Uma coisa é ideologia. Outra coisa é roubo, prática repugnante, condenada desde a idade da pedra.
Por Fernando Fabbrini*
Claro: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Não confundamos alhos com bugalhos. São palavras sábias do dicionário popular, dignas de reflexão profunda. E perfeitamente aplicáveis ao atual cenário brasileiro. Exemplo didático: um político ladrão, corrupto e safado na Suécia é uma coisa. Já um canalha-safado-sem-vergonha atuando em território nacional, é outra. Muito diferente.
Digo isso porque sempre que leio notícias da roubalheira faço uma rápida pausa e relativizo o episódio. Viajemos à Dinamarca. Ou à Noruega. Ou a qualquer país rico, onde todas as crianças são saudáveis, vacinadas, bem alimentadas, bem vestidas e frequentam boas escolas. Um dia, um parlamentar qualquer do tal país, movido por instintos inconfessáveis, mete a mão na grana do estado e abre um rombo na verba pública. Qual seria o tamanho real deste dano? Muito pequeno, já que em países decentes o dinheiro arrecadado do cidadão via impostos retorna sem desvios, garantindo a qualidade de vida desse mesmo cidadão. A estrutura justa e honesta já está consolidada, absorvida pela nação, devidamente apoiada em fundamentos sólidos. O dinheiro do povo é, assim, relativamente protegido, à prova de ataques criminosos.
Nos países orientais – como Japão e Coreia do Sul – vez ou outra também rola uma safadeza oficial, beneficiando autoridades ou executivos. O dano também é pequeno, já que são países ricos, sem maiores carências. O corrupto, pego com a boca na botija, sobe ao palanque, chora e confessa o malfeito, curvando-se diante da plateia. Alguns, fiéis ao código do Bushido – a honra dos samurais – até põem fim à própria vida, numa atitude extrema.
Aí, voltamos ao nosso país. De cara, assusta-nos os volumes roubados pelos políticos e seus asseclas. Fiz uma rápida pesquisa na internet e confirmei que a mala preta brasileira é infinitamente maior que as demais que circulam por aí. Somos campeões imbatíveis no quesito “falcatrua”, considerando-se o número de dígitos das somas surrupiadas. O tamanho da ladroeira associado ao cenário nacional miserável torna tudo muito mais grave. O dinheiro sujo que compra o carro importado do parlamentar é exatamente aquele que vai faltar para o ônibus escolar caindo aos pedaços e deixando a meninada sem aula. O dinheiro sujo que compra o luxo, o supérfluo, as brincadeiras dos egos inflados dos políticos é exatamente o que falta para o essencial, o mínimo de uma vida digna de gente humilde. Por isso é que acho mais grave, muito mais grave.
Li certa vez que juízes norte americanos costumam aumentar a pena de determinados crimes quando o autor é pessoa conhecida – um artista, uma celebridade, uma figura pública, um líder carismático. Baseiam-se num critério sensato: o réu deve ter seu castigo ampliado porque, na condição de privilegiado pela vida, deveria dar bons exemplos – e não o oposto. O mau exemplo dele poderia influenciar os mais jovens. Portanto, se o famoso cometeu o crime, deve ser punido com mais rigor – só por isso.
Daí, continuo a filosofar: e se tal critério fosse usado também aqui? Qual a pena para um político que ilude seus eleitores – sobretudo os mais humildes – com promessas de vida melhor, justiça social, fim das maracutaias, etc? E que depois passa a chefiar uma quadrilha criminosa que se apossa de tudo ao seu redor, desfrutando da posição de líder que lhe foi dada pelo voto? E quebra empresas, desfalca o patrimônio da nação, enchendo as burras com milhões, presentes e agrados dos demais beneficiados da pirataria? E que ao final acha que somos trouxas de acreditar em tanta besteira?
Uma coisa é ideologia, cada um tem a sua. Outra coisa é roubo, prática repugnante, condenada desde a idade da pedra. Não se rouba tanto assim. Não se afronta a verdade neste nível. E não sei qual das duas é a pior das coisas.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.
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