideias do Diário do Nordeste. No jornal fundado por Demócrito Rocha, um episódio indelével: deparou-se com o lendário José Raymundo Costa. Este o indagou: - Você escreve alguma coisa que sirva? Respondeu que sim e exibiu uma de suas crônicas. Ante a reação de desconfiança, Paulo Eduardo se prontificou a escrever sobre qualquer outro tema que lhe lançasse na hora. O entrevistador, então, pediu a carteira do jovem e descobriu algo inusitado: Paulo Eduardo Mendes nascera no mesmo dia, mês e ano em que ele, José Raymundo Costa, começou trabalhar no O Povo - 01 de junho de 1938.
Bacharel em Direito pela UFC, prestou concurso para Juiz. Lavrou éditos em sintonia com a deusa Thêmis nas comarcas de Santana do Acaraú, Pentecoste, Russas, Cascavel, Crato e Fortaleza, onde atuou, também, como desembargador substituto no TJCE.
Romântico recatado, no início da década de 1970, em uma tertúlia da Casa Universitária, começou a dançar com Maria Gilmaíse de Oliveira e não a soltou mais. No embalo desse idílio, subiram ao altar do matrimônio em 19 de fevereiro de 1971. O Coordenador da ABRAME (Associação Brasileira de Magistrados Espíritas), autor de vários livros (apesar de ter publicado apenas dois), é um pai invulgar, detentor de especial e rara sensibilidade. Quando pequenas, as filhas Luciana, Flávia e Roberta costumavam despertar pelo som das doces canções paternas. Como avô, poderia adotar a sigla CCG (Carinhoso, Cuidadoso e Gentil), pois é assim que se esmera no trato com os netos Carolina, Cecília e Gustavo, rebentos de sua filha Flávia.
Esse veterano radialista foi, sempre, um sujeito antenado com as ondas da virtude. Gostava de engraxar o sapato do pai para se considerar digno de receber algum trocado. Optava por ir caminhando para o Sete de Setembro a fim de economizar o dinheiro do transporte, a fim de poder ir ao Cinema, uma de suas predileções. Nunca buscou os lugares de honra ou os assentos mais importantes nas sinagogas da vida. Sempre evitou o fermento farisaico. Não raro passa despercebido em ribaltas onde deveria ser referenciado. Reage com bom humor quando olvidam de citá-lo, sobretudo em obras literárias. Procura a palavra “outro” e diz: - pronto, fui citado, sou o ‘outro’.
Moacir Ribeiro da Silva sintetizou seu anonimato militante em um breve poema: “Se não me falha a memória/ Eu sou aquele dos dias de chumbo nos jornais/ O outro sem nome, mas com história/ Aquele que vagou a esmo nas ondas dos rádios/ Exortando vozes que perdi pelos caminhos do tempo/ Lembrou? O dono da voz era o “outro”.../ Não o outro... no caso eu! Entendeu?/ Deleitei-me nas coxias, transfigurei-me/ Encarnei personagens como se fossem minhas próprias encarnações/ Fui eu e outros ou será que fui o “outro” e eus?/ Pouco importa!/ Quando todos disseram que eu era o “outro”/ Eu sempre fui eu!”
A existência terrena de Paulo Eduardo é uma música profunda e suave, agradável partitura de louvor ao altruísmo. Salve, cronista da bem-aventurança, profeta da paz!
*Jornalista, escritor, juiz de direito e integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza
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