quinta-feira, 12 de março de 2015

Todos precisamos de um Gandhi

Estamos nos condenando à extinção do bom astral coletivo?

Por Ricardo Soares*
Abra as janelas da alma ou se debruce sobre as varandas (gourmets ou não) do pensamento. O ano parece que mal começou e envelheceu. Passam por nós os ônibus do desalento, os carros das ameaças, os caminhões do descontentamento. Todos a provocar um enorme congestionamento de pessimismo, palavras rudes, desesperanças. Os ciclistas e as ciclovias não conseguem espaço entre o triste tráfego parado. Era para andarmos, mas nada flui. A triste equação de ficar num congestionamento a céu aberto é aflitiva. E ainda todos nós tememos os inevitáveis assaltos no meio do imobilismo.
Para muito além da metáfora da falta de mobilidade urbana para ilustrar nossa situação nacional de tráfego parado eu tenho tentado buscar exemplo entre os esotéricos, os crédulos e os ascetas. Revi por acaso o filme "Gandhi" e não tem como não pensar na óbvia constatação de que o país em turbulência necessita de um personagem vital como ele. Mas, infelizmente, não temos Gandhis e nem mensageiros da paz e da conciliação a atuar em nossas frentes midiáticas ou políticas. Existem, persistem, insistem os incendiários de sempre ou os falsos conciliadores que jogam gasolina no fogo como se simplesmente fossem fumar um cigarrinho na calçada da repartição.
Sim, é uma pátria dos hipócritas, dos sem-sentido, dos desorientados que andam a apostar no “quanto pior melhor” como estratégia de sobrevivência. Ora, isso não é sobrevivência, é suicídio. É turbinar mais e mais o desalento coletivo, o endurecimento dos corações e mentes até o ponto em que se esgotam os argumentos e até dizer um mero “bom dia” pode parecer uma provocação.
Eu sinceramente estou cansado. Sinceramente desejava me abstrair desse noticiário tão pesado que não bastasse as mazelas políticas e os escândalos é todo dia aberto com uma enxurrada de crimes violentos, de desrespeito aos básicos bons sentimentos humanos. É como se, a velha ladainha, o noticiário se pautasse apenas pelo que tem de pior a nossa triste espécie.  Estamos nos condenando à extinção do bom astral coletivo? Diriam os céticos que não temos o que comemorar. Ok.  Mas até quando é justo terminar com o que mal começou? Refiro-me ao ano de 2015, ao governo recém-empossado, ao pueril e necessário sentimento de renovação. Como diria o velho profeta Chacrinha, um programa só acaba quando termina.
*Ricardo Soares é diretor de TV, roteirista, escritor e jornalista. Foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde", "Diário do Grande ABC" e da revista "Rolling Stone".

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