A decisão de permanecer no Brasil acabou me levando a conhecer países invisíveis.
Rapidamente percebemos que desligar a televisão provocou uma série de efeitos colaterais.
Por Max Velati*
Na coluna da semana passada mencionei que lá em casa decidimos desligar a televisão. Foi uma decisão relativamente fácil porque ninguém aguentava mais a cascata tóxica despejada pelos noticiários na hora do jantar. Para cumprir os meus deveres como chargista de Economia da Folha de S. Paulo ainda sou obrigado a dar uma espiada nos jornais, mas tão logo eu mande a charge do dia, desligo a minha alma do que a maioria ainda chama de “realidade”.
Rapidamente percebemos que desligar a televisão provocou uma série de efeitos colaterais. Ou talvez tenha sido a nossa mudança de percepção que nos levou a desligar a caixa de Pandora ligada ao satélite. De qualquer forma, foi um passo importante.
A decisão de permanecer no Brasil, mas fugir deste país formado apenas por Petralhas ou Coxinhas acabou me levando a conhecer países invisíveis no Brasil e no mundo. Pessoas que já fugiram das garras do Leviatã formam grupos generosos pelo mundo e estendem a mão para quem ainda está tateando no escuro e procurando uma saída. A primeira lição é de que todo mundo neste tipo de fuga cumpre os deveres de cidadão. Assim, continuo obedecendo os sinais de trânsito, ando com os documentos em dia e pago impostos. Mas isso é tudo.
Antes que o caro leitor pense que o assunto aqui é uma rebelião contra o Sistema, um “vale a pena ver de novo” dos anos 60, adianto que não se trata disso. O Estado não é mais o meu inimigo, mas também não é mais a razão das minhas lutas. Da mesma forma, a política – aquela que cabe a qualquer cidadão – não é mais a fonte das minhas angústias, a causa de inimizades ou uma razão forte para protestos. O Estado para mim agora é um defunto ilustre a quem eu ainda devo uma pequena parcela de respeito e parte do meu dinheiro, mas decidi gastar a minha energia e os meus dias de modo mais sábio. Agora eu habito um país invisível dentro de um país e estou muito mais feliz e seguro.
Moro em um bairro bem afastado da capital. É um lugar pouco urbanizado, sem luz suficiente para passeios noturnos, com ruas de terra cheias de lama nas chuvas de verão e cães vadios o ano inteiro. Diante dos problemas de segurança o bairro instituiu um serviço de rondas diurnas e noturnas. Motoqueiros em contato com a polícia vigiam as nossas ruas e são pagos pela contribuição mensal dos moradores. Pelo WhatsApp a rede de vizinhos está sempre alerta. Cansamos de esperar o posto policial. O bairro também conta com uma horta orgânica administrada por voluntários. Pessoalmente, passei a comprar roupas usadas, mais baratas e de melhor qualidade, e estou organizando uma espécie de escola, reunindo amigos e contratando professores para cursos úteis ou interessantes, tais como anatomia, drinques, cozinha japonesa, astronomia...
Em outros lugares a noção de Estado está perdendo a força e sendo substituída por iniciativas de grupos bem organizados. Estamos descobrindo que a energia gasta em protestos pode ser melhor empregada. Pouco adianta passar a vida aos pés das autoridades no ciclo “pedir/cobrar/protestar/pedir”. Muito melhor é formar grandes “famílias”, tribos modernas e não há limite para o que pode motivar a reunião destas livres associações. Há grupos para a compra de leite não processado, arbitragem privada de questões, educação feita em casa, caronas solidárias, hortas comunitárias e até “cohousing”, grupos dividindo casas grandes ou pequenos prédios em verdadeiras tribos urbanas verticais.
Algumas destas soluções já estão por aí há algum tempo, mas ganharam novo sentido diante das novas crises econômicas, diante dos escândalos de corrupção e recentemente, diante da prova concreta revelada pelo caso “Panama Papers”, a evidência de que os ricos já descobriram as vantagens de fugir do Leviatã para criar países invisíveis. A diferença desta terra invisível feita de dinheiro e o meu país feito de roupas de segunda mão e composto orgânico é que aqui eu sou feliz. Entendi finalmente que não vim ao mundo a negócios.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.
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