Enquanto acompanhava a despedida do Senador José Sarney da vida pública, logo me veio à mente a imagem do produto Óleo de Peroba, aquele que tem um índio na embalagem, usado para lustrar móveis de madeira.
Depois de 59 anos no poder, ocupando os cargos mais cobiçados da República, o Senador José Sarney despede-se em críticas ao sistema político brasileiro, onde defende uma reforma política, o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, a criação de um Estatuto das Empresas Estatais, de modo a evitar a corrupção, a necessidade de reduzir o número de partidos políticos.
Meu Deus! Esse homem levou 59 anos para perceber que esse sistema político que sempre o elegeu – aos seus pares e familiares − estava errado! Levou 59 anos para perceber que não deveria ter se candidatado a outros cargos políticos depois de ter sido Presidente da República!
Tudo bem que nunca é tarde para alguém descobrir que errou e tentar se redimir. Mas levar 59 anos para constatar isso, sinceramente, é tempo demais, é tarde demais, Senador. O tempo não volta e não há como se redimir. O estrago foi feito.
Nesses 59 anos de vida pública, ocupando os mais altos cargos da República, o Senador Sarney poderia ter contribuído enormemente para as necessárias mudanças nesse país, notadamente no sistema político, na legislação eleitoral, no combate à corrupção... Poderia ter proposto leis imprescindíveis para o fortalecimento da democracia.
Ao discursar para ninguém, o Senador José Sarney ressaltou seu contributo à causa cultural no Brasil, a começar pela sua investidura como imortal na Academia Brasileira de Letras, por ter escrito livros de grande magnitude, que fariam Machado de Assis se mexer em seu túmulo.
Esses 59 anos podem ter sido poucos para o Senador José Sarney, que acumula inúmeras aposentadorias polpudas, mas foram anos intermináveis para o povo brasileiro. Ainda bem que ele sai feliz, sem nenhum ressentimento, como se houvesse motivos para tê-lo.
Se Óleo de Peroba fosse usado para parlamentares, faltaria o produto no comércio. No país onde nenhum político viu, ouviu ou falou, apesar dos mandos e desmandos, da corrupção enraizada, da institucionalização da propina como moeda de troca, haja Óleo de Peroba.
E esses políticos fazem suas declarações sem sequer tremerem os lábios, sem sequer gaguejarem, numa seriedade e com uma convicção de assustar. Mentiras ditas como se fossem verdades absolutas. Isso me apavora.
*Promotora de Justiça, escritora e integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza
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