Para um debate mais significativo sobre a redução da pobreza, é preciso ir além da lorota eleitoreira.
Por David Paiva*
O Brasil vive um momento decisivo. Estamos atravessando a encruzilhada, aquele lugar tenebroso onde Guimarães Rosa situou os encontros com o Tisnado. Do lado de lá, porém, a glória nos espera: estamos prontos para ser uma Suécia. A presidente Dilma Rousseff anunciou recentemente o aumento de 10% no benefício do Bolsa Família – o que dá 77,00 reais. Comemorou o efeito desse dinheiro no bolso dos pobres, garantindo que assim deixariam de ser pobres, segundo a classificação de "linha de pobreza" da ONU.
Um dos candidatos da oposição, Aécio Neves, armou-se de indignação. "Dilma está mentindo", afirmou. De acordo com as contas dos seus assessores, para vencer a tal "linha de pobreza" aquele aumento é insuficiente – na verdade, seriam necessários 83,00 reais. Portanto, com a diferença de seis reais, deixaríamos para trás – aí sim! – a nossa tão funda e tão famosa miséria. Seis reais nos separam de uma paisagem nórdica – sem neve, é verdade, que isso só é possível nas vitrines em dezembro, mas com gente sadia e bem de vida em todos os cantos do país. Imaginem que fartura: oito milhões de km² de Suécia!
Eduardo Campos esteve mais perto da verdade. Disse que a presidente está "enxugando gelo" ao aumentar o Bolsa Família sem conter a inflação. Na verdade, toda essa loquacidade, da valentia eleitoreira da presidente até a reação igualmente eleitoreira de Aécio, é um só enxugamento de gelo, uma lorota do começo ao fim. O que significa exatamente ultrapassar a "linha de pobreza" traçada pela ONU? Quem mal se sustenta, não é com um aporte orçamentário (expressão bem PSDB) de 2,76 reais por dia que vai melhorar de vida. Discutir uma questão do tamanho de 2,76 reais como se fosse assunto de vida ou morte, com afetada exaltação, francamente, é falta do que dizer e do que fazer.
Bolsa Família é ajuda básica à pobreza. Tudo é bem-vindo, qualquer valor pode significar um pouco mais de proteínas para uma criança, mas a discussão dos temas essenciais do país poderia dispensar a demagogia alimentada pelo Bolsa Família. O Brasil, com seus duzentos milhões de habitantes, seus bolsões de luxo e desperdício, sua corrupção e seu Estado patrimonialista, é incapaz de cumprir o seu papel – seja se qualificando para fazer bem feito, seja distribuindo melhor o resultado do que faz (não me refiro a bolsas emergenciais, muito necessárias mas sempre bolsas e sempre emergenciais).
Para um debate nacional mais significativo que o dos 2,76 reais, os candidatos vão ocupando seus lugares. Está se esgotando o tempo de estudar a direção do vento. A presidente está onde sempre esteve, oferecendo seu conhecido cardápio, que agora contém o perigo da gordura inflacionária. Eduardo Campos e Marina Silva se distanciam do antigo aliado, o governo, para assumir plenamente essa espécie de Nova Esquerda que, embora também se dirija aos pobres, insiste mesmo é em "futuro" com sabor jovem – seja lá o que isso signifique. Marina, o sinal de trânsito que indica esse caminho, foi incapaz de fundar um partido e tanto desfez que acabou reduzida a vice; mas é ela quem dá o tom à chapa. Aécio Neves, por vocação ou por circunstâncias, vai se acomodando à direita. Agora que desponta como candidato viável, defende propostas como redução da maioridade penal e se diz candidato do agronegócio. Não são por si só uma mancha reacionária, mas são joias habituais da cartilha conservadora: mudar tudo para ficar tudo como está.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é escritor.
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