Numa coisa, muitos concordam: a Europa está necessitada de líderes corajosos.
Por Lev Chaim*
Acordei com o estouro de uma bomba. Sentei-me na cama e respirei fundo. Ao perceber a escuridão e a calma do quarto, tive a certeza: foi um pesadelo. Como já eram sete horas, levantei-me, tomei uma ducha e sai para o primeiro passeio com o meu cão, ‘Pitú’, nos arredores da cidade. Estava um dia escuro, cinza, mas não chovia.
Atravessei a pequena ponte do canal, até o final da rua e subi em direção aos diques, que rodeiam o perímetro urbano da cidade. Ao passar pela última casa da rua, escutei uma voz: “Lev, pode levar também o ‘Snoef’?” (‘oe’ em holandês lê-se ‘u’) – era a avó das meninas daquela casa, que estava naquele dia tomando conta das netas: ‘Snoef’ é o cão labrador da família.
Fiquei feliz em rever aquela senhora. Há algum tempo que não a via. Ela disse que tinha ido de férias com as amigas e acrescentou: “Depois eu lhe conto tudo”. E assim, eu e os meus dois companheiros caninos seguimos a nossa rota diária, que passa por uma alameda de árvores até chegar às ruínas do castelo, ao lado da igreja católica. Ali, o ‘Pitú’ começa a latir para que eu jogue a bolinha para ele buscar.
Nesse interim, passou uma amiga russa com o seu cão. Entre latidos, ela me confessou que tinha medo do que o Putin estava fazendo. Ouvi, sem retrucar nada. “Fascista da pior espécie”, afirmou ela. Ai, veio-me a cabeça a frase do Nobel da Paz de 1986, Elie Wiesel, quando falou do antigo presidente iraniano, Ahmadinejad, após ele ter dito que queria varrer Israel do mapa: “Ele foi longe demais. Mesmo no mal, deve-se levar em conta o grau, a intensidade”.
Ao meu ver, Putin estaria atingindo este limite, após tantos anos no poder e com tantas mentiras contadas ao povo russo. Eu me pergunto: é normal invadir a ilha da Criméia - território ucraniano - e apoiar separatistas da Ucrânia? Não é atoa que os países bálticos estejam temerosos. Ao que tudo indica, ele é megalomaníaco e persegue o sonho de criar a ‘Grande Rússia’, à moda soviética. Antes da minha amiga partir, ela ainda disse: “Na Rússia não temos um presidente, mas um Czar, sem qualquer oposição interna ou externa.”
Após quinze minutos, voltamos pelo mesmo caminho para entregar o ‘Snoef’ e começar o meu dia de trabalho frente ao computador. Nem bem cheguei à casa do labrador e a senhora já veio me convidando para entrar e tomar um café. Não pude recusar. Nem bem sentei-me, ela colocou-me nas mãos uma xícara com café preto, como eu gostava e começou...
“Estive no interior da Turquia, próximo à capital, com um grupo de amigas. E não é que aconteceu aquele atentado contra aquela manifestação pacífica em Ancara, onde morreram mais de cem pessoas! Ficamos todas muito preocupadas. Na Turquia, todos com quem falei não acreditam que aquilo tenha sido obra de terroristas. Eles acham que foi algo do próprio presidente turco, Erdogan, para fechar o cerco contra a oposição e os curdos.”
O passeio, que ia durar meia hora, durou uma hora e quinze minutos. Até parece que a “bomba” do meu pesadelo havia antecipado aquelas conversas todas. Se Erdogan é ou não é culpado, ainda não se sabe, mas ao que tudo indica, ele está mesmo reprimindo a oposição. Com tudo isto, fica um grande problema para a Europa toda. A Turquia, mesmo não democrática, é membro da OTAN e a Europa necessita dos turcos para acabar com a evasão de refugiados sírios, que passam por seu território, rumo ao Continente Europeu.
Para manter os refugiados em seu território, até que a situação Síria se aclare, Erdogan exigiu um substancial apoio financeiro da Europa, o que não foi negado. Mas, além disto, ele exigiu coisas impossíveis, como o fim da necessidade de visto de entrada de cidadãos turcos para a União Europeia e luz verde para bombardear não só os terroristas do Estado Islâmico, mas, também, os rebeldes curdos que, no momento, estão ajudando, em terra, a Aliança Ocidental na luta contra o Estado Islâmico. Para acalmar os turcos, a Europa ‘prometeu reativar’ as negociações para uma possível entrada da Turquia para a União Europeia, coisa muito pouco provável, já que a maioria dos países membros são contra.
Por outro lado, a intervenção militar russa na Síria, pró-Assad, só piorou a situação, que vai se agravar ainda mais caso o Irã envie mesmo tropas para ajudar os russos. A aliança ocidental, liderada pelos Estados Unidos, até o momento, apoia os rebeldes sírios que lutam contra o regime Assad e contra os terroristas do Estado Islâmico.
Sem dúvida, é uma situação delicada e complexa para qualquer estrategista. Numa coisa, muitos concordam: a Europa está necessitada de líderes corajosos, que tomam decisões e não se deixam intimidar por atitudes beligerantes de ditadores antidemocráticos. Até aqui, apenas a Chanceler alemã, Angela Merkel, já se despontou para tal, mas, ao que tudo indica, ainda não convenceu a todos.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para Domtotal.
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