Conflitos armados, atentados e declarações de guerra fazem do mundo um lugar de desordem.
Por Lev Chaim*
No dia em que o resultado do plebiscito escocês foi divulgado, em que a Escócia decidiu permanecer no Reino Unido da Grã-Bretanha, estávamos passando alguns dias no sudoeste da costa holandesa, bem próximo à Bélgica, na região de Flandres da Zelândia, Holanda, e não na Flandres belga, ali perto.
Com isto, já podem perceber como é complicado o problema de certas regiões na Europa que, muitas vezes, se situam em dois países. Outro exemplo é a região basca na Espanha e na França. Sem falar ainda em outros regiões que já ventilaram desejos de independência: a região espanhola da Catalunha e o Veneto italiano, por exemplo. A decisão escocesa foi um alívio geral.
Como estava um dia lindo, ensolarado, dois amigos e eu decidimos ir à Bruges, na região belga de Flandres, também conhecida como a Veneza do Norte, com os seus belos canais. Só não tem gôndolas, mas está cheia de barcos e turistas.
Numa das esquinas da praça central, um grande cartaz anunciava uma exposição sobre o mestre espanhol Salvador Dali. Ao chegar mais perto, pude ler que era uma espécie de viagem à obra do artista, com olhos em seus principais temas: alucinações, sonhos, ciência moderna. Mas quando demos de cara com a enorme fila que já virava o quarteirão, desistimos do empreendimento.
Dai fomos para um terraço da praça central aproveitar o sol e degustar a deliciosa cerveja belga. Em Bruges, tem até um museu da cerveja, com centenas de marcas fabricadas no país. Se a Escócia é o país do whisky, a Bélgica, sem dúvida, é o da cerveja. E algumas delas até parecem vinho.
Rever Bruges me fez bem. Recordei-me da última vez que estive ali em companhia de duas de minhas irmãs. Ao fechar um pouco os olhos por causa do sol, até podia vê-las andando pelos becos da cidade. Naquela ocasião, paramos na praça central para bebericar um café. Lembro-me como se fosse hoje: tomei-o rapidamente e disse às minhas irmãs que ia à livraria da esquina.
Foi nesta ocasião que comprei o best-seller que há muito queria ler, do escritor suíço-alemão, Pascal Mercier, “Trem Noturno para Lisboa”, que não havia sido ainda traduzido para o português.
Mas, desta vez, bebericávamos cerveja em vez de café. A minha era uma “loira”, leve e saborosíssima. Foi neste momento, impulsionado por onda saudosista e romântica, que decidi visitar aquela mesma livraria. Justamente quando entrava na loja, topei com um casal de brasileiros de Belém, que queria saber onde era o museu da cerveja. Descobri que eram brasileiros porque de cada três palavras em inglês, uma era dita em português. Da outra vez com as minhas irmãs, tivemos um encontro parecido, mas como um casal de Belo Horizante que havia estudado medicina com um amigo meu de escola.
Mas, a outra coincidência foi ainda mais marcante. Exposto, num lugar de destaque, estava o mesmo livro que havia comprado há anos: “Trem Noturno para Lisboa”. Só que desta vez, com uma promoção irrecusável: por dez euros, eu ainda levava um outro livro. A minha amiga que estava ainda na praça, bebericando a cerveja, fazia aniversário dai a dois dias e não tinha lido ainda “Trem noturno para Liboa”. Seria um belo presente.
O engraçado era que o outro livro do pacote, para o meu espanto, era um ensaio filosófico sobre a vida - “Como queremos viver?” -, do filósofo Peter Bieri, que eu ainda não tinha lido. Ai, fiquei ainda mais embasbacado, ao perceber, a coisa: Peter Bieri era o verdadeiro nome do romancista Pascal Mercier. Dois livros, do mesmo autor, com nomes diferentes, pela bagatela de 10 euros. Bruges, família, amigos e Pascal Mercier (Peter Bieri). Tudo ficou redondo de repente.
No final da tarde, já de volta à Breskens, na Holanda, quando assistíamos ao jornal televisivo, fomos bombardeados por uma enxurrada de notícias alarmantes que nos deixou perplexos. Estado Islâmico (EI) ataca na Síria. Refugiados curdos marcham para a Turquia. Terroristas do EI tinham planos para atacar o metrô de Paris. E por ai foi. Atônitos, pensamos a mesma coisa: o mundo realmente está de pernas para o ar!”.
Foi ai que me lembrei do segundo livro da promoção que havia comprado em Bruges. Parei de assistir à TV e o abri. No primeiro capítulo, Peter Bieri (ou Pascal Mercier) já afirmava que uma vida independente, autônoma, não pode existir sem dignidade humana. No segundo, uma prelação contra qualquer tipo de tirania. No terceiro, ele citava que uma vida “independente” é um bem comum, que dever ser regido por leis e regras morais, socialmente aplicáveis para o bem estar e a autonomia do ser pensante.
Foi um bom achado aquele livrinho. Só aqueles três capítulos já me mostraram porque sentia tanto repúdio pela forma sensacionalista da mídia, ao transmitir todas essas barbáries medievais no Oriente Médio, sem qualquer toque de explicação ou esclarecimento, com olhos apenas no Ibope.
No dia em que o resultado do plebiscito escocês foi divulgado, em que a Escócia decidiu permanecer no Reino Unido da Grã-Bretanha, estávamos passando alguns dias no sudoeste da costa holandesa, bem próximo à Bélgica, na região de Flandres da Zelândia, Holanda, e não na Flandres belga, ali perto.
Com isto, já podem perceber como é complicado o problema de certas regiões na Europa que, muitas vezes, se situam em dois países. Outro exemplo é a região basca na Espanha e na França. Sem falar ainda em outros regiões que já ventilaram desejos de independência: a região espanhola da Catalunha e o Veneto italiano, por exemplo. A decisão escocesa foi um alívio geral.
Como estava um dia lindo, ensolarado, dois amigos e eu decidimos ir à Bruges, na região belga de Flandres, também conhecida como a Veneza do Norte, com os seus belos canais. Só não tem gôndolas, mas está cheia de barcos e turistas.
Numa das esquinas da praça central, um grande cartaz anunciava uma exposição sobre o mestre espanhol Salvador Dali. Ao chegar mais perto, pude ler que era uma espécie de viagem à obra do artista, com olhos em seus principais temas: alucinações, sonhos, ciência moderna. Mas quando demos de cara com a enorme fila que já virava o quarteirão, desistimos do empreendimento.
Dai fomos para um terraço da praça central aproveitar o sol e degustar a deliciosa cerveja belga. Em Bruges, tem até um museu da cerveja, com centenas de marcas fabricadas no país. Se a Escócia é o país do whisky, a Bélgica, sem dúvida, é o da cerveja. E algumas delas até parecem vinho.
Rever Bruges me fez bem. Recordei-me da última vez que estive ali em companhia de duas de minhas irmãs. Ao fechar um pouco os olhos por causa do sol, até podia vê-las andando pelos becos da cidade. Naquela ocasião, paramos na praça central para bebericar um café. Lembro-me como se fosse hoje: tomei-o rapidamente e disse às minhas irmãs que ia à livraria da esquina.
Foi nesta ocasião que comprei o best-seller que há muito queria ler, do escritor suíço-alemão, Pascal Mercier, “Trem Noturno para Lisboa”, que não havia sido ainda traduzido para o português.
Mas, desta vez, bebericávamos cerveja em vez de café. A minha era uma “loira”, leve e saborosíssima. Foi neste momento, impulsionado por onda saudosista e romântica, que decidi visitar aquela mesma livraria. Justamente quando entrava na loja, topei com um casal de brasileiros de Belém, que queria saber onde era o museu da cerveja. Descobri que eram brasileiros porque de cada três palavras em inglês, uma era dita em português. Da outra vez com as minhas irmãs, tivemos um encontro parecido, mas como um casal de Belo Horizante que havia estudado medicina com um amigo meu de escola.
Mas, a outra coincidência foi ainda mais marcante. Exposto, num lugar de destaque, estava o mesmo livro que havia comprado há anos: “Trem Noturno para Lisboa”. Só que desta vez, com uma promoção irrecusável: por dez euros, eu ainda levava um outro livro. A minha amiga que estava ainda na praça, bebericando a cerveja, fazia aniversário dai a dois dias e não tinha lido ainda “Trem noturno para Liboa”. Seria um belo presente.
O engraçado era que o outro livro do pacote, para o meu espanto, era um ensaio filosófico sobre a vida - “Como queremos viver?” -, do filósofo Peter Bieri, que eu ainda não tinha lido. Ai, fiquei ainda mais embasbacado, ao perceber, a coisa: Peter Bieri era o verdadeiro nome do romancista Pascal Mercier. Dois livros, do mesmo autor, com nomes diferentes, pela bagatela de 10 euros. Bruges, família, amigos e Pascal Mercier (Peter Bieri). Tudo ficou redondo de repente.
No final da tarde, já de volta à Breskens, na Holanda, quando assistíamos ao jornal televisivo, fomos bombardeados por uma enxurrada de notícias alarmantes que nos deixou perplexos. Estado Islâmico (EI) ataca na Síria. Refugiados curdos marcham para a Turquia. Terroristas do EI tinham planos para atacar o metrô de Paris. E por ai foi. Atônitos, pensamos a mesma coisa: o mundo realmente está de pernas para o ar!”.
Foi ai que me lembrei do segundo livro da promoção que havia comprado em Bruges. Parei de assistir à TV e o abri. No primeiro capítulo, Peter Bieri (ou Pascal Mercier) já afirmava que uma vida independente, autônoma, não pode existir sem dignidade humana. No segundo, uma prelação contra qualquer tipo de tirania. No terceiro, ele citava que uma vida “independente” é um bem comum, que dever ser regido por leis e regras morais, socialmente aplicáveis para o bem estar e a autonomia do ser pensante.
Foi um bom achado aquele livrinho. Só aqueles três capítulos já me mostraram porque sentia tanto repúdio pela forma sensacionalista da mídia, ao transmitir todas essas barbáries medievais no Oriente Médio, sem qualquer toque de explicação ou esclarecimento, com olhos apenas no Ibope.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal.
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