quarta-feira, 11 de março de 2015

Entre o amor e a morte

Na obra de Paul Delvaux os esqueletos assumem comportamentos típicos de humanos.
Por Marco Lacerda*
Aos 21 anos de idade Paul Delvaux iniciou seus estudos na Academia de Belas Artes de Bruxelas, onde, mais tarde, seria professor durante os anos de 1950 a 1962. Começou pintando quase que exclusivamente paisagens e, posteriormente, dedicou-se a ensaiar uma espécie de realismo impressionista.

Nos anos 30 conheceu o expressionismo flamengo, e sob a influência de Giorgio de Chirico e Magritte, uma década mais tarde, já participava de exposições surrealistas ao lado de mestres como Salvador Dali. Sua técnica, quase acadêmica, contrasta com sua fixação por temas misteriosos e pela materialização de um mundo onírico e pessoal, em que a mulher se transfigura em um ser arcano, às vezes submetida a metamorfoses vegetais, em uma atmosfera inquietante marcada por um certo erotismo.

O Museu Thyssen-Bornemisza, de Madrid, apresenta, até 7 de junho uma exposição dedicada ao pintor belga. Realizada em parceria com o Museu d’Ixelles, com curadoria de Laura Neve, a mostra reúne numa viagem temática cerca de 50 obras procedentes de coleções públicas e privadas da Bélgica, merecendo menção especial a coleção de Nicole e Pierre Ghêne que cederam 42 obras sobre as quais se assenta este projeto.

Fascinado pela obra de Delvaux desde 1962, Pierre Ghêne começou sua coleção no começo da década de 70 e desde então não parou de crescer, reunindo atualmente centenas de obras, a maior parte das quais se encontra no Museu d’Ixelles.

Depois de experimentar o realismo, o fauvismo e o expressionismo, Delvaux descobriu os trabalhos de Magritte e Giorgio de Chirico. O surrealismo se converte numa revelação decisiva para o artista, embora ele nunca tenha se considerado um pintor surrealista. Interessava-lhe mais a atmosfera poética e misteriosa do movimento do que sua luta iconoclasta. Por isso, a partir da década de 30 cria um universo próprio e original, entre o sonho e a realidade.

A obra de Delvaux se destaca pela unidade estilística e é marcada por um ambiente estranho e enigmático. Seus protagonistas são parte desse universo, seres isolados ensimesmados, quase sonâmbulos, que se localizam em cenários noturnos. O único vínculo entre eles são as próprias vivências do artista.

A fascinação do pintor pelos esqueletos remonta a sua vida escolar, quando frequentava assiduamente as aulas de biologia. Os esqueletos lhe causavam medo e curiosidade. A partir de 1932 faz do esqueleto um elemento do seu vocabulário plástico dotando-o de expressividade especial. Em alguns casos os esqueletos substituem o personagem principal e falam em seu nome como um alter ego. Quando não são protagonistas, os esqueletos aparecem ao fundo da obra, confundindo-se com a decoração do ambiente, assumindo papel secundário mas não menos importante e comportamentos típicos dos humanos.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal.

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