Em Portugal, tal como no Brasil, as histórias são de estarrecer.
Por José Couto Nogueira*
É costume dizer, para o bem e para o mal, que o Brasil herdou muito de Portugal – geralmente para o mal, diga-se. É conhecida aquela anedota em que o almirante português Salvador Correia de Sá e Benevides, ao reconquistar Salvador aos holandeses, em 1625, mandou o corneteiro tocar a saque, conforme o costume da época. Passados três dias, Correia de Sá chamou o corneteiro para que tocasse para parar o saque. Mas o soldado tinha perdido o clarim…
Depois de 1822, a História dos dois países continuou a cruzar-se em certos aspectos, mas muitas vezes descruzou-se, e bastante. Como, por exemplo, quando em Portugal havia uma ditadura (1928-1975) e no Brasil uma democracia (1946-1964) Apesar dos sempre cordiais acordos de solidariedade entre os sucessivos governos dos dois países e dos laços familiares que a imigração sempre criou, a verdade é que o pragmatismo dos interesses nacionais poucas vezes tem colocado os dois países em verdadeira sintonia. Um exemplo espantoso, entre muitos, é a não existência um acordo de extradição para delinquentes. Quando um português comete um crime, não tem mais do que fugir para o Brasil e cair no regaço da família ou dos amigos, para estar a salvo. E vice-versa.
Vem tudo isto – inclusive o episódio apócrifo de Correia de Sá – a propósito de uma lamentável sintonia que neste momento ocorre nos dois lados do Atlântico: a constatação de que a corrupção atingiu níveis insuportáveis. Pois, se no Brasil existe forte probabilidade de um ex-Presidente ser detido por delitos cometidos durante o seu mandato, os portugueses, não querendo ficar atrás nesta maratona da desgraça, já têm preso desde Novembro do ano passado um ex-Primeiro Ministro, exactamente pelas mesmas razões. Por acaso, até são amigos, ao ponto do brasileiro ter ido bastas vezes visitar o português, uma delas, em 2013, para apresentar um livro que o portuga teria escrito sobre… tortura na prisão!
Os brasileiros seguem diariamente uma quase rotina de delações premiadas e correspondentes prisões de altas figuras do Estado e empresários poderosos; pois em Portugal, mesma a delação premiada não existindo juridicamente, os cidadãos também acompanham uma novela permanente de conluios espúrios entre gente com muito dinheiro e gente com muito poder. Odebrecht, o maior construtor da História tupiniquim está preso? Pois Ricardo Espírito Santo, o maior banqueiro tuga de todos os tempos, está em prisão domiciliar com polícia à porta.
Em Portugal, tal como no Brasil, as histórias são de estarrecer –tantas e tão evidentes, que só mesmo o braço armado da Justiça para não conseguir provar de imediato o que entra pelos olhos adentro. (Lembra do dito?; “Para os amigos, tudo; Para os inimigos, o braço da Justiça”…)
Querem um pequeno exemplo? Aqui vai, muito reduzido e simplificado:
José Guilherme, construtor, que ofereceu inexplicavelmente14 milhões de euros ao banqueiro Ricardo Espírito Santo, está a ser investigado porque o banco Montepio Geral lhe emprestou 17 milhões de euros com garantia do Finibanco Angola, maioritariamente detido pelo próprio Montepio. O seu filho possui uma participação indirecta no mesmo Montepio, financiada pelo mesmo Finibanco Angola. Os dois, Guilherme e Ricardo foram investigados por branqueamento de capitais e exportação ilegal de divisas, processo esse que que levantou os primeiros indícios contra o ex-Primeiro Ministro, José Sócrates.
Sócrates, depois de sair do Governo, recebeu um suposto “salário” de Paulo Lalanda e Castro, empresário implicado em três processos: o do falso salário, pago realmente pela construtora Lena, outro relacionado com a compra de vistos de residência por estrangeiros e um terceiro por contratos de prestação se saúde com a Líbia; também está implicado na operação brasileira chamada Máfia dos Vampiros, onde ele e a sua empresa, Octapharma manipularam vendas de hemoderivados ao Ministério da Saúde brasileiro, com um empurrão de Sócrates. Em Portugal, a imprensa descobriu que a maior parte do plasma recolhido através da doação de sangue é deitado fora, para depois ser comprado à Octapharma, num negócio de 70 milhões de euros/ano.
Armando Vara, ex-secretário de Estado e ex-ministro de Sócrates, ex-administrador do banco público CGD e ex-vice-presidente do privado BCP, condenado num processo de tráfico de influências, foi recentemente detido noutro processo, relacionado com o empreendimento turístico Vale do Lobo, cuja compra facilitou enquanto administrador da CGD, com um prejuízo de 360 milhões de euros. Vale do Lobo foi comprado por um consórcio liderado três homens fortes da Escom, uma empresa do Grupo Espírito Santo, envolvida em luvas na compra de submarinos à Alemanha.
Armando Vara, após a sua saída do BCP, foi liderar a empresa Camargo Corrêa em África, entre 2010 e 2014. A construtora brasileira comprou a Cimpor em 2012. Quando era liderada por Dalton Avancini, que foi condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e operação criminosa, na Lava Jato. A lavagem do dinheiro era feita pelo banco Espírito Santo. A Lava Jato envolve Odebrecht, que juntamente com o grupo Lena foi vencedor de um consórcio para construir um trem da alta velocidade que ficou no papel, após gastar milhões em estudos e obras preliminares. A Odebrecht pagou várias viagens internacionais a Lula, inclusive aquela em que veio apresentar o livro de José Sócrates.
Começamos a falar de Portugal e já fomos parar ao Brasil. Irmãos, em tudo.
É costume dizer, para o bem e para o mal, que o Brasil herdou muito de Portugal – geralmente para o mal, diga-se. É conhecida aquela anedota em que o almirante português Salvador Correia de Sá e Benevides, ao reconquistar Salvador aos holandeses, em 1625, mandou o corneteiro tocar a saque, conforme o costume da época. Passados três dias, Correia de Sá chamou o corneteiro para que tocasse para parar o saque. Mas o soldado tinha perdido o clarim…
Depois de 1822, a História dos dois países continuou a cruzar-se em certos aspectos, mas muitas vezes descruzou-se, e bastante. Como, por exemplo, quando em Portugal havia uma ditadura (1928-1975) e no Brasil uma democracia (1946-1964) Apesar dos sempre cordiais acordos de solidariedade entre os sucessivos governos dos dois países e dos laços familiares que a imigração sempre criou, a verdade é que o pragmatismo dos interesses nacionais poucas vezes tem colocado os dois países em verdadeira sintonia. Um exemplo espantoso, entre muitos, é a não existência um acordo de extradição para delinquentes. Quando um português comete um crime, não tem mais do que fugir para o Brasil e cair no regaço da família ou dos amigos, para estar a salvo. E vice-versa.
Vem tudo isto – inclusive o episódio apócrifo de Correia de Sá – a propósito de uma lamentável sintonia que neste momento ocorre nos dois lados do Atlântico: a constatação de que a corrupção atingiu níveis insuportáveis. Pois, se no Brasil existe forte probabilidade de um ex-Presidente ser detido por delitos cometidos durante o seu mandato, os portugueses, não querendo ficar atrás nesta maratona da desgraça, já têm preso desde Novembro do ano passado um ex-Primeiro Ministro, exactamente pelas mesmas razões. Por acaso, até são amigos, ao ponto do brasileiro ter ido bastas vezes visitar o português, uma delas, em 2013, para apresentar um livro que o portuga teria escrito sobre… tortura na prisão!
Os brasileiros seguem diariamente uma quase rotina de delações premiadas e correspondentes prisões de altas figuras do Estado e empresários poderosos; pois em Portugal, mesma a delação premiada não existindo juridicamente, os cidadãos também acompanham uma novela permanente de conluios espúrios entre gente com muito dinheiro e gente com muito poder. Odebrecht, o maior construtor da História tupiniquim está preso? Pois Ricardo Espírito Santo, o maior banqueiro tuga de todos os tempos, está em prisão domiciliar com polícia à porta.
Em Portugal, tal como no Brasil, as histórias são de estarrecer –tantas e tão evidentes, que só mesmo o braço armado da Justiça para não conseguir provar de imediato o que entra pelos olhos adentro. (Lembra do dito?; “Para os amigos, tudo; Para os inimigos, o braço da Justiça”…)
Querem um pequeno exemplo? Aqui vai, muito reduzido e simplificado:
José Guilherme, construtor, que ofereceu inexplicavelmente14 milhões de euros ao banqueiro Ricardo Espírito Santo, está a ser investigado porque o banco Montepio Geral lhe emprestou 17 milhões de euros com garantia do Finibanco Angola, maioritariamente detido pelo próprio Montepio. O seu filho possui uma participação indirecta no mesmo Montepio, financiada pelo mesmo Finibanco Angola. Os dois, Guilherme e Ricardo foram investigados por branqueamento de capitais e exportação ilegal de divisas, processo esse que que levantou os primeiros indícios contra o ex-Primeiro Ministro, José Sócrates.
Sócrates, depois de sair do Governo, recebeu um suposto “salário” de Paulo Lalanda e Castro, empresário implicado em três processos: o do falso salário, pago realmente pela construtora Lena, outro relacionado com a compra de vistos de residência por estrangeiros e um terceiro por contratos de prestação se saúde com a Líbia; também está implicado na operação brasileira chamada Máfia dos Vampiros, onde ele e a sua empresa, Octapharma manipularam vendas de hemoderivados ao Ministério da Saúde brasileiro, com um empurrão de Sócrates. Em Portugal, a imprensa descobriu que a maior parte do plasma recolhido através da doação de sangue é deitado fora, para depois ser comprado à Octapharma, num negócio de 70 milhões de euros/ano.
Armando Vara, ex-secretário de Estado e ex-ministro de Sócrates, ex-administrador do banco público CGD e ex-vice-presidente do privado BCP, condenado num processo de tráfico de influências, foi recentemente detido noutro processo, relacionado com o empreendimento turístico Vale do Lobo, cuja compra facilitou enquanto administrador da CGD, com um prejuízo de 360 milhões de euros. Vale do Lobo foi comprado por um consórcio liderado três homens fortes da Escom, uma empresa do Grupo Espírito Santo, envolvida em luvas na compra de submarinos à Alemanha.
Armando Vara, após a sua saída do BCP, foi liderar a empresa Camargo Corrêa em África, entre 2010 e 2014. A construtora brasileira comprou a Cimpor em 2012. Quando era liderada por Dalton Avancini, que foi condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e operação criminosa, na Lava Jato. A lavagem do dinheiro era feita pelo banco Espírito Santo. A Lava Jato envolve Odebrecht, que juntamente com o grupo Lena foi vencedor de um consórcio para construir um trem da alta velocidade que ficou no papel, após gastar milhões em estudos e obras preliminares. A Odebrecht pagou várias viagens internacionais a Lula, inclusive aquela em que veio apresentar o livro de José Sócrates.
Começamos a falar de Portugal e já fomos parar ao Brasil. Irmãos, em tudo.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.
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