quarta-feira, 8 de abril de 2015

O silêncio da esquerda sobre os cristãos

A omissão política frente à perseguição religiosa pode acarretar a própria dissolução moral.

Por Lucia Annunziata*
Esquerda, onde estás? Não, não pretendo falar das polêmicas sobre o Italicum (nova lei eleitoral italiana), não me refiro a nenhuma minoria e não estou pedindo uma explicação das várias denominações pró e contra Renzi (primeiro-ministro italiano). Pergunto-me onde está a Esquerda, com E maiúscula, aquela ampla fileira social que tem uma história e princípios, que está fora das gaiolas e das disputas da cotidianidade, que ama a si mesma porque ama o seu senso de justiça. Onde ela está neste momento, diante do mais terrível dos crimes perpetrados hoje contra os fracos?
Eu falo, sim, dos massacres de cristãos que banham de sangue muitas terras do mundo. Por que eu não recebo abaixo-assinados para assinar (embora me enviem de todos os tipos)? Por que ninguém promove – não digo uma manifestação – mas um sit-in ou uma reunião qualquer? Não no Auditorium, não no Ambra Jovinelli, mas também não em um pavilhão qualquer de periferia ou em uma praça histórica ocupada pela CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho) ou pela FIOM (federação dos metalúrgicos italianos).
Nada. Não ouço slogans, não chegam documentos, nem apelos, nem propostas de subscrição. Não se fala a respeito nos programas de entrevista, sem falar dos programas de talentos. A TV está em outro lugar, sabemos disso, principalmente nós que nela trabalhamos.
Mas também não há uma fila, aqui, dentro deste escritório do HuffPost, de jovens e ambiciosos jornalistas que queiram "dar voz", como se gosta de dizer, a esses novos fracos e indefesos.
Se eu olho para as notícias desses últimos meses, a Esquerda assumiu uma quantidade enorme de causas – a das mulheres, do feminicídio, dos operários, do desemprego juvenil, dos casamentos entre cidadãos do mesmo sexo, dos cortes contra os desperdícios da política, das reformas das instituições, da troca da forma dos partidos, da liberdade na internet ou dos impostos ao Google, da privacidade, da inovação, da reciclagem, da pobreza e da austeridade, mas também do quilômetro zero, do talento e das dietas adequadas, da arte e corpo, do corpo e tatuagens, do Isis e da Guerra, da Europa e da Guerra, de Putin, de Obama, de Charlie Hebdo e do Museu do Bardo.
Mas, com exceção de uns poucos, nem uma única vez, em todas essas paixões, inseriram-se a pena ou o horror diante da morte de homens e mulheres por causa da sua fé. Isto é, a morte como violação final do direito mais importante da liberdade pessoal. Fé que, aliás, é a da maioria da Itália e também é a base da definição (queira-se ou não) da história e da cultura da Europa.
Não, não sou católica e nem mesmo uma neoconvertida. Sou ateia e pretendo continuar assim. E não, não escrevi uma única linha sobre o atual papa, não fui à missa pelas novas hierarquias religiosas e menos ainda cheguei a dizer que este papa está fazendo uma revolução e é o verdadeiro líder da esquerda.
Mas eu sou jornalista e acredito que ainda consigo entender o que é uma notícia. E a notícia destes dias é a solidão em que justamente esse popularíssimo papa foi deixado, há meses voz única em denunciar os massacres dos fiéis e hoje único chefe de Estado a apontar o dedo para o imobilismo das nações ocidentais sobre esses massacres. O exato contrário do Charlie Hebdo, em suma.
As razões de tanto silêncio e embaraço dos Estados ocidentais se conhecem muito bem. Podem ser lidas nas entrelinhas das próprias explicações que o secretário da Conferência Episcopal Italiana, Dom Nunzio Galantino, forneceu à intervenção do Papa Francisco. "O apelo do Papa não incita o 'choque de civilizações'", Galantino sentiu-se obrigado a explicar. E ainda esclareceu o óbvio, isto é, que Francisco não pretende incitar a "guerra santa".
Esse é o ponto em que tudo se paralisa: o medo de que a defesa dos cristãos signifique acender outras minas no já duro confronto, que signifique dar luz verde a uma contrarreação, que signifique finalmente legitimar toda aquela direita que, já agora no Ocidente, pelos seus próprios interesses políticos, sopra sobre o fogo do racismo e do choque de civilizações.
Mas, se bem sabemos que o respeito pelos direitos humanos é geralmente a primeira vítima sacrificial das razões de Estado, nós, cidadãos, nós, opinião pública, também podemos nos unir a esses temores e a esses oportunismos?
Assim, volto a falar de esquerda. Esquerda porque é essa parte política que sempre reivindicou ter a força e a convicção para enfrentar os temas da defesa dos fracos. E porque a esquerda, neste momento, tem muito peso nos grandes Estados do Ocidente. Não por último na Itália.
Há muito o que fazer de imediato. Em primeiro lugar, os governos podem e devem aprovar um plano para pôr em segurança, enquanto isso, os milhares de refugiados – não só através da assistência estrutural (medicina, escola, moradia), mas também oferecendo cidadania em larga escala nos nossos países para todas as famílias que pretendem deixar as suas próprias nações.
Com uma atenção particular a todos os jovens que querem vir ao nosso encontro para estudar ou trabalhar. É um pouco aquilo que fizeram os países ocidentais antes da Segunda Guerra Mundial para milhares e milhares de judeus e vítimas de vários títulos do nascente nazismo. Não é muito, mas é um início e também é uma mensagem eficaz de força moral e de solidariedade para se opor às violências do Isis.
A esquerda não pode se calar, repito. Ao contrário, o seu silêncio, os seus medos de cruzar fronteiras, de aceitar o risco de fusão, de ir a confrontos incômodos também é, nas condições dadas, o melhor caminho para declarar a própria dissolução moral.
L'HuffingtonPost.it, 06-04-2015.
*Lucia Annunziata é jornalista, escritora e ex-presidente da rede de comunicação pública italiana Rai. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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