sexta-feira, 22 de abril de 2016

Entrevista: a importância do respeito aos indígenas


Entrevista com Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira* – Coordenação do Conselho Indigenista Missionário - Regional Leste.
A luta dos indígenas é um processo contínuo e a resistência não foi e não será em vão.
A luta dos indígenas é um processo contínuo e a resistência não foi e não será em vão.
O trabalho pastoral junto aos povos indígenas é muito importante, na luta pelo resgate de direitos, de justiça e de dignidade, tão ignorados pelo poder do capital, sobretudo. Qual tem sido o papel do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), nessa perspectiva?
O Cimi surge em 1972, em plena ditadura militar, em que existia a supressão dos direitos individuais e coletivos dos Brasileiros. Os Povos Indígenas, além da supressão dos direitos, eram considerados incapazes e tutelados pelo Estado, que definia o seu destino e futuro. Havia a clara intenção da assimilação à comunhão nacional e o seu desaparecimento em benefício do progresso. De 1972 a 2016 os povos indígenas no Brasil aumentaram o seu contingente populacional, conquistaram direitos e cidadania e não são mais tutelados, se tornaram uma realidade no país, enfrentando novos desafios. O Cimi esteve totalmente envolvido nesse processo de desafios e conquistas reconhecido pelas próprias comunidades indígenas. Para tanto, o Cimi se constituiu numa Pastoral Indigenista contextualizada em prol dos povos indígenas, inserido no meio do povo e caminhando com ele, acreditando numa sociedade alternativa da qual os povos indígenas fazem parte como atores e construtores, no processo permanente de diálogo e respeito como condição de busca de um mundo novo, com igualdade, alteridade e participação. Além de todo o aspecto dos meios que apontam a formação e as alianças, o zelo particular entre estrutura organizacional e as escolhas das pedagogias e conteúdos, é fundamental a animação nas comunidades onde lateja o coração e a emoção dos missionários e das missionárias, da mística missionária militante, da fé que se multiplica no meio dos desacreditados, da esperança vivida, muitas vezes, em situações de desespero, e do amor aos povos indígenas e no meio deles, muitas vezes desprezados porque vivem de costas para o projeto hegemônico em curso.
Politicamente percebemos um entrave, no que diz respeito à garantia dos direitos indígenas. No Congresso, a Bancada Ruralista é um verdadeiro dificultador da realização dessa garantia. Contudo, há alguns passos positivos, em meio a todo esse processo. Quais são esses passos?
Os Povos Indígenas no Brasil têm repetido que a luta é um processo contínuo e a resistência não foi e não será em vão. Nesse aspecto valorizam sempre o conhecimento a experiência dos mais velhos e a vontade e disponibilidade dos mais novos com novos conhecimentos na articulação com outros povos, na organização interna das comunidades para uma sustentabilidade, na mobilização para a retomada dos seus territórios, na concretização de um modelo de Educação e Saúde diferenciada com controle social, na ocupação de espaços institucionais e a permanente luta por respeito. Apesar do avanço da Bancada Ruralista nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário contra os direitos indígenas, essa consciência dos direitos os leva a estar em processo de resistência com organização, articulação e mobilização, fatores estes que têm barrado várias ofensivas anti-indígenas dos poderes.
Qual é a situação das comunidades indígenas, do ponto de vista social e pastoral, atualmente, localizadas na Regional Leste (Minas Gerais, Espírito Santo e extremo sul da Bahia)?
Podemos considerar um universo de cerca de 30 mil indígenas nesses três estados, com mais de 20 povos, todos lutando pela regularização dos seus territórios e pela sustentabilidade em seus locais e estão inseridos nesse processo de luta nacional. Existem povos com parcela de seus territórios já retomada e outros sem terra; povos organizados com 10 mil indígenas e outros com 300 indígenas; povos que não falam a língua materna e outros que só falam a língua materna; povos agricultores e outros ainda caçadores e coletores, e outros que sobrevivem de empregos em órgãos do governo estadual e federal principalmente na área da educação e saúde, dos programas de geração e transferência de renda e aposentadorias. São várias realidades que às vezes se articulam com o devido respeito às diferenças culturais e regionais.
Do ponto de vista teológico, há uma integração latino-americana, no pensamento e na promoção de uma pastoral com enfoque indígena? Como isso se dá e quais são as bases dessa teologia?
As fontes teológico-pastorais que orientam o trabalho do Cimi se encontram nos textos do Concílio Vaticano II, nas encíclicas papais, e o magistério da Igreja latino-americana, missão, ecumenismo, diálogo inter-religioso e liberdade religiosa configuram, nesses documentos, um conjunto de programas e relações que no dia a dia do labor missionário são contextualizados, vividos e discutidos. Jesus de Nazaré é o primeiro missionário, foi enviado “para anunciar uma boa nova aos pobres”. A missão é escatológica porque só se realiza no fim dos tempos, e é histórica porque se realiza no aqui e agora dos contextos socioculturais mais diversos. Por causa da inserção histórica e sociocultural da missão, o Cimi assume diariamente os conflitos que vivem os povos indígenas e que apontam as transformações estruturais da sociedade hegemônica. A missão do Cimi, como missão do Reino, questiona o “culturalmente correto” da sociedade hegemônica diante das sociedades indígenas. A missão do Cimi é uma missão histórica, profética e escatológica.
As culturas indígenas apresentam uma espiritualidade própria, na relação com a transcendência, com a terra, nas relações interpessoais. Como essa espiritualidade pode ajudar a sociedade, em geral, a crescer na própria experiência de fé, de modo que a relação humana com a natureza, com os recursos naturais, do ponto de vista econômico, amadureça?
É necessário conhecer e reconhecer esse outro, essa nova e velha experiência de vida, estabelecer processos de diálogo, mesmo que seja inter-religioso. O Cimi está convencido de que uma leitura pós-colonial e profética do Evangelho pode contribuir para o fortalecimento do projeto dos povos indígenas, de sua identidade e capacidade de construir alianças com outros setores marginalizados da sociedade brasileira; pode contribuir para a formulação de uma ética de solidariedade além das fronteiras tribais e locais; pode contribuir para a sua confiança num futuro específico, num mundo que será para todos.
*Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira é bacharel em História; cursos isolados de Política Indigenista, Direitos Indígenas, História da Missão e Antropologia. Desde 1989 é membro do Conselho Indigenista Missionário, atuando há 23 anos como missionário junto aos Povos Pataxó Hãhãhãe e Tupinambá, no sul da Bahia. Desde 2008 assumiu a Coordenação do Cimi Regional Leste, em Belo Horizonte – MG.

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