quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O contexto multidimensional da crise hídrica

A gestão eficiente da água em regiões fartas pode significar o desenvolvimento onde há escassez.
Por Adriana Freitas Antunes Camatta*
Hodiernamente, quando se menciona a questão da crise hídrica no Brasil, há de se ter em mente que não se trata de um problema pontual ou isolado. Compreender essa questão implica incorporar suas dimensões multifacetadas, exigindo analisá-la num contexto holístico e inter-relacional.
De um modo geral, a crise hídrica exige a averiguação de suas origens de uma maneira sistêmica. Considerando o contexto social, econômico e ambiental deste século, pode-se perceber claramente que os problemas relativos à água são conseqüências da evolução, tanto dos danos e do desrespeito aos recursos naturais, bem como da ineficiência na articulação e gerenciamento de políticas públicas no âmbito de uma governança ambiental.
É notório que as alterações climáticas possuem influência relevante no ciclo hidrológico, assim como na quantidade e qualidade da água e sua relação direta com a saúde da sociedade. Enchentes de grandes proporções, secas severas, problemas de contaminação já são realidades percebidas para algumas civilizações. Mas não somente essas causas de origem global afetam o ciclo virtuoso da água. Também é possível atribuir à crise hídrica, fatores muito locais como o aumento da urbanização que implica diretamente maior consumo, desperdício e a distribuição desigual dos recursos hídricos.
Registros apontam que nos últimos cinquenta anos, o Brasil foi acometido por intensa migração da zona rural para urbana, numa expansão desordenada que acarretou maior demanda por esse recurso. Somado a tal fator, a falta de consciência da população internalizando a cultura de um uso deliberado da água mais a crescente baixa dos índices pluviométricos, fomentaram um quadro favorável à instalação da crise hídrica no Brasil.
Além disso, apesar do Brasil ser o detentor de 14% de toda água do planeta, possui precária distribuição do volume deste recurso em seu território, encontrando-se abundante em determinadas regiões e escasso em outras. Para se ter uma noção, a maior disponibilidade de água está na região Norte, local com a menor concentração populacional do país. Em contrapartida, a região sudeste concentra menor disponibilidade e intensa demanda nas grandes regiões metropolitanas.
Portanto, não se pode pensar a crise como conseqüência de um fenômeno só. A seca enfrentada pelos estados brasileiros nos últimos tempos foi apenas o estopim de todo um processo de mau gerenciamento da água ao longo dos planos governamentais brasileiros.
Saneamento básico, tratamento de esgotos, investimentos em infraestrutura, combate à erosão e proteção aos mananciais são outros fatores negligenciados pelo poder público, os quais deveriam ser considerados prioridades fundamentais.
A grande oferta de água em certas áreas brasileiras, se bem gerenciadas, podem se tornar um enorme potencial para o desenvolvimento econômico-social das outras regiões, promovendo alternativas de integração dos recursos hídricos numa perspectiva hidrossocial.
Para tanto, é fundamental a adoção da bacia hidrográfica como instrumento de planejamento e administração das políticas públicas envolvendo os recursos hídricos no cenário nacional. Somente sob o enfoque de um novo paradigma de gestão poderão ser traçados os objetivos e as prioridades nos usos múltiplos da água: solo, agricultura, consumo doméstico, industrial e conservação das várias bacias.
Posteriormente, adotando tal postura, realiza-se a análise dessas bacias conjuntamente à interpretação de informações (banco de dados) obtidas pelos setores responsáveis, de forma a detectar possíveis conflitos oriundos dessas relações multilaterais no uso compartilhado da água. Além disso, por meio dos estudos estratégicos desses recursos hídricos, consegue-se traçar cenários sustentáveis com prognósticos reais para o futuro.
Nesse contexto multidimensional, a recuperação de rios, lagos e mananciais deve ser efetivada, principalmente nas regiões que possuem um passivo ambiental significativo, como os grandes centros urbanos.
A ideia de que a água possa ser consumida na quantidade e na forma que se deseja, sem que tal atitude implique custos sociais e econômicos é ilusória. O recurso hídrico não pode ser utilizado sem nenhum controle e para isso necessita-se dos esforços dos governos federal e estadual na empreitada de priorizar e otimizar a gestão dos recursos hídricos.
Adotando-se a descentralização por meio do plano de bacias, abre-se a oportunidade de participação dos cidadãos, usuários, setor público e privado. A educação e a participação conjunta da sociedade concretizam os preceitos constitucionais que garantem que os recursos naturais são bens difusos e de uso comum do povo, impondo-se ao poder público e à coletividade, o dever de defendê-lo em prol das futuras gerações.
Várias alternativas vêm sendo apontadas para o enfrentamento dos problemas hídricos globais e locais: racionamento, sistema de cobrança pelo uso da água, reaproveitamento e armazenamento, redução do desperdício, mudança de hábitos e conscientização, despoluição, investimentos em infraestrutura, dessalinização, transposição de rios, etc.
Todas essas medidas são válidas, mas precisam ser ponderadas e racionalizadas para cada realidade específica. Independentemente de qual delas, isolada ou conjuntamente, será tecnicamente a mais eficiente, ainda assim, todas perpassam pela origem: a educação e conscientização ambiental.
Adriana Freitas Antunes Camatta é mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e professora da Escola Superior Dom Helder Câmara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário