Em muitos aspectos, o papa é aplaudido, mas permanece só. Dentro e fora da Igreja.
Por Marco Politi
Dois anos depois da sua eleição, Francisco já tornou irreversível o novo rosto do papado. Voltar a um pontífice-ícone, doutrinário, monarca absoluto não será mais possível: sob pena de uma dramática perda de contato com a sociedade contemporânea, crente ou não crente.
Foi revolucionada a linguagem. Quando Francisco diz que os católicos não devem fazer filhos "como coelhos" ou explica ao clero de Roma (há poucos dias) que há "pessoas perturbadas que se refugiam nas instituições fortes: Exército e Igreja", ele usa a linguagem de um pároco capaz de ser ouvido por todos. Um papa-padre capaz de falar também para os ateus como nenhum outro antes dele.
O papa Bergoglio abriu a transição rumo a uma Igreja mais comunitária e participativa. "Sinodal", nas palavras dos ortodoxos. Um modelo de Igreja em que a cabeça não decide em solidão imperial, mas junto com os bispos. O Concílio Vaticano II chamou isso de "colegialidade", indicando a imagem de "Pedro junto com os apóstolos".
Colegialidade
O início dessa reforma se traduziu na criação de um conselho cardinalício, coordenado por Oscar Rodríguez Maradiaga, e formado em oito purpurados de todos os continentes, aos quais se soma o secretário de Estado.
É o chamado C9, encarregado de "aconselhar (o papa) no governo da Igreja universal". Um embrião de colegialidade. No último consistório de fevereiro passado, a assembleia dos cardeais de todo o mundo reafirmou a necessidade de uma "sadia descentralização" das competências, até aqui exercidas exclusivamente pela Cúria Romana. É negativo, porém, o atraso da reforma do governo central da Igreja.
O segundo passo na direção da colegialidade é representado pela nova função do Sínodo dos Bispos (o pequeno parlamento da Santa Igreja Romana), não mais destinado a permanecer como uma simples arena de opiniões, mas – graças a Francisco – passou a ser titular de um poder propositivo para encontrar soluções para os problemas pastorais mais urgentes.
O fato de ter escolhido o bispo teólogo Bruno Forte como secretário especial das duas sessões sinodais dedicadas aos problemas familiares assinala a vontade de aggiornamento [atualização], para usar o feliz slogan de João XXIII.
Divorciados e gays
Conceder democracia – liberdade de expressão e de voto como durante o Concílio – significa, no entanto, fazer as contas com as oposições e a possibilidade de perder algumas batalhas: isso aconteceu no Sínodo de 2014.
Francisco abriu sobre temas até então considerados tabus: a comunhão aos divorciados em segunda união, as coabitações, os casais homossexuais, a transexualidade, mas as resistências internas ao mundo eclesiástico impediram, até agora, uma mudança oficial de atitude da Igreja.
A apaixonada intervenção sinodal do cardeal de Viena, Christoph Schönborn, sobre a solidariedade de dois parceiros gays não recebeu – ao menos por enquanto – o consenso da maioria do episcopado.
Dois anos depois da eleição, percebe-se um sulco entre Francisco e aquela parte da hierarquia no Vaticano e no exterior que permaneceu apegada à visão de um papado sacral, juiz doutrinal inflexível dos "desvios" dos mandamentos do catecismo.
O cardeal norte-americano Francis George (ex-arcebispo de Chicago), quando pergunta se "Francisco se dá conta do efeito de certas palavras suas?", evidencia uma ofensiva em curso contra o pontífice argentino.
Também existe um sulco claro entre a ala de sacerdotes – muitas vezes jovens – embebidos em espiritualismo, dogmatismo e ideologia do poder sacerdotal, que resistem à desclericalização desejada por Francisco e, ao contrário, aqueles padres segundo os quais anunciar o Evangelho na sociedade urbana globalizada exige fazer as contas com a mistura das culturas e – como convida o secretário da Conferência Episcopal Italiana, Dom Nunzio Galantino – levar em consideração o mundo "feio, sujo e mau".
O papel das mulheres
Francisco teve o mérito de colocar sobre a mesa um tema tabu como o papel das mulheres nos lugares de tomada de decisão da Igreja, mas não encontrou uma resposta entusiástica dos episcopados do mundo.
Nem mesmo as mulheres das associações católicas se mobilizaram por enquanto. Culpa de uma "certa desconfiança e um antigo hábito de calar", comenta a historiadora Lucetta Saraffia, que gostaria de ver as mulheres participando dos Sínodos.
Não está claro se em todos esses campos, sobre os quais Francisco se fez sentir, serão realizadas mudanças concretas já durante o seu pontificado. Ele é um semeador. As pedras no seu caminho são muitas, e os seus adversários – nota o secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, professor Guzmán Carriquiry – se comportam como os fariseus que seguiam Jesus "com ânimo enraivecido, escandalizados com os seus encontros com prostitutas e pecadores, sempre interpretando mal, na esperança de poder entrever um mínimo desvio em relação à Lei para julgá-lo e condená-lo...".
Luta contra a pedofilia
Em três âmbitos precisos, o pontífice argentino já virou a página. Pela primeira vez, ele destituiu, processou eclesiasticamente e degradou ("reduzido ao estado laical") um bispo pedófilo: o ex-núncio na República Dominicana, Jozef Wesolowski. Por vontade de Francisco, ele também passará por um processo penal no Vaticano. No entanto, no comitê antiabusos, por ele criado, surgiram resistências sobre novas diretrizes internacionais mais rigorosas.
O banco vaticano
O banco vaticano foi submetido a uma drástica limpeza das contas correntes. Foram assinados acordos de cooperação judicial com a Itália, Alemanha, Estados Unidos. Foi criado um comitê de combate à lavagem de dinheiro e uma Secretaria para a Economia, liderada pelo cardeal George Pell, que supervisionará os contratos e a regularidade dos orçamentos das várias articulações da Santa Sé e que trouxe à tona fundos reservados (embora regulares) de alguns órgãos que não haviam sido incluídos nos orçamento consolidado do Vaticano.
O presidente do IOR, o francês Jean-Baptiste de Franssu, pressiona por uma gestão única do patrimônio financeiro e imobiliário da Santa Sé.
Política externa
O terceiro setor em que Francisco mostrou uma marca forte é o geopolítico. Ele deu um novo impulso à presença do Vaticano na cena internacional, impedindo uma catastrófica invasão ocidental à Síria, indicando para Israel e Palestina o caminho de uma paz dos corajosos, denunciando o tráfico de armas por trás dos conflitos em curso, comprometendo-se contra as "escravidões modernas" (o tráfico sexual, o tráfico de migrantes, as fábricas clandestinas).
O seu objetivo, discutido com o presidente Barack Obama, é fazer com que a ONU declare o tráfico de seres humanos como um "crime contra a humanidade". As suas intervenções contra a corrupção, o crime organizado, a ideologia neoliberal do lucro sem regras, o primado absoluto do mercado que produz "descartes" velhos ou jovens, alimentando o precariado permanente levantaram um eco muito grande em nível internacional, bem além do mundo católico, mas as lideranças políticas e econômicas não mostraram nenhuma intenção de elaborar um modelo econômico inspirado no "bem comum".
Em muitos aspectos, Francisco é aplaudido, mas permanece só. Dentro e fora da Igreja. Embora não o demonstre, trata-se de uma autêntica corrida contra o tempo.
No próximo ano, ele vai completar 80 anos, e os seus amigos latino-americanos não duvidam de que, quando a velhice se fizer sentir, Jorge Mario Bergoglio também estará pronto para renunciar, como Bento XVI (talvez voltando para a Argentina).
Ele mesmo antecipou isso aos jornalistas durante uma viagem. O papado com prazo determinado é a última (silenciosa) reforma desse pontificado.
Il Fatto Quotidiano, 09-03-2015.
Tradução de Moisés Sbardelotto.
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