quarta-feira, 29 de junho de 2016

Elogio das sombras

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Talvez seja o momento de admitir que temos de conviver com as sombras.
Talvez devamos pensar mais em como conter as sombras em seu devido lugar.
Talvez devamos pensar mais em como conter as sombras em seu devido lugar.

Por Alexandre Kawakami*

Jun’ichiro Tanizaki é um dos autores japoneses de maior renome, tendo sido indicado para o prêmio Nobel de literatura e sido reconhecido por várias de suas obras, incluindo “O Retrato de Shunkin”, “O Tatuador” e, mais famoso entre nós, “As Irmãs Makioka”.

Tanizaki, hoje em dia, pode ser considerado um autor meio “emo”. Suas obras retratam paixões avassaladoras, destrutivas e até mesmo doentias que terminam, inevitavelmente, no ocaso do seu protagonista.

Mas chama-lo de “emo” é colocá-lo fora de seu contexto e, para entender bem este contexto, ninguém melhor que o próprio Tanizaki para explica-lo. Ele o faz num pequeno ensaio intitulado “O Elogio das Sombras”.

Neste ensaio, Tanizaki discute a estética japonesa em contraste com a estética ocidental. O resumo de sua tese é também dado por ele mesmo:

Mas o que produz estas diferenças em gostos? Na minha opinião, a causa é esta: nós orientais tendemos a procurar nossas satisfações em quaisquer ambientes em que nos encontremos, para que nos contentemos com as coisas como elas são; assim, a escuridão não nos causa qualquer descontento, nós nos resignamos com ela como inevitável. Se a luz é escarça, a luz é escarça; nós imergiremos na escuridão e descobriremos lá sua beleza em particular. Mas o Ocidental progressista está determinado a sempre melhorar sua posição. Da vela à lâmpada a óleo, da lâmpada a óleo à lâmpada a gás, da lâmpada a gás à luz elétrica – sua busca por uma luz mais brilhante nunca cessa e ele não poupa esforços para erradicar mesmo a mais diminuta sombra.

Sou admirador da estética japonesa em geral mas acho que a descrição de Tanizaki cabe até em outros temas, não só os relacionados à arte e à alta cultura. Cabem na nossa política, por exemplo.

Somos educados, no Brasil a ver o Estado e seus representantes como a expressão maior da razão, da ordem e do avanço. Está em nossa bandeira. Em minha educação em Direito, vários foram os professores, senão unânimes, a cantar a necessidade de uma intervenção maior de entes estatais, através da Lei, em nossas vidas individuais.

Não é à toa que temos os representantes que temos, agraciados com a estrutura cara que lhes damos. Em tese, eles seriam os nossos melhores, escolhidos para nos dar voz. Seriam as mentes esclarecidas e, oportunamente, iluminadas, nas quais confiaríamos os nossos anseios, como nos ensinaram os gregos.

Os últimos acontecimentos no país nos mostram que essa noção romântica talvez seja mais “emo” do que a obra de Tanizaki. Se havia qualquer dúvida anteriormente, sabemos agora que nossa classe política está longe de estar sequer interessada em nos levar em direção à luz, à ordem ou ao progresso. São sombras, talvez mais escuras que todos nós, e sempre serão.

Talvez seja o momento de admitir que temos de conviver com as sombras. Talvez seja a hora de tratarmos estas entidades e pessoas como sombras, sem idealizá-las, sem acreditar que existirá um processo mágico que as tornarão luz.

E assim sendo, talvez devamos pensar mais em como conter as sombras em seu devido lugar.

*Alexandre Kawakami é professor de Direito Empresarial e membro fundador do Centro de Compliance e Transparência da Escola de Direito Dom Helder Câmara. É mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio.

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