quinta-feira, 12 de maio de 2016

Progresso não é maior que a dignidade da natureza

Cidades não podem encurralar e destinar a natureza para satisfazer seus interesses.
Espuma de poluição no Rio Tietê invade município de Pirapora do Bom Jesus (SP) em 2015.
Espuma de poluição no Rio Tietê invade município de Pirapora do Bom Jesus (SP) em 2015.
Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino*
 Ao longo dessa convivência – milenar – entre humanos e não humanos  percebe-se ainda certo distanciamento ou até desprezo dos primeiros em relação aos segundos. Sabe-se também que aos poucos estimula-se uma compreensão de interdependência entre as espécies acerca de tornar a nossa “casa comum” mais sustentável, mais visível aos olhos vendados pelos interesses, pelos benefícios exclusivos de uma mente humana diante daquilo que a Terra realiza para abrigar a pluralidade de vidas em diferentes ecossistemas. No entanto, esses esforços precisam ocorrer com maior habitualidade, precisa destacar que a dignidade humana, tão fragilizada, não é maior, nem melhor, que a Dignitas Terrae, mas, ao contrário, faz parte dessa e, aqui, se amplia aos humanos o esclarecimento de qual convívio deseja-se realizar no decorrer do tempo para se fortalecer uma solidariedade sincrônica e diacrônica para a presente e futura geração dos seres vivos que habitam esse Planeta.
A constituição biopsíquica humana denota como é impossível sobreviver sem a presença. Basta um olhar rápido sobre a constituição dos espaços urbanos. Quanto maior o poder aquisitivo das pessoas, maior a presença – e preservação - da Natureza, quanto menor esse poder, maior a miséria, o abandono, a destruição, a eliminação de todas as vidas – humanas e não humanas. Não é possível reconhecer a natureza como “ser próprio”, cuja importância pertence para todos os membros que fazem parte da teia da vida.
Verifica-se um juízo utilitário do mundo natural que precisa corresponder às necessidades da dimensão econômica, ou seja, o espaço público – nem as pessoas com alto poder econômico - não podem se utilizar da natureza tão somente pelos seus efeitos estéticos, industriais, científicos e tecnológicos. As cidades não podem encurralar e destinar a Natureza para satisfazer seus interesses. A praça, com características bucólicas, deve abrigar as vidas do mundo natural, sem que se preste qualquer serviço e/ou juízo, cujos destinatários sejam apenas os seres humanos.    
Talvez, nesse momento, Saramago estivesse certo: ‘somos cegos que veem’. Essa cegueira moral diante do outro na sua absoluta diferença, principalmente com a natureza, é o preço que se paga por se insistir, no decorrer do tempo, de uma vida com aparência de dignidade. Palavras como sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, dignidade e justiça são nomes vazios, pleonasmos e até oximoros quando não se quer enxergar os horizontes de esclarecimento dessa relação entre humano e não humanos.
Por encurralar a natureza nos domínios axiológicos da família humana, cria-se situações de desprezo à espontaneidade da vida, seleciona-se os “escolhidos” que poderão desfrutar dessa genuína amizade. Quando os fenômenos naturais são controlados, programados, desenhados e legislados em favor de poucos, o que resta, senão sobrevida e miséria para todos? Triste fim para natureza, triste fim para aqueles que devem sua existência à Pachamama, pois se aquela não pode simplesmente “ser” pela sua espontaneidade e cuidar, acolher quem mais precisa de sua proteção, não é a arquitetura humana e seus interesses a qual oportunizará esse cenário de integração. Se o status da natureza é de objeto, de “coisa”, se é algo apenas útil, indaga-se: por não viver plenamente bem nas grandes metrópoles, nas “selvas de pedra”?   

Veja também:
BH: ex-cidade jardim sem cuidado com a natureza
Desenvolvimento urbano sem respeito à natureza
Três desafios para a criar cidades sustentáveis
* Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é professor permanente e pesquisador do Mestrado em Direito pela Faculdade Meridional – IMED. Membro associado do Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Líder, em participação com o Professor Dr. Neuro José Zambam, no Centro Brasileiro de pesquisa sobre a teoria da Justiça de Amartya Sen. Membro associado da Associação Brasileira de Ensino de Direito - ABEDi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário