Técnico tem 60% de aprovação dos brasileiros, já os candidatos à presidência do país despencam.
David Paiva*
Escrevo antes do jogo com a Croácia; assim, o Felipão que aparece aqui pode não ser o mesmo Felipão de amanhã. Se o Brasil perder de 5x1, por exemplo, o capital de popularidade e aprovação de Luís Felipe Scolari talvez não resista. Mesmo assim, é prudente usar esse cuidadoso advérbio “talvez” – porque é possível que o nosso técnico sobreviva até a uma goleada com olé e dois ou três lençóis.
A simpatia de que goza Felipão junto aos brasileiros é enorme. `Discorda-se às vezes de uma ou outra escalação – o Fulano, do Goiás ou do Galo, não é melhor que o Beltrano, do PSG ou do Bayern? – mas a aprovação do homem vai além do resultado. Dele se espera sempre a decisão séria e honesta; é como se a torcida inteira, na sua mais pura legitimidade, se incorporasse na figura de um único torcedor, que além de ser torcedor é o treinador. Os mais entendidos em futebol, os enciclopédicos, acham que ele não entende muito do assunto. Seria antes de tudo um animador, com pouca cultura e engenho tático.
A questão do futebol praticado como xadrez é absolutamente irrelevante. Contam que o grande (porque muito obeso) treinador de 1958, Vicente Feola (também simpático e paternal), cochilava escandalosamente durante os jogos. Ninguém jamais soube de qualquer comentário profundo de Feola sobre estratégias e assemelhados, e isso não impediu que seu time, campeão mundial na Suécia, seja considerado ainda hoje, pela maioria dos experts, como o melhor de todas Copas.
O que os comandantes devem fazer é mesmo comandar. Com toda a natureza incerta e múltipla dessa palavra. Se não, a Inglaterra poderia ter demitido Churchill durante a Segunda Guerra e entregue o governo ao general Montgomery, que não bebia e não perdia tempo em pintar quadros. Mangabeira Unger, baiano de Harvard, brilhante cientista político, daria rigor acadêmico incomparável ao governo se substituísse Lula, em vez ter sido simples ministro.
É justamente aquela qualidade, um tanto misteriosa, de saber motivar e de transmitir a confiança de que se está fazendo o melhor possível, é que tem faltado a todos os políticos no Brasil. E em especial aos comandantes da outra segunda grande batalha deste ano no país, a eleição presidencial. Enquanto Felipão tem, segundo o Datafolha, a aprovação de 60% dos brasileiros, os candidatos despencam, de acordo com o mesmo instituto. Curiosamente, despencam todos: Dilma, Aécio e Eduardo Campos. Este último, mesmo na companhia da curiosa figura de Marina Silva, vai pouco a pouco vai deixando a competição, sem conseguir explicar a que veio.
O único que sobe é um quarto elemento da disputa presidencial: o eleitor insatisfeito. Aquele que examinou os candidatos, chegou até a aderir a um deles e depois se recolheu com um muxoxo. Vai votar em branco, nulo, nem vai comparecer, ou não sabe ainda em quem votar. Esse brasileiro tem motivação zero diante da eleição. Bem ao contrário do time de Felipão, que compete numa Copa que é uma história de absurdos e irresponsabilidades.
A cada dia a mídia revela novos e surpreendentes desmandos cometidos em nome da Copa. Cometidos por quem? Pelos políticos, que se aprimoram na arte da camuflagem, de modo que tudo que nasce no seu mundo é escorregadio, inexplicado, suspeito. Muito ao contrário de Felipão, parecem estar sempre dispostos a fazer o pior possível. Ninguém confia na lisura das contas das obras públicas (relacionadas à Copa ou não), assim como a tal Lei Geral da Copa é um vexame antecipado, antes de qualquer eventual derrota por goleada.
No terreno pantanoso demarcado pela FIFA, Scolari faz seu jogo que, apesar de tudo, parece limpo e sério. Os políticos praticam o esporte inverso: transformar a República em pântano.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é escritor.
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