quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Réquiem

Para outros, contudo, é um dia de reabrir feridas, renovar dores já abrandadas.
Por Evaldo D´Assumpção*

Dia 2 de novembro comemora-se o Dia de Finados. Para alguns, um dia como outro qualquer, para outros uma data especial para se ir ao cemitério visitar o túmulo de pessoas queridas, que já partiram desta vida. Levam-se flores, aproveita-se para fazer uma revisão da sepultura, limpar os negros granitos empoeirados, recuperar adornos corroídos pelo tempo.Para outros, contudo, é um dia de reabrir feridas, renovar dores já abrandadas pelos meses e anos decorridos desde aquele dia infausto e tão sofrido.
Quem sabe melhor será se procurarmos escutar o que os nossos queridos que se encantaram – nas palavras de Guimarães Rosa – nos falariam, se isso lhes fosse possível:
Se sentirem saudades minhas,
Não me procurem no tempo que passou.
Nele, vocês só encontrarão as lembranças de um tempo que vivi, e vivi bem!
Tive tristezas, é verdade, mas também tive muitas alegrias!
Tive algumas derrotas, porém muito mais foram minhas vitórias!
Tive algumas perdas, porém numerosas foram as minhas conquistas!
Fui amado e muito amei, por isso fui feliz.
Não importa o tempo que vivi, importa sim a qualidade da vida que tive.
Por tudo isso, afirmo: valeu a pena ter vivido. Como valeu!
Tampouco me procurem no futuro.
Nele somente encontrarão sonhos e quimeras,
Pois não voltarei jamais à realidade fugaz em que estive,
E na qual vocês ainda se encontram.
O que eu tinha de viver vivi, e o fiz plenamente.
Por que então devo retornar?
Por que abandonar o que experiencio agora, se aqui só existe a felicidade?
Para que voltar ao tempo, se onde estou ele já não existe,
E dele não tenho a menor necessidade?
Hoje estou no Eterno Presente,
Vivendo a plenitude da verdadeira vida!
Estou nos braços do Criador, do Pai que nunca descuida de suas criaturas.
E por isso mesmo, sei que vocês também estarão um dia, todos aqui.
E quando isto acontecer, também descobrirão que aqui não existem tristezas,
Nem dores, nem mágoas ou rancores, ressentimentos ou temores.
Descobrirão não haver dúvidas, somente certezas,
Envoltas pelo amor misericordioso que não conhece a finitude.
Agora vivo em paz, para todo o sempre feliz,
Por saber que estou onde todos nós nos encontraremos,
Num tempo imprevisível para vocês, mas agora, para mim, totalmente inexistente.
Por isso mesmo, por estar em Deus, fora do tempo e do espaço,
Estarei agora e sempre no coração de cada um de vocês
Que nesta vida tanto me amaram!
Que suas lágrimas que porventura rolarem,
Sejam sim de saudade, mas de uma saudade gostosa,
Que vive na certeza do eterno reencontro, na glória de Deus!
                  
E escutando-os, ainda que seja somente com os ouvidos da alma e do coração, com certeza encontraremos e experienciaremos, ainda que por algum tempo, a paz que eles agora gozam definitivamente, vivenciando a experiência inefável que todos ansiamos, consciente ou inconscientemente. Ânsia esta quase sempre bloqueada pelo fascínio da tecnologia, pelo desejo do poder e da fortuna, tão ilusórios e fugazes, contudo tão poderosos no domínio da nossa vontade.
Dia de Finados deve ser um dia de reflexão e de meditação, para alcançarmos a compreensão exata de nossa finitude, e da nossa real grandeza no muito além da materialidade
*Evaldo D'Assumpção é médico e escritor.

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