domingo, 31 de janeiro de 2016

Desafio: ampliar agricultura de baixo carbono

Setor é também bem posicionado para ajudar na redução das emissões de gases do efeito estufa.
Ao final da 21ª Conferência do Clima (COP-21) em Paris, no último dia 12 de dezembro, ficou mais evidente para a comunidade internacional o papel que a agropecuária e as florestas desempenham no combate às mudanças climáticas. Na avaliação de representantes do setor, com as responsabilidades de cada país definidas pelo novo acordo mundial do clima, o desafio para a agropecuária agora será ampliar cada vez mais os investimentos em uma agricultura de baixa emissão carbono.
“Em comparação às conferências do clima anteriores, se discutiu muito mais o quanto a produção agrícola está ligada diretamente às mudanças climáticas. Vimos a presença de ambientalistas e governos, mas também a participação de empresas nesse tema. É uma mensagem forte deixada pela COP-21”, comentou Maurício Voivodic, secretário executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Um ponto fundamental para a agropecuária na COP-21 foi o reconhecimento de que, apesar de contribuir com as mudanças climáticas, esse é também um setor bem posicionado para ajudar na redução das emissões de gases do efeito estufa. Segundo Voivodic, essa realização foi mais acentuada este ano, com os compromissos pelo desmatamento zero e recuperação de áreas degradadas. “Entendemos que a agropecuária faz parte do problema, mas está claro que é também parte da solução”.
O Acordo de Paris, aprovado ao final da conferência, determina que os 195 países signatários tomem medidas para conter o aumento da temperatura média do planeta neste século bem abaixo dos 2 graus Celsius, com relação aos níveis pré-Revolução Industrial. O Brasil se comprometeu em reduzir suas emissões totais de gases do efeito estufa em 37% até 2025, chegando à redução de 43% até 2030. No setor agropecuário, as metas brasileiras incluem a restauração de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e o incremento de cinco milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) até 2030.
Para Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Amazônia (Ipam), a COP-21 trouxe avanços, especialmente no sentido de garantir destaque, no Acordo de Paris, para florestas e agricultura. “O Artigo 2 do Acordo de Paris deixa claro a necessidade de se buscar caminhos para lidar com as mudanças do clima de maneira a não ameaçar a produção de alimentos. A meu ver, é uma referência clara à necessidade de uma agricultura mais sustentável e de baixa emissão de gases de efeito estufa. Algo que o ABC [Plano de Agricultura de Baixo Carbono] já vem incentivando”
Outro destaque do Acordo de Paris, dessa vez para o manejo florestal, está no Artigo 5 do Acordo, que “dá ênfase a conservação, recuperação e manejo de florestas como ações importantes de enfrentamento do problema climático global”, completou Moutinho.

Plano ABC na COP-21
Nas discussões paralelas às negociações oficiais da COP-21, a agricultura de baixo carbono foi tema central da mesa redonda ‘Diálogos do Brasil – Agricultura de baixa emissão de carbono: resultados e desafios’, que reuniu governos e sociedade civil e apresentou o Plano ABC para a comunidade internacional. Segundo Maurício Voivodic, do Imaflora, o fim da conferência deixou a impressão de que o ABC pode se potencializar muito nos próximos anos. “O ABC foi recebido como uma política robusta. Comparado a outros países, do ponto de vista governamental, o Brasil está muito a frente por já ter uma política pública específica para o setor. Porém, é uma política que possui muitos desafios na sua implementação. A baixa execução do plano nos últimos cinco anos ficou evidente no evento”, afirmou.
O Plano ABC tornou-se uma fonte de “inspiração e esperança” para a comunidade internacional, observou Paulo Moutinho, do Ipam. “Sabemos das dificuldades do Plano em ganhar uma escala ainda maior do que aquela já alcançada, mas como mecanismo de inspiração para boas práticas, particularmente num mundo em aquecimento, certamente o Plano atraiu a atenção de muitos durante a COP-21”.
Voivodic lembra que quando ocorrer a primeira revisão das metas brasileiras (INDC), em 2018, o Brasil “terá que mostrar serviço” e ter ampliado a adoção da agricultura de baixo carbono será uma necessidade. Entretanto, no contexto atual de crise política e econômica, talvez essas mudanças demorem a acontecer, ressaltou.
De acordo com o coordenador da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), do Ministério de Agricultura, Elvison Nunes Ramos, os resultados dos debates da COP-21 ainda serão internalizados pelo governo. A partir daí, o Plano ABC poderá entrar na roda de negociações da política brasileira para o pós-2020, quando termina o prazo oficial de execução do Plano.

Repensar a política agrícola
Segundo a Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas, estima-se que o setor agropecuário possa reduzir 23% das emissões nacionais previstas para 2030, tendo um papel relevante no cumprimento da INDC brasileira. O primeiro passo para a ampliação de um agronegócio sustentável é repensar a toda a política agrícola do país à luz da agricultura de baixo carbono, principalmente o financiamento rural, defendeu o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Junqueira, que faz parte da Coalizão. “É preciso que haja consciência de que existem altos custos para a implantação das práticas de baixo carbono. Por essa razão, é necessária maior percepção por parte de toda a sociedade de que estamos diante de uma oportunidade sem precedentes”.
Na visão de Junqueira, a meta definida pelo governo brasileiro esteve alinhada ao potencial que o país tem para o desenvolvimento de um agronegócio sustentável. Mas para que o Brasil tenha reais condições de ampliar esse desenvolvimento, será fundamental o reconhecimento do comércio internacional para a produção sustentável, posição defendida pela Sociedade Rural em Paris. “O investimento na agricultura de baixo carbono no Brasil não será factível se o resto do mundo não estiver alinhado ao desenvolvimento agrícola sustentável”.
Como explica o presidente da SRB, a valorização do agronegócio sustentável em escala internacional fará com que um produto de origem sustentável possa representar competividade de mercado em qualquer país agrícola, o que trará oportunidades de abertura de novos mercados e, consequentemente, mais investimentos para o país.
“Os fóruns de negociações internacionais de comércio precisam criar critérios claros e passíveis de comparação entre países para permitir que produtos cultivados com práticas sustentáveis tenham prioridade em relação às demais formas de produção. Aos poucos, o consumidor também vai absorver a percepção de que produtos sustentáveis são importantes e necessários”, completou.
Observatório ABC, 13-01-2016.

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