25/10/2014 | domtotal.com
Se as pesquisas mostram divisão no eleitorado brasileiro, entre economistas, opiniões tendem a convergir.
Neste domingo, os brasileiros vão conhecer o desfecho da eleição presidencial mais dramática e polarizada da história recente do país. Desde o início da campanha do segundo turno, os candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) aparecem muito próximos na maioria das pesquisas de intenção de voto, em uma corrida marcada por várias reviravoltas, tragédias, acusações de parte a parte e um acirrado debate sobre a política econômica para o Brasil, que será conduzida, seja quem for o vencedor, por um presidente formado em economia. Mas se os institutos de pesquisa indicam que as preferências eleitorais praticamente dividem a população pelo meio, entre os economistas da elite acadêmica brasileira o antagonismo se dilui: 65,5% dos professores de pós-graduação em economia entrevistados por enquete realizada pelo Valor declararam intenção de voto em Aécio e 23,8%, em Dilma, enquanto 3,6% afirmaram estar indecisos e 7,1% manifestaram que votarão branco ou nulo.
O levantamento não seguiu critérios metodológicos rigorosos. O jornal procurou as melhores escolas de economia do Brasil, segundo avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foram consultadas as que atingiram as faixas máximas para atestar o nível de excelência dos programas de pós-graduação, com notas entre 5 e 7. Das 21 escolas que se enquadram nesse perfil, 12 concederam a autorização para a realização da enquete com o corpo docente. Dos 249 professores doutores convidados para a pesquisa, sob a condição de anonimato, 84 responderam.
Segundo professores ouvidos pela reportagem, os dados da enquete espelham as duas principais correntes de pensamento econômico do Brasil - ortodoxia e heterodoxia - na mesma proporção em que convivem hoje no universo da elite do mundo acadêmico, que reúne os professores com mais titulações, que orientam pesquisas de pós-graduação, assinam os trabalhos mais publicados, são os mais citados e, portanto, os mais influentes na formação de novas gerações de economistas brasileiros.
"Os resultados revelam de fato um predomínio das ideias da corrente principal de economia, do pensamento 'mainstream', e uma posição minoritária do chamado pensamento divergente, o que claramente tem a ver com uma visão muito consolidada nas academias americanas, em que a maioria dos professores fez seus doutorados", afirma Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, mesmo os professores que obtiveram seus títulos no Brasil têm formação muito marcada pelas teorias que prevaleceram, sobretudo a partir dos anos 80, e são defendidas pelo candidato Aécio Neves, formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Guardadas as complexidades do tema, os economistas do pensamento "mainstream" - ou que pertencem ao que muitos denominam ortodoxia - trabalham com pressupostos de que a economia tende a recompor o equilíbrio automaticamente, o desenvolvimento é uma consequência do livre mercado e a intervenção do Estado precisa ser a mínima possível, pontual, para corrigir falhas. Na heterodoxia, há a concepção de que o sistema econômico não tende ao equilíbrio de maneira espontânea e, portanto, requer ações do Estado ou de instituições públicas para promover o crescimento econômico.
Para Carlos Eugênio da Costa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), o resultado da enquete revela o entendimento de que a visão de desenvolvimento do governo Dilma é "muito equivocada", o que, na análise do professor, tem bastante relação com as intervenções do governo na economia. "O governo decidindo quais os setores que vão dar certo, quais serão as empresas 'campeãs' (com expansão beneficiada por financiamentos públicos), desrespeitando os marcos regulatórios e, consequentemente, provocando a destruição das agências regulatórias e a insegurança para investimentos, tudo isso, para mim, é uma receita para a tragédia", afirma. Na FGV-RJ, Aécio Neves obteve 100% das intenções de voto dos professores que responderam à enquete. "Em vez de pensar na condução da economia como um engenheiro, desenhando as coisas, o governo deveria pensá-la como um agricultor, oferecendo as condições para que ela encontre seus caminhos", diz Costa.
Se os ortodoxos pretendem se amparar em um código de cientificidade - com base em um conjunto de premissas com as quais constroem modelos para entender os fenômenos econômicos -, os heterodoxos entendem que o conhecimento econômico é marcado por sua ancoragem na sociedade e na história, observa Belluzzo. Ex-professor de Dilma Rousseff na Unicamp, ele apoia a reeleição da presidente, que é economista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e cursou pós-graduação na instituição campineira, mas não chegou a defender a tese. A Unicamp é a única das universidades onde a presidente aparece com 100% das intenções de voto no levantamento.
O questionário foi composto por quatro perguntas. Além das preferências para segundo turno, os professores foram consultados sobre suas votações em eleições anteriores, filiação partidária e sua avaliação da gestão da presidente Dilma. Em relação ao desempenho do governo, 58,3% classificaram como "ruim/péssimo", 29,8% disseram considerar "regular", 8,3% marcaram a opção "ótimo" e 3,6% se abstiveram de votar.
"As votações e a avaliação da gestão deixam bastante claro que a comunidade acadêmica tem uma visão crítica do governo, mas, quando consideramos os resultados por universidade, podemos perceber também uma heterogeneidade entre os centros brasileiros", afirma o professor Márcio Nakane, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde Aécio obteve 72,2% e Dilma, 11,1% das intenções de voto. Para ele, essa heterogeneidade pode ser classificada entre os pensamentos heterodoxo e ortodoxo, com variações entre um extremo e outro.
Na leitura do mapa desenhado na enquete, Leda Paulani, também professora da FEA-USP e secretária de Planejamento da gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo, chama a atenção para a predominância da visão ortodoxa nas principais escolas de pensamento econômico com base nas declarações de voto, para esta enquete, em eleições passadas, mesmo quando o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva esteve à frente, com 42,9%, seguido por José Serra (PSDB), com 36,9%, em 2002 - 17,9% não declararam voto. Na eleição seguinte, Lula passa para o segundo lugar, com 31%, enquanto Geraldo Alckmin (PSDB) obtém 38,1% - 23,8% não manifestaram seu voto. Em 2010, a distância entre os candidatos aumenta: Serra aparece com 45,2% e Dilma, com 25%, pouco acima dos 22,6% que não declararam seu voto.
Na campanha de 2002, Lula lançou a Carta aos Brasileiros e mostrou uma face mais moderada, com o claro objetivo de acalmar os mercados. Naquele momento, avalia Leda, ficou claro que não havia a intenção de mudar a política econômica adotada até então pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. "De fato, foi uma gestão muito pautada pela ortodoxia. Não só o ministro Antonio Palocci (Fazenda) estava fechado com suas teses como a manutenção de Henrique Meirelles no Banco Central era a garantia da aplicação in totum de todas as prescrições e preceitos do Consenso de Washington", afirma, referindo-se ao encontro na capital americana entre economistas e instituições em 1989, no qual foram elaboradas recomendações para o desenvolvimento econômico de países da América Latina, entre as quais estavam disciplina fiscal, reformas fiscal e tributária, privatizações, abertura comercial e desregulamentação da economia.
Já o segundo governo Lula promoveu algumas mudanças, como iniciativas na área dos investimentos em infraestrutura e em programas sociais, começando um distanciamento em relação aos preceitos iniciais. Mas foi no governo Dilma que essa inflexão em direção à heterodoxia se acentuou significativamente. "Mais claramente perceptível do que nas eleições anteriores, temos neste ano dois projetos diferentes não apenas em relação à condução da política econômica, mas também na visão de como entender a economia, seu funcionamento e sua dinâmica", observa Leda.
"O governo Dilma foi um bocado diferente do governo Lula. Foi muito mais intervencionista e acho que isso não deu muito certo. Talvez até dentro do governo tenha um pouco essa sensação, porque ela (Dilma) fala que vai tirar o (ministro da Fazenda) Guido (Mantega)", pondera Bernardo Guimarães, da FGV-SP, escola onde Aécio obteve 87,5% das intenções de voto e Dilma, 12,5%. Guimarães rechaça a histórica polarização entre ortodoxos e heterodoxos - ou monetaristas e desenvolvimentistas -, mas reconhece que há uma inclinação entre o que as escolas produzem em termos de pesquisa e a declaração de votos de seus professores.
"Quando contratamos um professor para a pós-graduação, não interessa em quem ele vai votar. Provavelmente há pessoas com visões diferentes, mas há uma questão importante: é preciso que o professor consiga publicar em revistas internacionais que tenham impacto. Outras escolas não têm muito (esse requisito). A Capes acaba dando muito valor para alguns nichos fortes na academia do Brasil, como a economia pós-keynesiana. Keynes é uma enorme influência, mas esse nicho específico é pequeno no mundo. Tem a ver com o que o pessoal chama de desenvolvimentista em algumas escolas como a Unicamp e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)", afirma.
Para os economistas que manifestaram insatisfação com o governo na enquete, avalia Nakane, a questão não é o governo ter aumentado a importância da heterodoxia, mas sim o fato de que esse movimento não foi bem-sucedido. Já o professor Eduardo Zilberman, da PUC-Rio, vê outro aspecto na trajetória dos votos desde 2002. "Se aumentaram de 42,9% em Serra em 2002 para 65,5% em Aécio hoje, das duas, uma: ou há uma desilusão em relação ao que o PT está fazendo economicamente ou as pessoas entendem que Aécio é um candidato melhor que o Serra", afirma. Na PUC-Rio, apenas dois professores responderam à enquete.
No universo das escolas do pensamento econômico do país, a PUC-Rio tem uma identificação histórica com a ortodoxia e muitos de seus professores atuaram como ministros, secretários, diretores e presidentes do Banco Central no governo FHC. Entre eles estão o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e os ex-presidentes do BC Gustavo Franco e Armínio Fraga, já indicado para comandar o Ministério da Fazenda caso seja eleito o candidato tucano. Da mesma forma, historicamente a Unicamp é a principal representante do pensamento heterodoxo na academia brasileira.
O ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda do governo Dilma, Nelson Barbosa, diz que a academia não trabalha contaminada pela política, mas em momentos como os atuais, em que vários setores se manifestam, é natural que também se pronuncie. "Acho que a discussão atual é mais de economia política do que de teoria econômica, mais relacionada à maneira como é administrada a economia, ao modo como são distribuídas as vantagens e os custos de iniciativas econômicas, do que se são corretas ou erradas. Não é uma discussão científica, mas de valores, de preferências políticas", afirma.
Citado entre os possíveis ministros de Dilma em caso de reeleição, Barbosa é professor da FGV-SP e da UFRJ e um dos signatários do manifesto de economistas intitulado "O Brasil não quer voltar atrás", lançado no dia 13, em defesa da reeleição da presidente. Com dez assinaturas, entre as quais a de Belluzzo, o documento havia recebido 526 adesões até segunda-feira, aberto para todos os economistas, sem restrição ao grau de formação.
Entre as razões para defender a reeleição, os participantes do manifesto afirmam que o modelo adotado pelo atual governo ampliou o acesso ao emprego, ao crédito e ao consumo. "Combinado com a valorização dos salários e a transferência de renda, dinamizou o mercado interno, estimulou o investimento e promoveu o crescimento econômico, beneficiando a sociedade como um todo" e tornando o país "mais robusto diante das oscilações internacionais". Eles também defendem a necessidade de correções e ajustes para enfrentar "com firmeza" dificuldades conjunturais, mas entendem que isso não implica mudar de rumo.
Um dia depois foi divulgado o "Manifesto de professores universitários de economia", com 164 assinaturas de profissionais ligados a universidades e instituições do Brasil e do exterior. Zilberman foi um dos organizadores e adverte que a iniciativa não é uma resposta ao outro documento, pois já estava em andamento quando saiu o primeiro manifesto. As adesões ficaram abertas durante quatro dias, restritas a professores universitários. "Nossa preocupação foi informar, fornecer um parecer técnico sobre a situação econômica do Brasil, e não manifestar uma postura política", diz Zilberman. Conforme o texto divulgado, o objetivo "é desconstruir um dos inúmeros argumentos falaciosos ventilados na campanha eleitoral".
Os signatários afirmam no manifesto que não há uma crise internacional generalizada, argumentando que outros países da América Latina estão em expansão, com índices de crescimento que chegam à faixa de 4% em ambiente de inflação baixa, enquanto o Brasil terá "crescimento próximo de zero com a inflação próxima de 6,5%". Nesse cenário, dizem os economistas, "a semente do desemprego está plantada. E os avanços sociais obtidos com muito sacrifício ao longo das últimas décadas estão em risco". Eles também consideram que a política monetária é inadequada e criou a suspeita de intervenções de cunho político no Banco Central, "o que foi fatal para sua credibilidade". Para os professores, o governo Dilma ressuscitou os fantasmas da inflação e da instabilidade econômica, além de amedrontar os investimentos. Por fim, o manifesto sustenta que, ao "colocar a culpa pelo fraco desempenho econômico recente na conjuntura internacional, se eximindo da sua responsabilidade por escolhas equivocadas de políticas econômicas, o atual governo recorre a argumentos falaciosos".
"O fato é que o experimento de política econômica do governo Dilma não funcionou", afirma Zilberman. Para Costa, da FGV-RJ, quando um país é pouco desenvolvido, qualquer tipo de intervenção, como uma obra de infraestrutura, melhora a situação. "Quando falta tudo, qualquer projeto tem um retorno positivo. Mas à medida que a economia vai se sofisticando, os ganhos já não são tão gigantescos e a capacidade de o governo enxergar grandes avanços desaparece", argumenta.
Na opinião de Leda Paulani, os dados que compõem o diagnóstico da economia brasileira não referendam a tese de que esteja "à beira de um precipício". "O fundamental não é o crescimento em si, mas seu impacto sobre o emprego, e isso foi preservado", diz a professora. Belluzzo discorda da visão de que não haja uma crise internacional ou que os efeitos da crise de 2008 tenham terminado. Segundo ele, nos Estados Unidos "não há nenhuma base" para fazer essa afirmação e a Europa está voltando para a recessão. A economia brasileira, por sua vez, foi atingida por vários fatores, como a desaceleração chinesa e a normalização dos preços das commodities.
Nesse debate travado pelos economistas sobre a condução da política econômica brasileira, a defesa das ideias mais identificadas com as propostas do candidato Aécio Neves também aparece na enquete com significativa maioria na Universidade Católica de Brasília (UCB), onde obteve a totalidade das preferências, na Federal de Viçosa (80%) e no Insper, com 77,8%.
A candidata Dilma ficou em primeiro na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 40%, além da Unicamp. Nas UFRJ e na UFRGS, os percentuais ficaram mais próximos, com a primeira reunindo 50% das intenções de votos para Aécio e 41,7% para Dilma; enquanto a segunda apresentou 50% a 37,5%, com o candidato da oposição em vantagem. Os resultados também revelaram que apenas 1,2% dos economistas consultados são filiados a partidos políticos.
Entretanto, só no domingo mesmo é que se verá qual economista presidirá o Brasil.
O levantamento não seguiu critérios metodológicos rigorosos. O jornal procurou as melhores escolas de economia do Brasil, segundo avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foram consultadas as que atingiram as faixas máximas para atestar o nível de excelência dos programas de pós-graduação, com notas entre 5 e 7. Das 21 escolas que se enquadram nesse perfil, 12 concederam a autorização para a realização da enquete com o corpo docente. Dos 249 professores doutores convidados para a pesquisa, sob a condição de anonimato, 84 responderam.
Segundo professores ouvidos pela reportagem, os dados da enquete espelham as duas principais correntes de pensamento econômico do Brasil - ortodoxia e heterodoxia - na mesma proporção em que convivem hoje no universo da elite do mundo acadêmico, que reúne os professores com mais titulações, que orientam pesquisas de pós-graduação, assinam os trabalhos mais publicados, são os mais citados e, portanto, os mais influentes na formação de novas gerações de economistas brasileiros.
"Os resultados revelam de fato um predomínio das ideias da corrente principal de economia, do pensamento 'mainstream', e uma posição minoritária do chamado pensamento divergente, o que claramente tem a ver com uma visão muito consolidada nas academias americanas, em que a maioria dos professores fez seus doutorados", afirma Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, mesmo os professores que obtiveram seus títulos no Brasil têm formação muito marcada pelas teorias que prevaleceram, sobretudo a partir dos anos 80, e são defendidas pelo candidato Aécio Neves, formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Guardadas as complexidades do tema, os economistas do pensamento "mainstream" - ou que pertencem ao que muitos denominam ortodoxia - trabalham com pressupostos de que a economia tende a recompor o equilíbrio automaticamente, o desenvolvimento é uma consequência do livre mercado e a intervenção do Estado precisa ser a mínima possível, pontual, para corrigir falhas. Na heterodoxia, há a concepção de que o sistema econômico não tende ao equilíbrio de maneira espontânea e, portanto, requer ações do Estado ou de instituições públicas para promover o crescimento econômico.
Para Carlos Eugênio da Costa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), o resultado da enquete revela o entendimento de que a visão de desenvolvimento do governo Dilma é "muito equivocada", o que, na análise do professor, tem bastante relação com as intervenções do governo na economia. "O governo decidindo quais os setores que vão dar certo, quais serão as empresas 'campeãs' (com expansão beneficiada por financiamentos públicos), desrespeitando os marcos regulatórios e, consequentemente, provocando a destruição das agências regulatórias e a insegurança para investimentos, tudo isso, para mim, é uma receita para a tragédia", afirma. Na FGV-RJ, Aécio Neves obteve 100% das intenções de voto dos professores que responderam à enquete. "Em vez de pensar na condução da economia como um engenheiro, desenhando as coisas, o governo deveria pensá-la como um agricultor, oferecendo as condições para que ela encontre seus caminhos", diz Costa.
Se os ortodoxos pretendem se amparar em um código de cientificidade - com base em um conjunto de premissas com as quais constroem modelos para entender os fenômenos econômicos -, os heterodoxos entendem que o conhecimento econômico é marcado por sua ancoragem na sociedade e na história, observa Belluzzo. Ex-professor de Dilma Rousseff na Unicamp, ele apoia a reeleição da presidente, que é economista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e cursou pós-graduação na instituição campineira, mas não chegou a defender a tese. A Unicamp é a única das universidades onde a presidente aparece com 100% das intenções de voto no levantamento.
O questionário foi composto por quatro perguntas. Além das preferências para segundo turno, os professores foram consultados sobre suas votações em eleições anteriores, filiação partidária e sua avaliação da gestão da presidente Dilma. Em relação ao desempenho do governo, 58,3% classificaram como "ruim/péssimo", 29,8% disseram considerar "regular", 8,3% marcaram a opção "ótimo" e 3,6% se abstiveram de votar.
"As votações e a avaliação da gestão deixam bastante claro que a comunidade acadêmica tem uma visão crítica do governo, mas, quando consideramos os resultados por universidade, podemos perceber também uma heterogeneidade entre os centros brasileiros", afirma o professor Márcio Nakane, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde Aécio obteve 72,2% e Dilma, 11,1% das intenções de voto. Para ele, essa heterogeneidade pode ser classificada entre os pensamentos heterodoxo e ortodoxo, com variações entre um extremo e outro.
Na leitura do mapa desenhado na enquete, Leda Paulani, também professora da FEA-USP e secretária de Planejamento da gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo, chama a atenção para a predominância da visão ortodoxa nas principais escolas de pensamento econômico com base nas declarações de voto, para esta enquete, em eleições passadas, mesmo quando o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva esteve à frente, com 42,9%, seguido por José Serra (PSDB), com 36,9%, em 2002 - 17,9% não declararam voto. Na eleição seguinte, Lula passa para o segundo lugar, com 31%, enquanto Geraldo Alckmin (PSDB) obtém 38,1% - 23,8% não manifestaram seu voto. Em 2010, a distância entre os candidatos aumenta: Serra aparece com 45,2% e Dilma, com 25%, pouco acima dos 22,6% que não declararam seu voto.
Na campanha de 2002, Lula lançou a Carta aos Brasileiros e mostrou uma face mais moderada, com o claro objetivo de acalmar os mercados. Naquele momento, avalia Leda, ficou claro que não havia a intenção de mudar a política econômica adotada até então pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. "De fato, foi uma gestão muito pautada pela ortodoxia. Não só o ministro Antonio Palocci (Fazenda) estava fechado com suas teses como a manutenção de Henrique Meirelles no Banco Central era a garantia da aplicação in totum de todas as prescrições e preceitos do Consenso de Washington", afirma, referindo-se ao encontro na capital americana entre economistas e instituições em 1989, no qual foram elaboradas recomendações para o desenvolvimento econômico de países da América Latina, entre as quais estavam disciplina fiscal, reformas fiscal e tributária, privatizações, abertura comercial e desregulamentação da economia.
Já o segundo governo Lula promoveu algumas mudanças, como iniciativas na área dos investimentos em infraestrutura e em programas sociais, começando um distanciamento em relação aos preceitos iniciais. Mas foi no governo Dilma que essa inflexão em direção à heterodoxia se acentuou significativamente. "Mais claramente perceptível do que nas eleições anteriores, temos neste ano dois projetos diferentes não apenas em relação à condução da política econômica, mas também na visão de como entender a economia, seu funcionamento e sua dinâmica", observa Leda.
"O governo Dilma foi um bocado diferente do governo Lula. Foi muito mais intervencionista e acho que isso não deu muito certo. Talvez até dentro do governo tenha um pouco essa sensação, porque ela (Dilma) fala que vai tirar o (ministro da Fazenda) Guido (Mantega)", pondera Bernardo Guimarães, da FGV-SP, escola onde Aécio obteve 87,5% das intenções de voto e Dilma, 12,5%. Guimarães rechaça a histórica polarização entre ortodoxos e heterodoxos - ou monetaristas e desenvolvimentistas -, mas reconhece que há uma inclinação entre o que as escolas produzem em termos de pesquisa e a declaração de votos de seus professores.
"Quando contratamos um professor para a pós-graduação, não interessa em quem ele vai votar. Provavelmente há pessoas com visões diferentes, mas há uma questão importante: é preciso que o professor consiga publicar em revistas internacionais que tenham impacto. Outras escolas não têm muito (esse requisito). A Capes acaba dando muito valor para alguns nichos fortes na academia do Brasil, como a economia pós-keynesiana. Keynes é uma enorme influência, mas esse nicho específico é pequeno no mundo. Tem a ver com o que o pessoal chama de desenvolvimentista em algumas escolas como a Unicamp e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)", afirma.
Para os economistas que manifestaram insatisfação com o governo na enquete, avalia Nakane, a questão não é o governo ter aumentado a importância da heterodoxia, mas sim o fato de que esse movimento não foi bem-sucedido. Já o professor Eduardo Zilberman, da PUC-Rio, vê outro aspecto na trajetória dos votos desde 2002. "Se aumentaram de 42,9% em Serra em 2002 para 65,5% em Aécio hoje, das duas, uma: ou há uma desilusão em relação ao que o PT está fazendo economicamente ou as pessoas entendem que Aécio é um candidato melhor que o Serra", afirma. Na PUC-Rio, apenas dois professores responderam à enquete.
No universo das escolas do pensamento econômico do país, a PUC-Rio tem uma identificação histórica com a ortodoxia e muitos de seus professores atuaram como ministros, secretários, diretores e presidentes do Banco Central no governo FHC. Entre eles estão o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e os ex-presidentes do BC Gustavo Franco e Armínio Fraga, já indicado para comandar o Ministério da Fazenda caso seja eleito o candidato tucano. Da mesma forma, historicamente a Unicamp é a principal representante do pensamento heterodoxo na academia brasileira.
O ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda do governo Dilma, Nelson Barbosa, diz que a academia não trabalha contaminada pela política, mas em momentos como os atuais, em que vários setores se manifestam, é natural que também se pronuncie. "Acho que a discussão atual é mais de economia política do que de teoria econômica, mais relacionada à maneira como é administrada a economia, ao modo como são distribuídas as vantagens e os custos de iniciativas econômicas, do que se são corretas ou erradas. Não é uma discussão científica, mas de valores, de preferências políticas", afirma.
Citado entre os possíveis ministros de Dilma em caso de reeleição, Barbosa é professor da FGV-SP e da UFRJ e um dos signatários do manifesto de economistas intitulado "O Brasil não quer voltar atrás", lançado no dia 13, em defesa da reeleição da presidente. Com dez assinaturas, entre as quais a de Belluzzo, o documento havia recebido 526 adesões até segunda-feira, aberto para todos os economistas, sem restrição ao grau de formação.
Entre as razões para defender a reeleição, os participantes do manifesto afirmam que o modelo adotado pelo atual governo ampliou o acesso ao emprego, ao crédito e ao consumo. "Combinado com a valorização dos salários e a transferência de renda, dinamizou o mercado interno, estimulou o investimento e promoveu o crescimento econômico, beneficiando a sociedade como um todo" e tornando o país "mais robusto diante das oscilações internacionais". Eles também defendem a necessidade de correções e ajustes para enfrentar "com firmeza" dificuldades conjunturais, mas entendem que isso não implica mudar de rumo.
Um dia depois foi divulgado o "Manifesto de professores universitários de economia", com 164 assinaturas de profissionais ligados a universidades e instituições do Brasil e do exterior. Zilberman foi um dos organizadores e adverte que a iniciativa não é uma resposta ao outro documento, pois já estava em andamento quando saiu o primeiro manifesto. As adesões ficaram abertas durante quatro dias, restritas a professores universitários. "Nossa preocupação foi informar, fornecer um parecer técnico sobre a situação econômica do Brasil, e não manifestar uma postura política", diz Zilberman. Conforme o texto divulgado, o objetivo "é desconstruir um dos inúmeros argumentos falaciosos ventilados na campanha eleitoral".
Os signatários afirmam no manifesto que não há uma crise internacional generalizada, argumentando que outros países da América Latina estão em expansão, com índices de crescimento que chegam à faixa de 4% em ambiente de inflação baixa, enquanto o Brasil terá "crescimento próximo de zero com a inflação próxima de 6,5%". Nesse cenário, dizem os economistas, "a semente do desemprego está plantada. E os avanços sociais obtidos com muito sacrifício ao longo das últimas décadas estão em risco". Eles também consideram que a política monetária é inadequada e criou a suspeita de intervenções de cunho político no Banco Central, "o que foi fatal para sua credibilidade". Para os professores, o governo Dilma ressuscitou os fantasmas da inflação e da instabilidade econômica, além de amedrontar os investimentos. Por fim, o manifesto sustenta que, ao "colocar a culpa pelo fraco desempenho econômico recente na conjuntura internacional, se eximindo da sua responsabilidade por escolhas equivocadas de políticas econômicas, o atual governo recorre a argumentos falaciosos".
"O fato é que o experimento de política econômica do governo Dilma não funcionou", afirma Zilberman. Para Costa, da FGV-RJ, quando um país é pouco desenvolvido, qualquer tipo de intervenção, como uma obra de infraestrutura, melhora a situação. "Quando falta tudo, qualquer projeto tem um retorno positivo. Mas à medida que a economia vai se sofisticando, os ganhos já não são tão gigantescos e a capacidade de o governo enxergar grandes avanços desaparece", argumenta.
Na opinião de Leda Paulani, os dados que compõem o diagnóstico da economia brasileira não referendam a tese de que esteja "à beira de um precipício". "O fundamental não é o crescimento em si, mas seu impacto sobre o emprego, e isso foi preservado", diz a professora. Belluzzo discorda da visão de que não haja uma crise internacional ou que os efeitos da crise de 2008 tenham terminado. Segundo ele, nos Estados Unidos "não há nenhuma base" para fazer essa afirmação e a Europa está voltando para a recessão. A economia brasileira, por sua vez, foi atingida por vários fatores, como a desaceleração chinesa e a normalização dos preços das commodities.
Nesse debate travado pelos economistas sobre a condução da política econômica brasileira, a defesa das ideias mais identificadas com as propostas do candidato Aécio Neves também aparece na enquete com significativa maioria na Universidade Católica de Brasília (UCB), onde obteve a totalidade das preferências, na Federal de Viçosa (80%) e no Insper, com 77,8%.
A candidata Dilma ficou em primeiro na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 40%, além da Unicamp. Nas UFRJ e na UFRGS, os percentuais ficaram mais próximos, com a primeira reunindo 50% das intenções de votos para Aécio e 41,7% para Dilma; enquanto a segunda apresentou 50% a 37,5%, com o candidato da oposição em vantagem. Os resultados também revelaram que apenas 1,2% dos economistas consultados são filiados a partidos políticos.
Entretanto, só no domingo mesmo é que se verá qual economista presidirá o Brasil.
Valor, 24-10-2014.
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