21/11/2014 | domtotal.com
O cidadão está sendo acusado de liderar uma quadrilha especializada em roubo de galinhas. Tem algo a declarar?
Por Fernando Fabbrini*
— Tragam o suspeito - disse o delegado.
O homem assentou-se diante da autoridade. Tinha um ar arrogante, cara fechada, nariz em pé.
— O cidadão está sendo acusado de liderar uma quadrilha especializada em roubo de galinhas. Tem algo a declarar?
— Eu, doutor? – o suspeito arregalou os olhos e levou as mãos ao peito, teatral.
— Sim, o senhor mesmo. É o chefe da turma, não é? Vários coleguinhas seus já foram em cana, entregaram tudo, cantaram bonitinho igual canário.
— Seu delegado, juro que jamais roubei canários em toda a minha vida. Estou estarrecido com esta acusação.
— Não estou dizendo que o senhor roubou canários. Estou falando de galinhas, frangos, entendeu? Aves domésticas, penosas, aquelas que botam ovos.
— Bem, seu delegado, são espécies semelhantes. Galinhas e canários têm penas, bicos... Aliás, como sabemos, os canários têm um valor inestimável para nosso país. A seleção de futebol, por exemplo, é conhecida como a Seleção Canarinho, por causa da cor...
O delegado interrompeu-o, impaciente:
— Enrola não. Seus amiguinhos transportavam as galinhas para outros galinheiros, bem longe daqui. Suíça, paraísos fiscais... Estão todas lá, bem guardadinhas, botando ovos de ouro para sua turma. São muitos anos nessa safadeza...
— Mas... Isso é inadmissível! Merece uma investigação rigorosíssima, doa a quem doer!
O delegado achou graça:
— Já estamos investigando, somos a polícia. O senhor é o acusado, fique na sua. Vamos lá, responda: quem são os outros chefões? E desde quando funcionava o esquema?
— Esquema? Qual esquema? Roubar galinhas é uma atividade milenar, um costume tradicional de muitos povos. Dizem que o furto de galinhas já fazia parte do calendário das festas populares da Roma Antiga. No tempo dos vikings, as aves eram sacrificadas em rituais pagãos destinados a aplacar a ira de Odin, o deus do...
O delegado deu um tapa na mesa. Papéis voaram.
— Estou falando de Brasil! De hoje! De agora, dessa roubalheira que vocês arrumaram!...
O acusado abriu os braços.
— Repudio veementemente essas acusações infundadas. Estou absolutamente à disposição das autoridades desde o início, colaborando com as investigações.
— Rapaz... Olha lá... Tô perdendo a paciência!
— Mas, doutor! Eu sempre achei o roubo de galinhas uma coisa repugnante, um crime inominável! Tanto que acabo de providenciar novas medidas de proteção dos galinheiros, com cerca elétrica, vigias dia e noite e cães de guarda!
— O quê? Você é o ladrão, rapaz! Que história é essa?
O acusado mudou o tom de voz:
— “Que história é essa” pergunto eu, seu delegado. Percebo que o senhor está dando uma atenção exagerada ao assunto. Qual é o seu interesse nisso?
— Ora, interesse! É meu trabalho, estou cumprindo a Lei! Roubou galinha, é crime; vai em cana!
— Muito estranho... Por acaso o delegado faz parte do lobby avícola? Quem gosta tanto assim de galinha só pode ser coxinha..
Dito isso, o acusado levantou-se e começou a caminhar pela sala, completamente à vontade. Foi à janela e acenou para alguém.
Voltou-se de repente, ameaçando a autoridade com o dedo em riste.
— Aposto que o senhor representa interesses escusos de grupos que atuam nos bastidores, não é isso? Responda!
O delegado ergueu-se enfurecido:
— E desde quando você me dá ordens, seu canalha?
Foi nesse instante que ouviram o barulho de vidros quebrados, gritaria, confusão. Um detetive entrou na sala, esbaforido:
— Doutor, estão invadindo a delegacia! Tá cheio de blequibloque!
— Parem, em nome da Lei! – gritou o delegado, enquanto abria a gaveta à procura da arma.
Mas era tarde. O acusado já lhe apontava uma pistola, mirando na cabeça.
— Mãos pra cima, encosta na parede! Agora a Lei é outra, delegado.
O senhor tá preso!
— Tragam o suspeito - disse o delegado.
O homem assentou-se diante da autoridade. Tinha um ar arrogante, cara fechada, nariz em pé.
— O cidadão está sendo acusado de liderar uma quadrilha especializada em roubo de galinhas. Tem algo a declarar?
— Eu, doutor? – o suspeito arregalou os olhos e levou as mãos ao peito, teatral.
— Sim, o senhor mesmo. É o chefe da turma, não é? Vários coleguinhas seus já foram em cana, entregaram tudo, cantaram bonitinho igual canário.
— Seu delegado, juro que jamais roubei canários em toda a minha vida. Estou estarrecido com esta acusação.
— Não estou dizendo que o senhor roubou canários. Estou falando de galinhas, frangos, entendeu? Aves domésticas, penosas, aquelas que botam ovos.
— Bem, seu delegado, são espécies semelhantes. Galinhas e canários têm penas, bicos... Aliás, como sabemos, os canários têm um valor inestimável para nosso país. A seleção de futebol, por exemplo, é conhecida como a Seleção Canarinho, por causa da cor...
O delegado interrompeu-o, impaciente:
— Enrola não. Seus amiguinhos transportavam as galinhas para outros galinheiros, bem longe daqui. Suíça, paraísos fiscais... Estão todas lá, bem guardadinhas, botando ovos de ouro para sua turma. São muitos anos nessa safadeza...
— Mas... Isso é inadmissível! Merece uma investigação rigorosíssima, doa a quem doer!
O delegado achou graça:
— Já estamos investigando, somos a polícia. O senhor é o acusado, fique na sua. Vamos lá, responda: quem são os outros chefões? E desde quando funcionava o esquema?
— Esquema? Qual esquema? Roubar galinhas é uma atividade milenar, um costume tradicional de muitos povos. Dizem que o furto de galinhas já fazia parte do calendário das festas populares da Roma Antiga. No tempo dos vikings, as aves eram sacrificadas em rituais pagãos destinados a aplacar a ira de Odin, o deus do...
O delegado deu um tapa na mesa. Papéis voaram.
— Estou falando de Brasil! De hoje! De agora, dessa roubalheira que vocês arrumaram!...
O acusado abriu os braços.
— Repudio veementemente essas acusações infundadas. Estou absolutamente à disposição das autoridades desde o início, colaborando com as investigações.
— Rapaz... Olha lá... Tô perdendo a paciência!
— Mas, doutor! Eu sempre achei o roubo de galinhas uma coisa repugnante, um crime inominável! Tanto que acabo de providenciar novas medidas de proteção dos galinheiros, com cerca elétrica, vigias dia e noite e cães de guarda!
— O quê? Você é o ladrão, rapaz! Que história é essa?
O acusado mudou o tom de voz:
— “Que história é essa” pergunto eu, seu delegado. Percebo que o senhor está dando uma atenção exagerada ao assunto. Qual é o seu interesse nisso?
— Ora, interesse! É meu trabalho, estou cumprindo a Lei! Roubou galinha, é crime; vai em cana!
— Muito estranho... Por acaso o delegado faz parte do lobby avícola? Quem gosta tanto assim de galinha só pode ser coxinha..
Dito isso, o acusado levantou-se e começou a caminhar pela sala, completamente à vontade. Foi à janela e acenou para alguém.
Voltou-se de repente, ameaçando a autoridade com o dedo em riste.
— Aposto que o senhor representa interesses escusos de grupos que atuam nos bastidores, não é isso? Responda!
O delegado ergueu-se enfurecido:
— E desde quando você me dá ordens, seu canalha?
Foi nesse instante que ouviram o barulho de vidros quebrados, gritaria, confusão. Um detetive entrou na sala, esbaforido:
— Doutor, estão invadindo a delegacia! Tá cheio de blequibloque!
— Parem, em nome da Lei! – gritou o delegado, enquanto abria a gaveta à procura da arma.
Mas era tarde. O acusado já lhe apontava uma pistola, mirando na cabeça.
— Mãos pra cima, encosta na parede! Agora a Lei é outra, delegado.
O senhor tá preso!
* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.
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