segunda-feira, 21 de março de 2016

Vivendo com a culpa de ter criado um monstro

Susan Klebold, mãe do autor da matança de Columbine, conta como suporta o remorso.
Por Miguel Ángel Bargueño*
O pior que pode acontecer a um pai e uma mãe é perder um filho. Susan Klebold passou por isso: seu caçula, Dylan, morreu com 18 anos recém-completos. Com uma particularidade: ele mesmo se matou, minutos após tirar a vida de outras 13 pessoas. Em 20 de abril de 1999, Dylan Klebold e seu amigo Eric Harris atiraram contra seus colegas do Colégio Columbine, no Colorado (EUA), matando 12 estudantes e um professor. Muitos outros ficaram feridos. As imagens da matança – a mais terrível cometida até então em uma escola nos Estados Unidos – deram a volta ao mundo; o filho mais novo de Susan Klebold foi um dos assassinos do tristemente famoso “massacre de Columbine”.
Agora, 17 anos depois, Susan Klebold publica um livro chamado A mother’s reckoning: Living in the aftermath of tragedy (Balanço de uma mãe: vivendo as sequelas de uma tragédia), no qual responde às perguntas que pelo menos uma vez passaram pela cabeça de todos os pais e mães que conhecem os fatos. Como se vive com esse acontecimento marcado na memória; com a culpa por um crime que não cometeu; com a repulsa dos outros por seu parentesco com um criminoso? E, talvez ainda mais cruel: como não percebeu antes do que seu filho era capaz de fazer, do ódio que fermentava em seu interior? Até que ponto é possível sentir-se responsável, ao viver por 18 anos com um potencial assassino em série? Não corrói o pensamento de que, de alguma forma, ela como mãe poderia ter evitado?
Mães (comuns) de filhos assassinos
A ideia que está por trás da história da senhora Klebold é que seu drama poderia ter acontecido com qualquer um. Era uma mãe normal: não um desses pais e mães disfuncionais que vivem em um trailer em um bairro periférico. Educados e de classe média, ela e seu marido, Tom Klebold, eram pacifistas: contrários ao uso de armas por particulares. Tinham convicções religiosas – luteranos praticantes – e o trabalho de Susan era conceder bolsas de informática a descapacitados (seu marido, de quem se divorciou em 2014, é geofísico). Colocaram o nome de Dylan em seu filho caçula em homenagem ao poeta Dylan Thomas. O mais velho se chama Byron.
Em seu livro, cujos direitos autorais serão doados integralmente a organizações dedicadas ao cuidado de doenças mentais, Susan começa mostrando sua dor: “Daria minha vida para consertar o que aconteceu nesse dia. De fato, a daria sem pensar em troca de qualquer outra das vidas perdidas”, escreve. E na sequência começa a descrever sua família. “Tom e eu éramos pais carinhosos, atentos e comprometidos, e Dylan era um garoto entusiasmado e afetuoso”. E acrescenta: “O dia-a-dia de nossas vidas antes de Columbine talvez seja o mais difícil de entender de minha história. Para mim, é também o mais importante”.
Ela enfatizou a noção de que um criminoso adolescente pode surgir até mesmo nas melhores famílias pouco depois nas poucas entrevistas que concedeu. “Uma das coisas aterrorizantes sobre essa realidade é que as pessoas que têm parentes que fazem coisas como essa são como nós”, declarou a senhora Klebold ao The Guardian. “Conheci várias mães de assassinos em série, e elas são tão doces e agradáveis como quaisquer outras. Ninguém seria capaz de dizer, se nos vissem juntas em um aposento, o que temos em comum”.
Conhecemos (de verdade) nossos filhos?
Mães amorosas que, entretanto, não perceberam que tinham um monstro em casa. E Dylan dava mostras. De garoto tranquilo e feliz, o menino se transformou em um problemático adolescente. Em seu terceiro ano de colégio, ele e seu amigo Eric foram detidos por roubar materiais eletrônicos com uma caminhonete. Pouco depois, Dylan foi multado e suspenso temporariamente por riscar a porta de um armário do vestiário. Nem mesmo quando pediu aos seus pais uma escopeta de Natal – um ano antes do crime – ela ligou os pontos. “Surpresa, perguntei a ele porque a queria, e me disse que pensava que ir de vez em quando a um campo de tiro poderia ser divertido”, diz no livro. “Dylan sabia que sou inimiga acérrima das armas, de modo que a proposta me deixou estupefata (...) E como jamais teria permitido uma arma sob nosso teto, seu pedido não me despertou nenhum alarme”. Como sua mãe se negou a comprar a escopeta, ele por sua conta e escondido amealhou, com seu amigo, um arsenal.
Após a matança apareceram vídeos nos quais Dylan e Eric, nas vésperas de seu mortífero ataque, exibiam seu arsenal e se gabavam dele. Alguns foram filmados no porão da casa de Dylan, o que fez com que os jornais os chamassem de The Basement Tapes (as fitas do porão), como as gravações de outro Dylan, o músico Bob. “Não tínhamos a menor ideia de que esses vídeos existiam”, escreve Susan. “Meu coração quase se partiu quando vi Dylan e escutei sua voz: se parecia e soava da mesma forma como me lembrava dele, o garoto de quem tanto sentia falta (...) [Mas] nunca havia visto essa expressão zombeteira de superioridade em seu rosto. Fiquei boquiaberta com a linguagem que usavam: abominável, cheia de ódio, racista, com palavras depreciativas que nunca havia escutado em minha casa”.
As fitas do porão causaram ainda mais impacto nessa mãe do que o atentado cometido por seu filho. Ela explicou ao The Guardian: “Penso que Dylan foi vítima de alguma espécie de disfunção de seu cérebro. O Dylan que conheci e criei era uma pessoa amável, atenciosa, por isso me é tão difícil de entender. Peço desculpas se ofendo alguém, mas não odeio meu filho, nem o julgo, porque é meu filho e, além disso, o que quer que o tenha feito matar os outros, também o matou”.
Essa ignorância na qual vivia foi o que transformou Susan Klebold no alvo do ódio de vítimas sobreviventes, parentes e certa parte da opinião pública. Para muitos ela é culpada de omissão. Reação que ela entende. “Nunca deixei de pensar em como me sentiria se estivesse do outro lado e um de seus filhos tivesse atirado no meu”, admitiu à rede ABC News. “Estou completamente certa de que me sentiria exatamente como eles”.
Dylan vai para escola determinado a matar. Veja o vídeo:
*Miguel Ángel Bargueño escreve para o El País.

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