quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Cartuxos, homens que dão sua vida para a comunicação com o céu

Por Frédéric Mounier
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Neste dia 13 de outubro foi celebrada a Memória Litúrgica de todos os Santos e Beatos da Ordem dos Cartuxos, fundada por São Bruno em 15 de Agosto de 1084. Neste contexto, o Prior Geral da Grande Chartreuse, Dom Dysmas de Lassus, deu uma entrevista ao jornal católico francês "La Croix". Através de suas respostas simples e profundas,  Dom Dysmas ajuda a compreender as razões e a natureza de uma opção de vida tão radical, explicando em uma linguagem compreensível a espiritualidade dos Cartuxos.

- Na diversidade de escolha da vida consagrada, como se poderia caracterizar os cartuxos?
"A maneira cartuxa de ser está enraizada no monaquismo dos Padres do Deserto. Nós somos monges, com uma enorme ação ordinária como os beneditinos e cistercienses. A nossa peculiaridade é uma maior ênfase na vida solitária. Não somos, todavia, eremitas, uma vez que a vida comunitária está longe de ser negligenciada".
- A vossa separação do mundo é particularmente radical...
"É verdade, a nossa clausura é rigorosa, não é sempre fácil de aceitar. Nós nunca saímos do deserto, salvo em casos excepcionais, como a morte de nossos pais. Em vez de explicar, eu prefiro fazer referência a Cristo, que se retirou por quarenta dias no deserto para rezar. Quando se fala de deserto, falamos disso. Mas dois dias por ano, recebemos nossas famílias nos albergues".
- Porque que motivo a solidão não é mais sofrimento?
"A insistência sobre a solidão não decepciona, porque não é para nós como uma condição externa e um meio. O objetivo não é a solidão, mas sim o seu oposto, ou seja, a comunhão. Toda a nossa vida é construída sobre a relação. Tudo é pensado para promover o desenvolvimento do relacionamento com Deus, a comunhão de amor com ele. Se viver plenamente a sua vocação, o cartuxo nunca está sozinho. Ele permanece vivo na solidão e também com essa comunhão com Deus, precisa ter algumas habilidades, uma forma de espírito que seja capaz de transportar. E não é para todos. -A austeridade do mosteiro - e isto não é o comer, o levantar-se à noite, ou o frio - mesmo que estes aspectos são reais, mas a verdadeira austeridade é a solidão. Nos primeiros anos, a intimidade com Deus ainda é frágil e o deserto, dentro e fora, às vezes pode ser sentido duramente. Mas tenho ouvido mais frequentemente monges que se queixam de não ter solidão o suficiente do que o contrário".
- No silêncio, como não ser ensurdecido por ficar sozinho?
"No início, eu necessariamente ocupei muito espaço para fazer muito barulho.  Acalmar nossas forças interiores requer tempo. Mas desde o início, podemos já saborear um verdadeiro silêncio e há a presença da pessoa amada. E é isso que vai atrair o verdadeiro silêncio, porque essa comunhão é tão bonita que ofusca o som dos pensamentos.  A domesticação é uma arte, quer se trate de um animal ou de nosso jardim zoológico interior. Não se trata de destruir ou rejeitar, mas de orientar, para corrigir, para ajudar as nossas forças interiores e uni-las na mesma direção".
- Vocês vivem fora do mundo, mas não em fuga. Como?
"Quando havia vigias nos faróis, também eles viviam separados do mundo, e mesmo assim prestavam um serviço àqueles que passaram por ali sem vê-los. Nós fazemos o que os outros deveriam fazer e não fazem: ouvir o seu coração para escutar a voz daquele que lhes deu a vida. Como uma passagem esplêndida de nossos Estatutos: "Separado de todos, a todos estamos unidos porque esse é o nome de tudo aquilo que nós encontramos  na presença do Deus vivo. Nós somos os guardiões de uma estação de transmissão no topo de uma montanha. Aparentemente isolada, todavia, vemos passar milhões de comunicações e pessoas que se conectam entre elas ou com os satélites acima delas. Faltaria alguma coisa sobre a terra se não houvesse homens (todos os contemplativos, não somente nós) que deram suas vidas nesta comunicação com o céu, em nome de toda a humanidade".
- O que vocês percebem do mundo?
"Se você  me permite dar uma resposta maliciosa, eu diria: antes, nós mesmos. Quero dizer que os homens ainda são homens em qualquer parte do mundo onde se encontrem, inclusive dentro da cerca de um mosteiro. Portanto, somos uma amostra perfeitamente normal e absolutamente típicos do mundo, distante das imagens que frequentemente circulam sobre nós. O ser humano, e que é a essência do mundo, e que aqui entre nós é ao 100%.  Em relação à eventos, recebemos o "La Croix" e algumas outras revistas. O Prior transmite aos monges as coisas importantes. Materialmente, existem bastante jornais e as notícias que circulam, os textos do Papa, do nosso Bispo, os boletins diocesanos, etc. Não é necessário ouvir todos os dias para que a conexão seja mantida. O número de notícia é antes bastante limitado, com o objetivo de não sufocar as coisas mais importantes em uma infinidade de coisas secundárias. Nós seguimos muito bem, por exemplo, a situação dos cristãos no Oriente, o Sínodo sobre a família, o Ano da Vida Consagrada e a Misericórdia, e todo o resto da vida da Igreja e do mundo".
- O que você diria a um jovem que tenta buscá-los? Qual é, de seu ponto de vista, o aspecto fundamental?
"Se você tem vontade, venha e veja. A nossa vida não requer qualidades extraordinárias. Há pessoas entre nós que são graduados e outros que não tem sequer um diploma. Há pessoas fortes e frágeis. É portanto equivocado acreditar que a Cartuxa é reservada para indivíduos excepcionais. É verdade, por outro lado, que somente um pequeno número de pessoas é capaz de ter uma vida solitária, porque não vai precisar de qualidades excepcionais, mas de uma qualidade muito específica. Na verdade, somente a experiência pode dizer se você se sente em harmonia com a vida de  uma cela ou não. Se não se tem exigências particulares nem intelectuais nem humanas, não podemos ser que um refúgio das dificuldades do mundo. Muitos percebem muito rapidamente que esta vida não é para eles. Mas para aqueles que receberam a graça, é um dom extraordinário. Ok, há um preço a ser pago. Mas na realidade, não tenho arrependimentos, somos privilegiados".
- Como persistiram na vida consagrada?
"Esta é a parte mais difícil hoje, porque a fidelidade não é mais um valor na cultura atual. Um dia de cada vez, porque recebemos a graça por hoje. A certeza inabalável do amor de Deus, a confiança em nosso Pai Celestial, o pego do coração a Jesus, a doçura discreta do Espírito Santo, a proteção da nossa Mãe Celeste, mas também o conhecimento de si mesmo. Ao mesmo tempo, o apoio de um pai espiritual, a capacidade de ouvir e de se converter, bem consciente da imensidão do dom que foi feito por nós: a filiação divina. E tudo o que nos permite de continuar. O risco maior, depois de um tempo, é que o desejo se enfraquece, e para de crescer. Nos acomodamos. Torna-se um velho rapaz na cela. O amor é uma vida que fala. Como em um casamento, há dias difíceis e há dias maravilhosos. Mas aquele que compreendeu, mesmo que parcialmente, o que significa ser um filho de Deus, não tem medo das dificuldades do caminho".
- Como os cartuxos veem os seus desejos?
"Renunciamos a todos os desejos, menos um, o desejo de Deus. O risco, o que poderia fazer-nos levar ao desastre, seria o de procurar a renúncia do primeiro. Buscar somente destruir os próprios desejos, porque não daria lugar para amar a Deus. O cartuxo que gostaria de se tornar um exemplo de ascetismo iria perder o ponto. Conosco, o impulso é inútil. Estamos como que em uma maratona. Sabemos que devemos gerir os nossos anos de sensibilidade. Na solidão, não podemos fazer um drama por nada. Um adágio clássico entre nós Cartuxos recita: "Os noviços são santos. Os jovens monges não são santos, mas eles não sabem. Monges maduras não são santos e eles sabem disso. Existem monges antigos que são santos, mas não sabem disso".
La Croix – Paris, França, 14-10-2015

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