Milhares de jovens latino-americanos, inclusive brasileiros, trocam o escritório pela vida rural.
Por Marco Lacerda*
A rotina de Gabriela Stockmann, 26 anos, começa às 6h da manhã. Tira leite, trata os animais, leva as vacas para pastar e tira a silagem já para a próxima ordenha. A sequência se repete no fim da tarde. Nesse meio tempo ela fica por conta dos afazeres da casa da família. Gabriela vive em Posse Cerrito, no Rio Grande do Sul. Mas não foi sempre assim.
No início da vida adulta, decidiu ir para a cidade. Como muitos jovens da zona rural, acreditava que o ambiente urbano podia lhe dar uma vida melhor. Arranjou emprego em um supermercado, mas levou pouco tempo para perceber que seu salário mal dava para pagar as contas. “Pagava aluguel, água, luz, telefone, e não tinha mais dinheiro. Aí recorria aos meus pais.”
Não vendo sentido nessa situação, voltou para a casa dos pais, que têm uma pequena propriedade diversificada, mas com ênfase na atividade leiteira. Até hoje, ela trabalha com a família e ganha sua porcentagem das vendas. Nem pensa em sair de lá. “Na cidade somos empregados, no campo podemos ser os patrões.”
A estabilidade financeira de Gabriela e sua família é fruto do trabalho diário e do cooperativismo. Antes um caminho quase natural, a decisão dos jovens em migrar ou não para as cidades agora é motivada sobretudo pelo agronegócio brasileiro. Espalhada pelo interior do país, a riqueza da produção de alimentos elevou índices sociais e econômicos e reduziu a distância entre o campo e a cidade. Com oportunidades de renda e qualidade de vida, a nova geração ligada ao meio rural vislumbra um futuro promissor também nas propriedades que fazem o Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho inflar com reflexos de supersafras e crescente produção animal.
“O jovem que decide apostar no meio rural enxerga a rentabilidade do negócio. E essa oportunidade lhe permite ter qualidade de vida”, analisa Pedro Rettori, da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Paraná. Docente há 35 anos, Rettori acompanha a mudança de perfil dos jovens que buscam conhecimento acadêmico na área agrícola: “Hoje, 50% dos estudantes vêm do Interior e 50% são de grandes centros urbanos. Há 30 anos, a maioria era do Interior e, majoritariamente, homens”, diz ele.
Por décadas, a falta de perspectivas no campo exportou milhares de jovens para a cidade, de onde dificilmente saíam. O resultado foi um espantoso êxodo rural. No entanto, o acesso a recursos básicos como educação, saúde e tecnologia, fez a migração deixar de ser fundamental para se alcançar a independência financeira.
“A ideia de que campo é lugar de atraso é ultrapassada. O avanço da agricultura fortaleceu entre os jovens o orgulho de ser agro” – diz Ricardo Zuppo, de 32 anos, professor do curso de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina e bem sucedido agricultor na região.
Seja pela forte ligação com a terra ou para suceder familiares, grande parte dos jovens agora manifesta o desejo de ficar no campo. Mas ainda que 69% dos adolescentes da agricultura familiar não queiram migrar para grandes cidades, conforme pesquisas oficiais, na prática a decisão passa por questões pontuais. “Os jovens que ficam ou retornam querem autonomia e liberdade para tomar decisões. A abertura dos pais é fundamental para atenuar conflitos de gerações”, aponta Zuppo.
Acordo entre pais e filhos
Dividir atividades e renda dentro da propriedade foi o modelo encontrado pela família Braga para Juvenal, 25 anos, retornar a São Pedro das Missões, noroeste do Rio Grande do Sul, após formar-se em Biologia. Enquanto o pai, José Alberto Braga, 55 anos, administra cem hectares de lavoura, o jovem responde pela produção leiteira.
“Recebi propostas de emprego em indústrias e comércio quando me formei. Mas meus pais estavam sozinhos, trabalhando muito. Optei por aplicar meus conhecimentos junto deles – conta Juvenal, que pretende expandir a produção com melhoria na qualidade dos animais.
Curso concluído, é hora de voltar. Formado em Agronomia, Bruno Spiller Filho, 27 anos, assumiu a propriedade da família, em Estrela, aos 22 anos. A sucessão foi antecipada pela morte do pai, há quatro anos. Com a orientação do irmão, Leopoldo, o jovem agrônomo diversificou a produção nos 1,8 mil hectares da fazenda da família.
Antes centrada na pecuária, a propriedade tem hoje 600 hectares cultivados com soja, milho, trigo e aveia. Em 2013, Bruno investiu em irrigação em 90 hectares da lavoura, com previsão de ampliar os pivôs centrais para outros 210 hectares: “A responsabilidade de administrar sozinho é grande, mas não teria porque não levar isso adiante”, explica.
Outra alternativa de crescimento é conciliar o agronegócio com uma carreira profissional paralela. Com o crescimento das cidades médias do interior, estudantes recém-formados conseguem ajudar na gestão de lavouras da família e seguir com outra atividade no núcleo urbano mais próximo. Foi o caminho trilhado por Luiz Marcelo. Depois de sete anos na capital, formou-se em Direito e, em 2012, retornou à pequena Marau, no Rio Grande, para ajudar o pai no cultivo de arroz e na pecuária. Agora, planeja abrir um escritório de advocacia na cidade e, ao mesmo tempo, atuar na gestão da propriedade: “Sempre tive a ideia de voltar, gosto muito da vida no Interior”.
Chamado da natureza
Trocar o campo pela cidade à procura de uma vida melhor sempre foi a opção mais comum. Porém, algumas famílias, cansadas do caos urbano, estão fazendo o caminho inverso, deixando os grandes centros para viver literalmente no meio do mato.
São pessoas que cursaram faculdade, desfrutavam de um certo conforto na cidade, mas não aguentavam mais a correria, falta de liberdade, o trânsito e o excesso de consumo. Em busca de uma vida mais simples e saudável, elas não têm medo de encarar a enxada e descobrir um novo modo de sobreviver.
Para a mineira Manuella Melo Franco, 34, a chegada do primeiro filho foi o empurrão que faltava para deixar a cidade e, finalmente, experimentar uma vida mais tranquila e autossustentável, ao lado do companheiro Hugo Ruax. "O nascimento do Tomé reforçou esse nosso desejo. Queríamos oferecer a ele uma infância mais próxima da natureza, longe dos valores consumistas e da loucura da cidade", diz a fotógrafa e jornalista.
A mudança da família de Lagoa Santa (MG) para uma fazenda em Piatã, na Chapada Diamantina (BA), aconteceu em agosto do ano passado, quando Manuella estava grávida de sete meses de Nina, a segunda filha do casal. Porém, esse fato não foi motivo de preocupação.
O que mais pesava na decisão era a falta de dinheiro. O casal trabalhava para juntar o máximo possível, entretanto nunca parecia suficiente, já que os gastos não diminuíam. "Era como correr atrás do rabo. Então decidimos vender o carro, os móveis da casa, tudo o que tínhamos e ir embora. Porque se a gente ficasse esperando o dinheiro ele não ia chegar nunca", conta Manuella.
Do campo para o campo
A quilômetros de um dos litorais mais visitados pelos jovens da América do Sul, encontra-se um grupo que vive sem praias, boates ou paqueras. Apesar disso, esses brasileiros de 20 e poucos anos estão muito bem: se sustentam, gerenciam os próprios negócios e ainda sofrem menos estresse que o vivido nas grandes cidades.
Eles nasceram no campo e – diferentemente dos pais, para quem o trabalho na roça foi inevitável – descobriram na agricultura uma verdadeira vocação, apesar da carga intensa de trabalho. Também encontraram nela a oportunidade de planejar um futuro profissional de longo prazo.
“Tudo é mais relaxado, a começar pela roupa que usamos”, diz Jilson Vargas, 25 anos. Ele chegou a aceitar um emprego de escritório, mas levava meia hora para ir e o mesmo tempo para voltar, passando por uma estrada de terra. “E tinha de andar de terno”, lembra. A vida mudou quando o grupo de jovens rurais de que Jilson participa pôde finalmente adquirir máquinas para sofisticar a produção de vime, material usado na fabricação de cestos e móveis. Hoje, nem ele nem a esposa, Thaíse, de 20 anos, têm vontade de deixar o sítio, conectado à rede de telefonia celular.
Eles sabem que estão na contramão dos brasileiros e dos latino-americanos em geral: tanto no país quanto na região, cerca de 80% da população vive em cidades.
Ao mesmo tempo, o casal entende o quanto é necessário incentivar os jovens a ficar no campo. Afinal, caberá a eles – e aos filhos – cuidar da produção de matérias-primas agrícolas usadas em todas as indústrias.
Futuro promissor para os jovens
Atualmente, 3 em cada 10 latino-americanos dependem da terra para a sobrevivência. Em países como México e Peru, estima-se que 20% dos jovens trabalhem na zona rural. No Brasil, 8 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos vivem no campo, formando 27% da população rural.
Também está nas mãos dos mais novos produzir comida suficiente para alimentar 9 bilhões de bocas em 2050. É um desafio colossal, mas Josimar Sordi, 23 anos, contribui com prazer.
Antes mesmo de se formar em zootecnia, ele tem a oportunidade de gerenciar o processamento de carne na pequena fábrica fundada pelos Sordi e mais duas famílias há quase um ano. Vinte tipos de produtos saem dali rumo aos mercados da região.
“Essa fábrica era um projeto meu e de um primo, que morreu aos 23, de leucemia, um mês antes de realizar seu sonho”, emociona-se Josimar. “Nós trabalhávamos em um frigorífico e vivíamos falando de como seria o nosso negócio”, acrescenta.
A história dele evoca uma das características mais presentes nas pesquisas sobre os millenials – a geração que hoje tem entre 20 e 30 anos – e o mercado de trabalho: a competitividade e o desejo de crescer rapidamente no emprego.
E, como o próprio Josimar faz questão de dizer, a zona rural tem muitas possibilidades para o jovem que quer empreender, desde que haja condições para isso, a começar pela infraestrutura: estradas, eletrificação rural, internet e telefonia celular.
“Se o processo de criação de uma empresa for caro e demorado, os jovens estarão menos dispostos a fazer negócios. É preciso facilitar isso, bem como os processos de certificação de produtos e serviços”, acrescenta o economista Diego Arias, do Banco Mundial, que está à frente do programa Santa Catarina Rural.
O programa, uma parceria entre o Banco e o governo do estado, é exatamente o que vem permitindo a empreendedores como Jilson e Josimar ter um projeto de vida ligado ao campo. Iniciativas semelhantes vêm dando certo em países tão distantes quanto Armênia, Camarões, Malawi, Senegal e Sri Lanka.
Brinde com suco
Dados também do Banco Mundial mostram que investir na agricultura não sai caro quando se avaliam os benefícios para os produtores rurais: o aumento de renda associado com essa atividade é de 2 a 4 vezes mais eficaz na redução da pobreza do que o crescimento originado em outros setores.
Foi com alguns investimentos e muita persistência que os pais de Estevão e Leonardo Ferrari – de 23 e 21 anos, respectivamente – conseguiram prosperar dispondo de apenas 3 hectares de terra. Depois de tentar plantar de tudo, sem sucesso, o casal participou de um programa de cultivo de uvas iniciado pela prefeitura de Santa Catarina em 2001.
“Para nosso pai, era a última chance de fazer alguma coisa dar certo aqui e, por isso, ele se apressou em deixar o parreiral pronto e bem cuidado”, lembra Estevão. As frutas se adaptaram tão bem que, em três anos, a família vendia não só as uvas a granel, mas também o suco.
De lá para cá, uma série de programas (inclusive o SC Rural) ajudou a família a aumentar a plantação para os atuais 4 mil pés, proteger as uvas do frio e enviar Leonardo para estudar enologia em Cádiz, na Espanha. “Nosso sonho é começar a produzir vinho”, conta o rapaz.
Enquanto se preparam para isso, os irmãos comandam uma loja onde vendem produtos da agricultura familiar, inclusive o suco de uva. “Ele faz sucesso entre os jovens e os adeptos da alimentação saudável. Miramos nesse público para fazer nosso marketing”, ressalta Leonardo.
E assim, brindando com suco natural – e não com os drinques típicos das festas urbanas –, trocando a vida noturna pelo trabalho que começa cedo, brasileiros como eles descobrem oportunidades e alegrias fora da cidade. “Venham conosco”, convida o bem humorado Estevão a todos os jovens em busca de uma boa chance.
*Marco Lacerda é jornalista é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal. Esta reportagem foi feita com base em informações de jornais Gazeta do Povo, El País e Portal Uol
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