sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A Igreja subjetiva

O pensamento contemporâneo se esforça para rejeitar os conceitos objetivos de certo e errado.

Por James V. Schall, S,J.

Em certa época passada, a famosa frase "Pelos seus frutos os conhecereis", do Evangelho de Mateus, 7,16, parecia óbvia o suficiente para todos. Ela significava que os atos e as palavras de uma pessoa manifestavam o seu caráter. Todo mundo sabia que os nossos atos externos eram produto dos nossos entendimentos internos e das nossas escolhas. As leis eram externas a nós, no sentido de que não impúnhamos o seu conteúdo a nós mesmos; obedecer a elas ou rejeitá-las era uma decisão interna. Publicanos e pecadores apresentavam certa posição visível, assim como os hipócritas. Eram eles os que obedeciam à letra externa da lei, mas não as internalizavam.

A própria Igreja, ao se identificar com o corpo de Cristo, apresentava certas manifestações externas. Ela não era uma Igreja invisível, só dos salvos. Ela se manifestava através de elementos visíveis como hierarquia, sacramentos, edifícios, leis e palavras. Era retratada como construída sobre a rocha. Os movimentos que queriam interiorizar a Igreja para que ela não tivesse nenhuma presença visível foram declarados heréticos. Os inimigos da Igreja trabalharam para lhe negar qualquer lugar no fórum público, qualquer verdadeira liberdade de ação para se fazer presente no meio dos homens.

O mais difícil dos ensinamentos cristãos não era, assim, a existência de Deus, mas a Encarnação do Filho de Deus. O ateísmo é um problema relativamente pequeno em comparação com a Encarnação. Este fato significava que, não sendo visível para nós, o Pai poderia tornar-se visível através do Seu Filho, o Verbo feito carne, o que é uma frase gráfica. "Quem vê a mim vê o Pai" (João 14,9). O Verbo "habitou entre nós" é outra frase gráfica. A noção de Deus entrando em nossa história como homem parecia, para muitos, uma rejeição da alteridade absoluta de Deus, quando, na verdade, era uma confirmação dela.

Mas, desde que o papa Francisco pronunciou o seu famoso "Quem sou eu para julgar?" e que os bispos escolheram um jeito menos claro de lidar com quem se diz católico, mas não concorda com a posição da Igreja em muitas questões, tornou-se digna de nota uma mudança de critérios que passou da objetividade para a subjetividade. Se nem o papa nem os bispos querem "julgar", temos uma Igreja da qual não podemos realmente dizer quem é membro e quem não é. Podemos dizer que qualquer um que foi batizado é católico ou cristão. Mas nunca sabemos o que há no interior de alguém ou como Deus julga o lado interno ou subjetivo da vida. A distinção entre santo e pecador se torna turva.

Agostinho já tinha salientado que a Cidade de Deus não podia ser identificada com a visível pertença à Igreja. Havia membros da Cidade dos Homens que acabariam sendo salvos, e membros da Igreja visível que se perderiam. Tomás de Aquino, por outro lado, considerava que é preciso obedecer à consciência mesmo que ela esteja objetivamente errada. Este princípio não queria dizer que não precisamos formar cuidadosamente a consciência, mas que não queríamos que alguém atuasse contra a sua consciência, mesmo ela sendo errônea. Essa posição implicava que alguém que fizesse algo objetivamente errado não seria culpado se acreditasse sinceramente estar certo.

Além disso, temos a admoestação do Antigo Testamento: "Meus caminhos não são os teus caminhos" (Isaías 55,8). A Igreja sempre nos ensinou que não conhecemos o julgamento final de Deus sobre o estado eterno de alguém. Canonizamos santos, mas nunca sem algum sinal final de santidade. Hesitamos em dizer se Judas, Ivan, o Terrível, os homens-bomba muçulmanos, Hitler, Stalin e outros assassinos famosos da história estão eternamente perdidos ou não. E não são poucas as pessoas que negam a possibilidade de qualquer vida após a morte, para não terem que encarar essa questão.

Sempre ressurgem, é claro, aquelas histórias do homem santo enterrado vivo: ele poderia ter se desesperado no último instante. Também temos as histórias de terríveis pecadores e assassinos que se arrependeram no trajeto para a forca; os bons ladrões da história. "Só quem persevera até o fim será salvo" (Mateus 24,13). Sabemos que a misericórdia divina pode salvar "quem quer que seja salvo", como João Paulo II colocou.

Neste contexto, permitam-me uma palavra sobre os terroristas suicidas muçulmanos, como eles são chamados. Incluo nessa consideração, também, os católicos que atuam na vida pública e que não concordam "em consciência" com os ensinamentos da Igreja, agindo divergentemente como se tudo estivesse certo. Na teologia muçulmana, um homem-bomba é um mártir. Ao matar infiéis junto consigo, ele está oferecendo a sua vida à causa de Deus. As pessoas que os terroristas matam não são muçulmanas. São pessoas que, por definição, estão em guerra com o islã. Além disso, elas nasceram muçulmanas, assim como todas as pessoas, mas foram corrompidas. Sua situação é a de inimigos do islã. Portanto, matá-las é um ato de virtude.

Uma doutrina dessas, sem dúvida, é difícil de engolir. E, mesmo assim, segundo os princípios católicos, devemos dizer que, se a consciência tem certeza de que esta é a coisa certa a se fazer, então é um ato de virtude. Quando aceitamos esta posição, toda a ordem objetiva do certo e do errado fica obscurecida. Podemos nos interrogar se existe mesmo uma consciência tão errônea a ponto de aceitar estas consequências. Mas, superficialmente, parece possível.

Os políticos católicos que dizem que a sua consciência os leva a apoiar uma legislação objetivamente má porque esta seria a coisa certa a se fazer estão na mesma situação do muçulmano. Se não é excomungado, esse político pode entender que ainda está em situação normal dentro da Igreja. Os bispos silenciam ou não lhe proíbem explicitamente os sacramentos. O homem pode concluir que deve haver algo de válido na sua posição. Do contrário, ele seria excomungado. Mais uma vez, temos o subjetivo se tornando a realidade, e não o objetivo da regra ou da lei.

A mesma situação existe no caso do homem visto como bom. A parábola do publicano e do pecador (Lucas 18,13) destaca graficamente que a piedade externa não é suficiente. Da mesma forma, foi o pecador quem realmente mostrou o amor de Deus. Nenhuma dessas considerações se destina a sugerir que a ordem objetiva não é importante. Ela continua a ser o padrão. Além disso, não podemos saber se alguém, como o homem-bomba ou o político, não estão, conscientemente, tentando enganar a si mesmos. Esta situação também seria invisível para nós.

Podemos tirar alguma conclusão dessas reflexões? Certamente, aplica-se aqui o velho adágio aristotélico: "Não chame ninguém de feliz até que ele esteja morto". Fica bastante claro, nas escrituras, que Deus reserva para Si o julgamento final. Assim, das almas dos sete bilhões de habitantes deste planeta, podemos ter certeza de que não sabemos como cada uma se encontra diante de Deus. E este fato, certamente, é uma bênção para nós. Mas é também um aviso.

Uma das coisas mais impressionantes do pensamento contemporâneo, exceto no caso dos muçulmanos que seguem outros pensares, é a relutância a julgar qualquer coisa em termos de certo e errado. O que há por trás dessa recusa? Ela nos permite fazer o que bem quisermos, mesmo que seja o mal. Se convencemos a nós mesmos de que não precisaremos prestar contas no final, podemos então ter certeza de que tudo o que fazemos é indiferente. Num mundo em que tudo é relativo, nada faz diferença. Este ponto de vista pode ser uma justificativa para a consciência errônea, de modo que qualquer um que tenha essa visão seja salvo? Em teoria, parece possível, mas, na prática, eu duvido.

Por que eu duvido disso? Porque se trata, muito obviamente, de uma recusa a prestar atenção àquilo que fazemos. Nós invocamos desesperadamente uma teoria para nos justificar. O objetivo dessa teoria é nos permitir fazer tudo o que queremos. Suspeitamos que é assim que agimos, mas tentamos não admitir. A essência do julgamento divino, sem dúvida, é ver o coração. Mas esse "ver" não sugere, de modo algum, que toda a ordem da natureza e da graça pode ser contornada se honestamente não temos a menor ideia sequer da existência de alguma ordem na natureza e na graça.

Ficamos com a certeza do julgamento, com a certeza da razão e com a certeza da graça. No final, suspeito eu, a Igreja "subjetiva" será julgada conforme os padrões da Igreja objetiva. Por que nosso Senhor teria se preocupado em criar uma instituição cuja finalidade principal é nos levar à vida eterna? Ele fez isso pedindo-nos guardar os mandamentos e nos arrependermos quando os violamos. Recebemos graça suficiente para enxergar a diferença entre o que é bom e o que é mau. Quando Sócrates, durante o seu julgamento, disse que "nunca é certo fazer o que é errado", ele estabeleceu o padrão de todos os julgamentos. A vida de Cristo reafirma este princípio. E nos ensina, também, o que acontece quando ele é violado.
SIR

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