Antes que ruísse mais uma vez, o teatro do Parque Municipal de BH teve uma reforma exemplar.
Por Celso Adolfo*
Muita gente tem um Chico Nunes para chamar de seu. Falarei do meu. Morando em BH desde 1969, eu vinha da minha terra, São Domingos do Prata, cidade festeira sem teatro e sem cinema. Na capital, fui atrás do que pudesse sacudir a minha adolescência assustada e à pé. Sobrava assombração de todo tipo para um menino que caçava sozinho o entendimento e o seu lugar entre buzina, prédios e elevadores da cidade asfaltada.
Pois, sete anos e muitos sustos acumulados e mal processados depois, em Agosto de 1976, Gegê Lara e Lúcio (da então Efeito Produções) sugeriam e Paulinho da Viola aceitou a sugestão de que um menino desse uma canja durante sua temporada no Chico Nunes. E lá fui eu, trêmulo num palco de profissionais, mas, sob olhares protetores do sambista carioca. Isso bastou para afirmar a minha aptidão. O Chico Nunes entrava na minha vida e nunca mais eu sairia da dele.
Concursado, eu trabalhava no Departamento de Estradas e Rodagem desde 1973. Funcionário público correndo risco semanal de demissão, atravessei o Parque Municipal entre aquele ano e 1982, fazendo inúmeras paradas no Teatro Chico Nunes até que, depois do episódio Paulinho da Viola, comecei uma ininterrupta sequência de apresentações naquele palco cheio de fios desencapados, camarim avacalhado, lâmpadas queimadas, uma plateia de cadeiras deformadas e ambiente com reverberação insuportável. E foi na valentona que toquei ali ao meio-dia, às seis da tarde, pela manhã, à noite, com sonorização de Murilo Corrêa, iniciante feito eu.
O Teatro Chico Nunes, com todos os seus defeitos empilhados, antes que ruísse, sofreu uma reforma. Antes que ruísse mais uma vez, está entregue com a melhor das reformas que podia (e merecia) receber.
Este dia 30 de Abril de 2014 junta-se aos outros que, durante 64 anos, fizeram daquela casa o lugar de exposição de muitas almas artísticas. Mereceram destaque naquele noite: Raul Belém Machado (arquiteto e cenógrafo), Pedro Paulo Cava (que roteirizou e dirigiu a reinauguração) e Wilma Henriques, atriz queridíssima, que resumiu na sua história o exemplo de paixão artística que emocionou a todos. Como na década de 1970, com sonorização de Murilo Corrêa.
Imediatamente antes do seu último fechamento, toquei lá mais duas vezes. E, sinceramente, temia por mais alguns anos de abandono. Cometi imprecações contra tudo e todos das administrações públicas. A surpresa foi que desta vez a imprecação caiu no vazio. Pois uma reforma fora feita, e desta vez, com acerto pra tudo que é lado.
A PBH e a Unimed respeitaram a ideia de que recursos são sempre públicos, e é para o público que eles devem voltar. Voltaram abrindo as portas do querido Chico Nunes numa noite linda por dentro e por fora, com produção de Caroline Ramos. No palco, resumindo a história numa noite, em citações vimos o texto teatral, a música e a dança, por vozes, mãos e pernas de muitos que nunca desistiram daquele espaço. Eu, como aquele jogador contundido que fica na cabine doido para estar no campo, estava na plateia assistindo a tudo profundamente emocionado.
Plateia e artistas que presenciaram épocas diferentes, nesse 30 de Abril sentiram-se particularmente donos de alguma coisa daquele lugar. Rebobinei o meu filme e me vi diante de um dos momentos mais importantes da minha vida, que aconteceu no Bar Ribalta que havia na sua lateral. Foi ali que, em sábados de cervejas e acordes intermináveis, a sorte formatou (por volta de 1978) e me entregou sem custos (em fevereiro de 1982) uma das músicas mais importantes que fiz: "Nós dois”. Composta de sentimentos colhidos do lado de fora do teatro, foi lá dentro, ainda ao tempo das lâmpadas queimadas, fios desencapados e camarim pobre que confirmei por intermédio daquela "Nós dois" as aptidões que a sorte me reservou.
A história saúda o clarinetista diamantinense cujo nome é nome da casa. A história também saúda os artistas que voltarão ao palco do Teatro Francisco Nunes cantando, tocando e representando a vida em seus muitos atos. Quero ser um deles. E com sonorização de Murilo Corrêa.
*Celso Adolfo é violonista e compositor.
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