sexta-feira, 30 de maio de 2014

Aluguel caro pressiona déficit nas metrópoles

Disparada dos aluguéis agrava carência de moradias nas grandes cidades brasileiras.

Por Mariana Schreiber

Um estudo inédito da Fundação João Pinheiro, obtido pela BBC Brasil, revela que o déficit habitacional cresceu 10% entre 2011 e 2012 nas nove metrópoles monitoradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, são 1,8 milhão de famílias sem residência adequada nessas regiões.
 
O déficit habitacional é calculado segundo fatores como o total de casas compartilhadas por mais de uma família e as residências com mais de três moradores em média por cômodo. O principal componente do indicador, no entanto, é o peso do aluguel no orçamento familiar.
 
Se o quadro é negativo nas metrópoles, no restante do país, os números são mais alentadores. No mesmo período, o déficit habitacional recuou 1,6% na contagem nacional, com a redução dos números de residências consideradas precárias e do número de casas compartilhadas por mais de uma família.
 
Mas ainda há 5,8 milhões de famílias brasileiras sem moradia adequada e o aluguel mais caro - problema que atinge principalmente as grandes cidades - é o principal vilão dessa história.
 
A situação é pior em São Paulo onde o déficit habitacional cresceu expressivos 18,2% em apenas um ano e 700 mil famílias vivem em residências consideradas inadequadas. A cidade é hoje palco de protestos constantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), organização que defende a regulação dos preços dos aluguéis pelo Estado.
 
Os números foram compilados pela Fundação João Pinheiro, instituto mineiro que há anos estuda o tema em parceria com o Ministério das Cidades.
 
A análise é feita a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada anualmente pelo IBGE. Além de todos os estados, a Pnad considera as nove maiores regiões metropolitanas do país - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba e Belém.
 
Belo Horizonte (29%) e Curitiba (26%) foram as regiões com maior crescimento do déficit habitacional. No Rio de janeiro, o crescimento foi de 10,5%, e em Fortaleza, de 14%.
 
Ao calcular a carência habitacional do país, pesquisadores tradicionalmente consideram quatro categorias:
 
1) Habitações precárias, como locais sem saneamento ou que apresentam riscos;
 
2) Coabitação familiar, ou seja, quando mais de uma família divide a mesma residência por falta de opção;
 
3) Ônus excessivo com aluguel urbano, que ocorre quando mais de 30% da renda de famílias pobres é comprometida com o aluguel;
 
4) Adensamento excessivo em domicílios alugados, que é registrado quando, em média, mais de três pessoas compartilham um mesmo dormitório na casa.
 
Aluguel e renda
 
Apenas famílias com renda total de até três salários mínimos são consideradas na análise do "ônus excessivo com aluguel", explica a pesquisadora da fundação, Raquel Viana.
 
Segundo Viana, o comprometimento de mais de 30% da renda dessas famílias com aluguel significa que não sobram recursos suficientes para custear outros gastos essenciais, como alimentação, transporte e saúde.
 
De janeiro de 2008 até abril de 2014, o valor médio do aluguel subiu 97% em São Paulo e 144% no Rio de Janeiro, por exemplo, segundo o índice Fipe-Zap. "O aluguel cresceu mais do que a renda da população. É um reflexo do aquecimento da economia e de grandes eventos como a Copa do Mundo", disse Viana.
 
O número de famílias pobres que usavam mais de 30% da sua renda para pagar aluguel em 2012 em todo país era de 2,66 milhões, uma alta de 11% ante 2011 e de 35% ante 2007. "É um aumento expressivo para um período de cinco anos", afirma Vicente Correia Lima Neto, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que também é especializado no tema.
 
O déficit habitacional como um todo no país em 2012 era 5% menor que o de 2007. Um estudo mais detalhado que permite comparar dados de 2012 e 2007 de Estados e regiões metropolitanas ainda será divulgado pela Fundação João Pinheiro.
 
Menos qualidade de vida
 
Guilherme Boulos, um dos líderes do MTST, diz que o aumento do aluguel força as famílias a se mudarem para regiões cada vez mais distantes do centro das cidades, onde a oferta de serviços públicos é ainda menor. Outro problema, afirma ele, é que essa mudança aumenta o tempo perdido no deslocamento dessas pessoas para o trabalho.
 
"O aluguel muito caro causa uma piora geral na qualidade de vida. É isso que está impulsionando as ocupações no país todo. Ocupar é a única alternativa ao aluguel abusivo", afirma.
 
As maiores ocupações de terrenos ociosos pelo MTST estão em São Paulo: atualmente, 8 mil pessoas participam da Nova Palestina (zona sul), e outras 4 mil da Copa do Povo, que fica em Itaquera (zona oeste), bairro que abrigará a abertura da Copa do Mundo.
 
"As pessoas estão sendo expulsas para longe. Se já era ruim viver em Itaquera, é ainda pior em Ferraz de Vasconcelos", acrescenta, referindo-se a um município na região metropolitana de São Paulo.
 
O MTST defende a adoção de uma lei que limite o reajuste do aluguel à inflação. Atualmente, os valores costumam ser reajustados pelo IGP-M a cada ano, mas, quando vence o contrato, que em geral é de 30 meses no Brasil, não há limite para o aumento do preço. O que regula o aluguel no país hoje é o livre mercado, ou seja, a "lei da oferta e da demanda".
 
Minha Casa, Minha Vida
 
Boulos diz que o principal programa de habitação do governo federal, o "Minha Casa, Minha Vida", não resolve o problema da população mais pobre porque, como os terrenos estão muito caros, as construtoras que participam do programa destinam apenas áreas muito afastadas para habitações voltadas para o público de menor renda.
 
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Paula Santoro diz que a política habitacional do governo acaba alimentando o encarecimento dos aluguéis, porque estes tendem a acompanhar o preço dos imóveis.
 
O aumento do crédito habitacional e a ampliação do limite do valor do imóvel que pode ser comprado com recursos do FGTS acabam viabilizando que casas e apartamentos sejam negociados por valores cada vez maiores, afirma.
 
Para romper este ciclo, diz Santoro, os governos deveriam mudar o foco da política habitacional, incentivando o aluguel social. Ela defende que as prefeituras tenham imóveis próprios que sejam alugados para famílias de baixa renda por preços subsidiados. Isso é adotado em países europeus, como Portugal e Alemanha, diz, embora ressalte que a crise econômica tem deteriorado essas políticas no velho continente.
 
"A política atual (do Brasil) é uma política econômica de estímulo à construção civil e ao emprego, mas não uma política habitacional", critica.
 
Lima Neto, do Ipea, também defende o aluguel social, focado na baixa renda. Na sua avaliação, não é necessário fazer um controle do aluguel generalizado, como propõe o MTST, o que atingiria todas as classes de renda. "A solução da moradia não é necessariamente dar um lote. Mas o problema é que existe uma cultura patrimonialista muito forte no Brasil. O brasileiro quer ter posse da sua casa", ressalta.
 
A presidente Dilma Rousseff disse em dezembro de 2013 que 1,4 milhão de residências haviam sido entregues à população pelo "Minha Casa, Minha Vida". Outras duas milhões de moradias foram contratadas pelo governo federal, por meio do programa, segundo ela.
 
A BBC Brasil entrou em contato na segunda-feira com o Ministério das Cidades para que o governo se manifestasse sobre o assunto, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
BBC Brasil, 28-05-2014.

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