Cidades não podem encurralar e destinar a natureza para satisfazer seus interesses.
Espuma de poluição no Rio Tietê invade município de Pirapora do Bom Jesus (SP) em 2015.
Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino*
Ao longo dessa convivência – milenar – entre humanos e não humanos percebe-se ainda certo distanciamento ou até desprezo dos primeiros em relação aos segundos. Sabe-se também que aos poucos estimula-se uma compreensão de interdependência entre as espécies acerca de tornar a nossa “casa comum” mais sustentável, mais visível aos olhos vendados pelos interesses, pelos benefícios exclusivos de uma mente humana diante daquilo que a Terra realiza para abrigar a pluralidade de vidas em diferentes ecossistemas. No entanto, esses esforços precisam ocorrer com maior habitualidade, precisa destacar que a dignidade humana, tão fragilizada, não é maior, nem melhor, que a Dignitas Terrae, mas, ao contrário, faz parte dessa e, aqui, se amplia aos humanos o esclarecimento de qual convívio deseja-se realizar no decorrer do tempo para se fortalecer uma solidariedade sincrônica e diacrônica para a presente e futura geração dos seres vivos que habitam esse Planeta.
A constituição biopsíquica humana denota como é impossível sobreviver sem a presença. Basta um olhar rápido sobre a constituição dos espaços urbanos. Quanto maior o poder aquisitivo das pessoas, maior a presença – e preservação - da Natureza, quanto menor esse poder, maior a miséria, o abandono, a destruição, a eliminação de todas as vidas – humanas e não humanas. Não é possível reconhecer a natureza como “ser próprio”, cuja importância pertence para todos os membros que fazem parte da teia da vida.
Verifica-se um juízo utilitário do mundo natural que precisa corresponder às necessidades da dimensão econômica, ou seja, o espaço público – nem as pessoas com alto poder econômico - não podem se utilizar da natureza tão somente pelos seus efeitos estéticos, industriais, científicos e tecnológicos. As cidades não podem encurralar e destinar a Natureza para satisfazer seus interesses. A praça, com características bucólicas, deve abrigar as vidas do mundo natural, sem que se preste qualquer serviço e/ou juízo, cujos destinatários sejam apenas os seres humanos.
Talvez, nesse momento, Saramago estivesse certo: ‘somos cegos que veem’. Essa cegueira moral diante do outro na sua absoluta diferença, principalmente com a natureza, é o preço que se paga por se insistir, no decorrer do tempo, de uma vida com aparência de dignidade. Palavras como sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, dignidade e justiça são nomes vazios, pleonasmos e até oximoros quando não se quer enxergar os horizontes de esclarecimento dessa relação entre humano e não humanos.
Por encurralar a natureza nos domínios axiológicos da família humana, cria-se situações de desprezo à espontaneidade da vida, seleciona-se os “escolhidos” que poderão desfrutar dessa genuína amizade. Quando os fenômenos naturais são controlados, programados, desenhados e legislados em favor de poucos, o que resta, senão sobrevida e miséria para todos? Triste fim para natureza, triste fim para aqueles que devem sua existência à Pachamama, pois se aquela não pode simplesmente “ser” pela sua espontaneidade e cuidar, acolher quem mais precisa de sua proteção, não é a arquitetura humana e seus interesses a qual oportunizará esse cenário de integração. Se o status da natureza é de objeto, de “coisa”, se é algo apenas útil, indaga-se: por não viver plenamente bem nas grandes metrópoles, nas “selvas de pedra”?
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* Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é professor permanente e pesquisador do Mestrado em Direito pela Faculdade Meridional IMED. Membro associado do Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Líder, em participação com o Professor Dr. Neuro José Zambam, no Centro Brasileiro de pesquisa sobre a teoria da Justiça de Amartya Sen. Membro associado da Associação Brasileira de Ensino de Direito - ABEDi.
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