24/10/2014 | domtotal.com
Enquanto escrevo essa coluna, escuto a música Shadows Fall. E devo confessar que já é tarde. Aliás, a noite me parece muito interessante para a produção. Com efeito, as sombras exercem grande fascínio, possivelmente por seus mistérios. Tem algo de textura na escuridão que a claridade mata. A sensação é de que o branco seja asséptico e o preto... Ah, o preto! Este é aveludado. À medida que adentro a noite, sinto que me cubro de silêncio, denso e negro. O corpo, mais cansado, fica sossegado nessas roupagens e as ideias pululam.
O encontro com a criatividade pede um traje a rigor. Talvez esse misto de lucidez e sonolência faça casar racionalidade e realidade onírica. De repente, no silêncio da noite, tudo faz um sentido absurdo! Talvez amanhã tudo o que escrevi me pareça hermético. Mas agora não. É preciso que eu me vista de noite para encontrar o sentido. A noite é dos poetas, coisa que eu não sou. Mas amo os poetas e insisto em ficar na companhia deles. Hoje é Amálio Pinheiro, com o seu intenso Tempo Solto, da Ateliê Editorial que me acompanha. Agora toca Until the Shadows e o dragão que ganhei de aniversário faz com que eu me sinta vivo. A imagens abrigam memórias.
“Dentro de um beijo caminham coisas duras, como objetos com gosto de semanas” – leio no Tempo Solto. Vou me sentido a cada minuto mais finito, mais humano: o cansaço do corpo, o peso das pálpebras, a noite que cresce, a poesia, o dragão junto aos livros. Tudo isso irá com o tempo e só a memória terá um tal poder de ressurreição. O rememorado é corpo glorioso na história, cujo esplendor só se alcança desde as trevas do devir. A noite é, para o poeta, secular paixão. A vida segue em via crucis, de estação em estação (que também passarão). Mas nas imagens da memória brilham o passado e o porvir, escatologia estética. A gente precisa de arte para viver.
Para passar no tempo
Indico como experiência de temporalidade o grupo que me acompanha nessa noite, Random Forest, que pode ser ouvido em aplicativos como Deezer ou Spotify. Como leitura, o livro de poesias Tempo Solto, de Amálio Pinheiro, publicado em 2013 pela editora paulista Ateliê Editorial. Já nos dias 25 e 26 de Outubro, no Cine Theatro Brasil, o espetáculo Tríptico Samuel Beckett, com Nathalia Timberg, tratará também da temática do tempo. Na peça, infância, maturidade e velhice se imbricam no espaço mental de uma mulher, dando vida às questões abordadas pelos escritos de Samuel Beckett. À medida que o ano avança e a gente fica com a sensação de fim chegando, parece ser propício encarar o próprio ser temporal (enquanto há tempo).
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