Por Bruno Terra Dias
Troilus e Créssida não é, na atualidade, uma das mais famosas peças de Shakespeare no cenário brasileiro, mas não deixa de ter importância e oferecer interesse. Há múltiplos aspectos a serem explorados, alguns de maior repercussão atual. Um desses aspectos, que na perspectiva do saber científico talvez não renda ensejo a tanta discussão, mas que merece atenção nas relações sociais e no meio político, diz respeito ao que pode constituir uma opinião e ao que tem o condão de revelar a verdade.
O jogo de aparências em que os personagens transitam forja a imagem mental necessária ao convencimento. Entretanto, o convencimento, se não for lastreado no conhecimento, pode ilustrar fantasmagorias descompromissadas com a verdade, que cairão somente quando contrastadas com o produto do conhecimento. Alguém poderá argumentar com o caráter prosaico de idealizações contrapostas. No entanto essas comparações continuam a ser socialmente relevantes, porque juízos de valor são formulados cotidianamente, sem tempo ou recursos para reflexão atenta; o universo das decisões do dia a dia se faz a partir das aparências, não do conhecimento e de preocupações com a ontologia do objeto que se tem em consideração.
Quanto tempo leva o conhecimento para formular um critério de verdade que confirme ou afronte uma opinião dominante? Quanto tempo demora o estabelecimento da verdade, quanto a opinião dominante se ancora em aparências equivocadas? A história dos povos relata eloquentes injustiças contra pessoas que não desanimaram, ainda que com sérios riscos e severas consequências. Mártires da verdade existem e existiram em todos os quadrantes do globo, e uma contagem é impossível fazer. Nas relações domésticas, trabalhistas, nos ambientes de socialização, nas oportunidades de manifestação política, em eleições sindicais, associativas ou para cargos dos poderes constituídos, em que momento se pode dizer que coletivamente predomina a verdade sobre a opinião, o conhecimento sobre a aparência?
Pode-se dizer que em Troilus e Créssida o grande escritor, poeta, teatrólogo, cuja pena encantou elisabetanos e jacobeus, disserta sobre valores, tanto quanto por palavras como “honesto”, em Otelo, “ato”, em Hamlet, ou “tempo”, em Macbeth. Mas é o valor da opinião que sobressai, ainda que preocupações com seu significado possam ser encontradas já no pensamento clássico grego, na distinção entre doxa e episteme; a doxa distingue-se da verdade, sem ser necessariamente mentira, o que denominamos opinião; a episteme é o caminho para o conhecimento da essência das coisas, que abre as portas para se alcançar a verdade.
Em uma peça cujo jogo é de valores, haveria de um terceiro sintetizar, com verdade ou mentira, a oposição entre opinião e conhecimento. É Tersites quem cumpre esse papel, demonstrando que os valores da fama, cavalaria e da honra podem mais não ser que disfarces de opinião para raiva, crueldade e astúcia. Talvez, em outra peça, seja o Rei Lear, neste particular, na cena VI do ato IV, quem melhor revela o confronto entre aparências e verdades nos julgamentos humanos, em diálogo com Gloucester e Edgar: “Os buracos de uma roupa esfarrapada não conseguem esconder o menor vício; mas as togas e os mantos de púrpura escondem tudo. Cobre o crime com placas de ouro e, por mais forte que seja a lança da justiça, se quebra inofensiva”.
Ao final, Créssida se deixa seduzir por Diomedes e Troilus divide sua amada em duas: uma que é fantasia e outra que é crueldade. Prefere a fantasia e poupa a crueldade. A vontade particular, como a do decepcionado e entristecido, que sente traição em meio ao que cegamente cultua, não produz necessariamente uma verdade, pois elege, entre aparências e conhecimento, sua preferência. Assim ocorre nas relações sociais e políticas, ainda hoje.
(*) Juiz de Direito, ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros – Amagis, membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – Iamg e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG
O jogo de aparências em que os personagens transitam forja a imagem mental necessária ao convencimento. Entretanto, o convencimento, se não for lastreado no conhecimento, pode ilustrar fantasmagorias descompromissadas com a verdade, que cairão somente quando contrastadas com o produto do conhecimento. Alguém poderá argumentar com o caráter prosaico de idealizações contrapostas. No entanto essas comparações continuam a ser socialmente relevantes, porque juízos de valor são formulados cotidianamente, sem tempo ou recursos para reflexão atenta; o universo das decisões do dia a dia se faz a partir das aparências, não do conhecimento e de preocupações com a ontologia do objeto que se tem em consideração.
Quanto tempo leva o conhecimento para formular um critério de verdade que confirme ou afronte uma opinião dominante? Quanto tempo demora o estabelecimento da verdade, quanto a opinião dominante se ancora em aparências equivocadas? A história dos povos relata eloquentes injustiças contra pessoas que não desanimaram, ainda que com sérios riscos e severas consequências. Mártires da verdade existem e existiram em todos os quadrantes do globo, e uma contagem é impossível fazer. Nas relações domésticas, trabalhistas, nos ambientes de socialização, nas oportunidades de manifestação política, em eleições sindicais, associativas ou para cargos dos poderes constituídos, em que momento se pode dizer que coletivamente predomina a verdade sobre a opinião, o conhecimento sobre a aparência?
Pode-se dizer que em Troilus e Créssida o grande escritor, poeta, teatrólogo, cuja pena encantou elisabetanos e jacobeus, disserta sobre valores, tanto quanto por palavras como “honesto”, em Otelo, “ato”, em Hamlet, ou “tempo”, em Macbeth. Mas é o valor da opinião que sobressai, ainda que preocupações com seu significado possam ser encontradas já no pensamento clássico grego, na distinção entre doxa e episteme; a doxa distingue-se da verdade, sem ser necessariamente mentira, o que denominamos opinião; a episteme é o caminho para o conhecimento da essência das coisas, que abre as portas para se alcançar a verdade.
Em uma peça cujo jogo é de valores, haveria de um terceiro sintetizar, com verdade ou mentira, a oposição entre opinião e conhecimento. É Tersites quem cumpre esse papel, demonstrando que os valores da fama, cavalaria e da honra podem mais não ser que disfarces de opinião para raiva, crueldade e astúcia. Talvez, em outra peça, seja o Rei Lear, neste particular, na cena VI do ato IV, quem melhor revela o confronto entre aparências e verdades nos julgamentos humanos, em diálogo com Gloucester e Edgar: “Os buracos de uma roupa esfarrapada não conseguem esconder o menor vício; mas as togas e os mantos de púrpura escondem tudo. Cobre o crime com placas de ouro e, por mais forte que seja a lança da justiça, se quebra inofensiva”.
Ao final, Créssida se deixa seduzir por Diomedes e Troilus divide sua amada em duas: uma que é fantasia e outra que é crueldade. Prefere a fantasia e poupa a crueldade. A vontade particular, como a do decepcionado e entristecido, que sente traição em meio ao que cegamente cultua, não produz necessariamente uma verdade, pois elege, entre aparências e conhecimento, sua preferência. Assim ocorre nas relações sociais e políticas, ainda hoje.
(*) Juiz de Direito, ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros – Amagis, membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – Iamg e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG
Bruno Terra Dias
é ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis). Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, ocupando a cadeira nº 34, e do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela UFMG. Magistrado em Minas Gerais desde 1990. Possui artigos publicados em jornais, revistas jurídicas e de cultura, bem como em sítios eletrônicos especializados. Palestrante em diversos congressos e seminários.
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