Protocolo Comunitário do Bailique, no Amapá, chama atenção em evento na COP 21
Para quem está, de certa forma legitimamente, cético com relação à eficácia para o dia a dia dos debates que estão sendo realizados em Paris, na Conferência do Clima (COP 21), a notícia pode ser boa. Ontem, durante pouco mais de uma hora, num evento paralelo que aconteceu no Parque das Exposições, em Le Bourget, foi o momento de se falar diretamente sobre comunidades pobres, vulneráveis e povos indígenas. Organizado pelo IIED (International Institute for Environment and Development), o encontro possibilitou troca de experiências sobre práticas relevantes que podem ajudar a desenvolver as pessoas do pé da pirâmide que, no fim das contas, são e serão sempre as mais suscetíveis às mudanças do clima.
E na mesa dos palestrantes, além de um peruano, um chinês, um representante do IIED, estava Carlos Potiara Castro, da Universidade de Brasília, que fez uma apresentação sobre o Protocolo Comunitário do Bailique (leia aqui) , que está sendo produzido pelo Grupo de Trabalho Amazônico no Arquipélago do Bailique, no estado do Amapá. É bom lembrar que o Protocolo é uma ferramenta exigida no Tratado Internacional de Nagoya, assinado em 2010, que regula o acesso a recursos genéticos e à repartição dos benefícios por produtos a partir desses bens. O Brasil não ratificou o Tratado, mas nesse arquipélago distante, qualquer um de seus onze mil moradores sabe dizer o que significa e os benefícios que o Protocolo Comunitário trouxe para suas vidas.
O contato com Carlos Potiara foi difícil por conta dos compromissos que ele tinha na capital francesa, mas numa rápida troca de emails ele me contou que a apresentação foi muito bem recebida pelos que assistiram ao evento:
“Entendo que a apresentação do Protocolo do Bailique foi a mais significativa no evento, no final muitos vieram falar comigo, perguntar detalhes. Outra que foi muito bem foi a professora Yiching Song, que falou sobre a crise provocada pela perda das sementes crioulas e a segurança alimentar na China”, disse Potiara.
Lá do Bailique, Rubens Gomes, o presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede que alicerça junto aos moradores a produção do Protocolo Comunitário, trocou emails comigo, também rapidamente -- porque lá a questão é a falta de energia frequente, o que deixa as ilhas sem contato nenhum com o continente. Rubens, é claro, está exultante com o fato de o Protocolo Comunitário ter chamado a atenção na COP. E me contou alguns dos bons resultados que tem conseguido no segundo ano do Protocolo, voltado para o desenvolvimento local:
“Conseguimos parcerias com algumas novas empresas e com a academia. Assim, viabilizamos o Centro Vocacional Tecnológico (CVT) Agrobiodiversidade do Bailique, que vai ofertar dois cursos técnicos de 1 ano e meio para 40 alunos por turma ( serão duas turmas) sendo um em Alimentos e o outro em Farmácia ( processamento de óleos e manteigas dos produtos da sociobiodiversidade e produção de fitoterápicos). Além disso, teremos mais 300 vagas para cursos de boas práticas para produtores. É o que eu chamo de oportunidades que são verdadeiras "janelas do tempo", porque vão trazer essas comunidades para o século XXI, aproximando-as da ciência, biotecnologia e inovações, deixando de ser meras vendedoras de matéria prima, passando para produtos acabados e com alto valor agregado. A sugestão é que venham a produzir super alimentos liofilizados para a merenda escolar, auxiliando no reforço nutricional das crianças ”, disse Rubens Gomes.
Talvez seja a esse tipo de iniciativa que a ativista ambiental tenha se referido quando, em palestra no People’s Climate Summit (Cúpula Popular do Clima, em tradução literal) discursou para ONGs. Segundo ela (leia aqui, em inglês) mesmo que se firme um acordo em Paris este será inadequado e insuficiente. Klein exortou a comunidade internacional a dar um “salto à frente” para abraçar políticas que abordem, simultaneamente, “as alterações climáticas, a desigualdade econômica e os direitos humanos, entre outras questões prementes”.
“O acordo não vai permitir limitar o aumento da temperatura global ao nível considerado seguro pelos cientistas internacionais, como também não será juridicamente vinculante, ou seja, seu descumprimento não trará penalidades para os países. Enquanto o sistema econômico contemporâneo se baseia em extrações intensas de recursos naturais, em queima de combustíveis fósseis e em abusos trabalhistas, a economia do futuro terá que ser baseada em cuidados, não só com o outros, como com o meio ambiente”, observou ela, que recentemente escreveu “This Changes Everything” (Isso Muda Tudo”, em tradução literal).
A intenção de Klein e de outros ativistas é continuar pressionando por ações climáticas mais fortes, sugerindo que os governos implementem políticas que promovam uma economia justa e sustentável. Não só uma “economia verde”. Para isso, estão organizando uma grande marcha que deverá acontecer no dia 12, domingo, em Paris, caso o governo federal permita.
Seguindo uma linha semelhante, por um lado cética com relação aos resultados da COP, por outro incentivando maior participação da sociedade civil nas decisões, a diretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Iara Pietricovsky, que também está em Paris acompanhando a Conferência, escreveu um artigo (leia aqui) , onde lembra que o mundo está bem longe de uma consciência planetária de auto-preservação ou de compromisso com a natureza e com a qualidade de vida.
“Chegamos lá? Teremos um bom acordo? Não. Os interesses do capital continuam falando mais alto. Em nome das soberanias nacionais, ações mais radicais de redução de emissões e de respeito às diferenciações históricas, e responsabilidades diferenciadas entre os países, estão fazendo todo o acordo ficar mais difícil. O que temos até agora é um acordo fraco, onde uma parte poderá ter força vinculante, mas a parte mais significativa dos meios de implementação, no que se refere ao financiamento e às propostas nacionais para redução de emissões, parece que continuarão voluntárias. A postergação dessas decisões poderá nos levar ao arriscado ponto de não retorno citado pelo presidente do Painel Intergovernamental de Especialistas em Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) o sul coreano Hoesung Lee”, escreve Pietricovsky.
Enquanto as privações por que passam os povos vulneráveis e algumas soluções estavam sendo expostas num dos eventos da mega cimeira, lá fora indígenas do Ártico faziam manifestação denunciando que o mecanismo de compensação de carbono (REDD) é uma falsa solução para a mudança climática.
“A pior escravidão é aquela que finge que você é livre. É isso que significa a participação no mercado de carbono chamado REDD”, disse Nnimmo Bassey, ativista africano que ganhou o Right Livelihood Awards de 2010.
A falta de uma política voltada exclusivamente para essa parcela da população que precisa de soluções mais efetivas para suas questões também foi o mote de uma declaração de Tom Goldtooth, diretor executivo da Indigenous Environment Network.
Como eu disse no início deste texto, mesmo o mais cético dos leitores não há de conseguir negar o papel da COP 21, ao menos como uma boa vitrine para as questões sociais e ambientais que afetam, sobretudo, os povos que estão fora do sistema econômico. São pessoas e causas que com certeza estariam até aqui restritas apenas aos mais próximos mas que, nesse mega encontro em Paris, têm como ser ouvidos pelo resto do mundo.
Legenda da foto: Uma das ilhas no Arquipélago do Bailique
Crédito da foto: Amelia Gonzalez
Nenhum comentário:
Postar um comentário