Baseado na peça “A Vênus das Peles”, este é um filme que não nega suas origens teatrais.
Por Alysson Oliveira
“A Pele de Vênus”, novo filme de Roman Polanski, pode não fazer parte daquilo que se convencionou chamar de “Trilogia do Apartamento” do diretor – composto por “Repulsa ao Sexo” (1965), “O Bebê de Rosemary” (1968) e “O Inquilino” (1976) – mas poderia ser incluído no grupo, muito embora não se passe num apartamento, mas num teatro decadente e vazio de Paris.
É nesse cenário de confinamento que se dá o embate entre uma atriz, Vanda (Emmanuelle Seigner), e um dramaturgo que estreia como diretor, Thomas (Mathieu Amalric).
Baseado na peça “A Vênus das Peles”, do norte-americano David Ives – que assina o roteiro em parceria com o cineasta –, este é um filme que não nega suas origens teatrais, pelo contrário, assume-as a seu favor e faz das limitações um elemento de exploração de claustrofobia extrema, na qual os envolvidos deixam as máscaras caírem e se revelam como são.
O filme abre com imagens de um boulevard qualquer em Paris, onde chove torrencialmente, chegando até a fachada de um teatro decadente – tão decadente que falta o “H” em “Théatre”. Tudo isso ao som de uma música que introduz um tom de cinismo – cortesia do compositor Alexandre Desplat. Quase como um fantasma, a câmera entra nesse lugar, onde irá encontrar, próximo ao palco, um homem reclamando ao telefone. Trata-se de Thomas (Mathieu Amalric), dramaturgo de sucesso que está à procura de uma atriz para sua peça, uma adaptação do clássico da literatura erótica, “A Vênus das Peles”, de Leopold von Sacher-Masoch (de cujo nome a palavra “masoquismo” se origina), publicado em 1870.
Quando a câmera se volta para a porta da sala, nos deparamos com Vanda (Emmanuelle Seigner), encharcada, atrasada e sem muita noção do que é a peça, perguntando se é sobre a música da banda Velvet Underground. Não, a peça é sobre o desejo e os jogos de poder que advêm com ele. O filme também é sobre isso – mas não apenas. A princípio, Thomas não permite que ela faça o teste – afinal, já passou do horário e quer ir para casa encontrar sua noiva intelectual.
Talvez pelo fato de Vanda ter o mesmo nome da personagem, ou sua presença exuberante ou o fato de ela nem o deixar falar, Thomas cede. E Polanski começa, então, a cruzar linhas: entre realidade e fantasia, dominação e submissão, homem e mulher, teatro e cinema. Ele usa em seu favor o espaço restrito e o fato de que Vanda e Thomas têm apenas um ao outro naquele momento, compartilhando um desejo de impressionar um ao outro.
Como não há outra pessoa, Thomas assume o papel de Séverin, masoquista que se torna escravo sexual da Vênus Vanda. Conforme o teste avança, percebe-se que a atriz sabe a peça de cor - o ar de abobada do começo poderia ser apenas uma ferramenta de sedução. Na dialética do Senhor e do Escravo, de Hegel, um não existe sem o outro – e é exatamente isso que acontece aqui. Para que o papel de diretor possa existir, é necessária uma atriz. Para que a dominadora possa existir, é necessário o subjugado.
Nessa dança de papéis, Polanski desvenda as limitações de uma política de gênero. O diretor, aliás, ganhou o César, o mais importante prêmio do cinema francês, por esse trabalho.
O teatro não é um cenário acidental aqui. Nele as pessoas interpretam papéis, usam máscaras. E “A Pele de Vênus” parece apontar exatamente para isso: é preciso esconder a essência para se encaixar nos papéis definidos dos gêneros masculino e feminino. A política de gêneros precisa de representação. Vanda e Thomas entram e saem de personagens – alguns deles impostos pela construção social – o que os aproxima e repele simultaneamente. E os medos do personagem masculino, com o tempo, se transformam naqueles de homens infantilizados diante de grandes mulheres.
Amalric, estranhamente, lembra o jovem Polanski – aquele do tempo que feriu o nariz de Jack Nicholson em “Chinatown” -, enquanto Emmanuele, que é mulher do diretor há 25 anos, finalmente tem um papel à altura de seu talento. Vanda é bela, assustadora, e, não demora muito, tem um chicote na mão, e faz de Séverin/Thomas gato-e-sapato - que, ainda assim, espera por sua “senhora para curar o seu coração (...) e beijar suas botas de couro brilhante”, como cantaria Lou Reed.
Clique aqui, assista ao trailer e saiba onde o filme está em cartaz na Agenda Cultural!
“A Pele de Vênus”, novo filme de Roman Polanski, pode não fazer parte daquilo que se convencionou chamar de “Trilogia do Apartamento” do diretor – composto por “Repulsa ao Sexo” (1965), “O Bebê de Rosemary” (1968) e “O Inquilino” (1976) – mas poderia ser incluído no grupo, muito embora não se passe num apartamento, mas num teatro decadente e vazio de Paris.
É nesse cenário de confinamento que se dá o embate entre uma atriz, Vanda (Emmanuelle Seigner), e um dramaturgo que estreia como diretor, Thomas (Mathieu Amalric).
Baseado na peça “A Vênus das Peles”, do norte-americano David Ives – que assina o roteiro em parceria com o cineasta –, este é um filme que não nega suas origens teatrais, pelo contrário, assume-as a seu favor e faz das limitações um elemento de exploração de claustrofobia extrema, na qual os envolvidos deixam as máscaras caírem e se revelam como são.
O filme abre com imagens de um boulevard qualquer em Paris, onde chove torrencialmente, chegando até a fachada de um teatro decadente – tão decadente que falta o “H” em “Théatre”. Tudo isso ao som de uma música que introduz um tom de cinismo – cortesia do compositor Alexandre Desplat. Quase como um fantasma, a câmera entra nesse lugar, onde irá encontrar, próximo ao palco, um homem reclamando ao telefone. Trata-se de Thomas (Mathieu Amalric), dramaturgo de sucesso que está à procura de uma atriz para sua peça, uma adaptação do clássico da literatura erótica, “A Vênus das Peles”, de Leopold von Sacher-Masoch (de cujo nome a palavra “masoquismo” se origina), publicado em 1870.
Quando a câmera se volta para a porta da sala, nos deparamos com Vanda (Emmanuelle Seigner), encharcada, atrasada e sem muita noção do que é a peça, perguntando se é sobre a música da banda Velvet Underground. Não, a peça é sobre o desejo e os jogos de poder que advêm com ele. O filme também é sobre isso – mas não apenas. A princípio, Thomas não permite que ela faça o teste – afinal, já passou do horário e quer ir para casa encontrar sua noiva intelectual.
Talvez pelo fato de Vanda ter o mesmo nome da personagem, ou sua presença exuberante ou o fato de ela nem o deixar falar, Thomas cede. E Polanski começa, então, a cruzar linhas: entre realidade e fantasia, dominação e submissão, homem e mulher, teatro e cinema. Ele usa em seu favor o espaço restrito e o fato de que Vanda e Thomas têm apenas um ao outro naquele momento, compartilhando um desejo de impressionar um ao outro.
Como não há outra pessoa, Thomas assume o papel de Séverin, masoquista que se torna escravo sexual da Vênus Vanda. Conforme o teste avança, percebe-se que a atriz sabe a peça de cor - o ar de abobada do começo poderia ser apenas uma ferramenta de sedução. Na dialética do Senhor e do Escravo, de Hegel, um não existe sem o outro – e é exatamente isso que acontece aqui. Para que o papel de diretor possa existir, é necessária uma atriz. Para que a dominadora possa existir, é necessário o subjugado.
Nessa dança de papéis, Polanski desvenda as limitações de uma política de gênero. O diretor, aliás, ganhou o César, o mais importante prêmio do cinema francês, por esse trabalho.
O teatro não é um cenário acidental aqui. Nele as pessoas interpretam papéis, usam máscaras. E “A Pele de Vênus” parece apontar exatamente para isso: é preciso esconder a essência para se encaixar nos papéis definidos dos gêneros masculino e feminino. A política de gêneros precisa de representação. Vanda e Thomas entram e saem de personagens – alguns deles impostos pela construção social – o que os aproxima e repele simultaneamente. E os medos do personagem masculino, com o tempo, se transformam naqueles de homens infantilizados diante de grandes mulheres.
Amalric, estranhamente, lembra o jovem Polanski – aquele do tempo que feriu o nariz de Jack Nicholson em “Chinatown” -, enquanto Emmanuele, que é mulher do diretor há 25 anos, finalmente tem um papel à altura de seu talento. Vanda é bela, assustadora, e, não demora muito, tem um chicote na mão, e faz de Séverin/Thomas gato-e-sapato - que, ainda assim, espera por sua “senhora para curar o seu coração (...) e beijar suas botas de couro brilhante”, como cantaria Lou Reed.
Clique aqui, assista ao trailer e saiba onde o filme está em cartaz na Agenda Cultural!
Reuters
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