Estou cada vez mais impressionado com a ignorância humana. Talvez meu olhar esteja hoje um tanto quanto pessimista, mas é fruto da angustia de ler comentários na internet e das falas cotidianas imbuídas de ódio, preconceito etc. O problema é que nossa época é conhecida pela facilidade do acesso à informação, também chamada de era das comunicações.
O que tenho notado é que, apesar dessa facilidade, a dificuldade de leitura é extrema. Não falo somente da capacidade de ler, que faz compreender um fonema pelo seu grafema, mas também da capacidade de entendimento do que se leu. Mesmo a compreensão tem níveis distintos e há um número expressivo que não é capaz de alçar o patamar das metáforas, de compreender ironia, humor, poética e outras formas de discurso que não o linear e básico.
Notadamente há muitos sites que aderiram a ideia de colocar textos de 5 linhas e uma série imensa de imagens em alta resolução. O que importa é o desbunde visual, porque pensar criticamente um fato é para poucos. Só esquecem que a imagem sempre comunica algo e é também um recorte dos fatos, até a fotografia é uma leitura da realidade, não o retrato factual dela. Se não se consegue ler e interpretar um texto, será que se poderá ler e interpretar uma imagem?
Quando a revista Veja publicou a matéria sobre Marcela Temer reconhecida pelo mote “Bela, recatada e ‘do lar’”, houve um movimento espontâneo nas redes de crítica àquela visão, compreendendo-a como risível. Mulheres e homens fizeram comentários ou postaram fotos de conteúdo cômico aludindo ao ridículo da visão sessentista ali implícita. Uma pessoa por quem tenho grande admiração reagiu de modo áspero para comigo alegando que eu não poderia fazer qualquer tipo de comentário por não ser mulher e estar “roubando” o protagonismo feminino. Contudo, meu comentário era como alguém que estuda e trabalha com mídias fazendo uma crítica à própria imprensa. Tentando explicar isso, fui taxado de querer jogar títulos acadêmicos como discurso de autoridade. Consequência: uma “amizade” digital desfeita, embora minha admiração por essa pessoa continue – consigo bem separar sua pessoa do evento em questão.
Estavam em jogo, na minha discussão pela web, as distintas visões e correntes do feminismo, a possibilidade da empatia como participação numa luta alheia, a definição de protagonismo, se um comentário na rede social consiste por si mesmo cyberativismo e se sua postagem seria protagonismo em alguma luta, o papel da mídia e da imprensa etc. Mas a conversa que poderia ser rica para ambos resumiu-se em ataque, explicação, revide e bloqueio. Temos assim, não só a incapacidade de leitura, de perceber outras nuances interpretativas, mas a dificuldade de se estabelecer qualquer diálogo. O que aconteceu comigo é recorrente no espaço digital e acontece com muitos outros. Com frequência as pessoas já se achegam a uma conversa ou discussão com ideias preestabelecidas e indispostas a qualquer revisão. Não há diálogo, mas duas propagandas de ideias.
Estava assistindo uma transmissão ao vivo de um site de tecnologia e começaram a chover entre os comentários a expressão “Bolsonaro 2018”. As notícias em questão nada tinham com política. Não obstante, havia a necessidade de um grupo de manifestar o apoio ao atual deputado. Lendo o que postam seus apoiadores, esquecem-se eles de distinguir quais são as funções do Executivo e do Legislativo, como funciona a economia de um país, quais seriam as possibilidade do político em questão de gerir bem a nação e gozar de apoio no parlamento, entre outras coisas. Contudo, Bolsonaro encarna a imagem de um ideal para alguns que são incapazes de ler profundamente o que tal imaginário significa e as implicações reais disso tudo. A maioria dessas pessoas se for arguida sobre quais são as propostas de seu candidato em relação à política cambial serão incapazes de entender o que significa a palavra cambial, muito menos o sistema de funcionamento de cambio monetário. Contudo, replicam textos “explicando” a grandeza do atual deputado, de atuação legislativa medíocre. Para estes, não importa se Bolsonaro tem capacidade executiva, basta encarnar sua visão de sociedade.
Sugiro mais leitura, que se saia do lugar comum e se transite por espaços, grupos e culturas que não a própria e que se ouça quem deles faz parte. Fazer isso permite ampliar a própria visão de mundo, dá ferramentas para análises mais acuradas, diminuindo o preconceito ou a simples repetição de algo que se ouviu dizer. Inteligência vem de inteligere, que no latim significa “ler dentro”. E leitura tem a ver, por sua vez, com o ato de colher, de selecionar aquilo que pode nos alimentar. Transite pelos espaços, adentre suas estruturas, colha o que lhe nutre. Ser profundo dá trabalho e resistir à mediocridade é tarefa difícil. Resista!
Muita festa
Para que você saia do lugar comum, BH tem algumas opções para transitar. Três eventos estão para acontecer, com estilos e públicos diferentes, possibilitando que se experimente a diversidade cultural que compõe a cidade.
S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L 6! – O festival de bandas de nome interessantíssimo, o “Simpósio de Empreendedorismo Nada Sensato Articulado no Cenário Internacional e Organizado por Nossos Amigos Legais!”, chega a sua sexta edição. Vai acontecer nos dias 24 e 25 de junho, inteiramente gratuito, no Parque Municipal (entrada pela Av. dos Andradas), com duração das 19h à 0h e só para pessoas a partir dos 18 anos (menores apenas acompanhados dos pais ou responsáveis legais). Não será possível a entrada com bebidas, nem será preciso de ingressos (entenda em http://bit.ly/ingressoS6). Informações em http://www.facebook.com/festivalsensacional.
Na sexta-feira tem shows de Dibigode (MG), La Sasasa (Argentina), Pequena Morte (MG) e Karol Conka (PR) no Palco Principal. Já no Palco New Zion, terá Delatorvi + Martch POSSE, Filhos de Sandra, The Junkie Dogs + Shiron The Iron. No sábado, no Palco Principal tem Zimun (MG), O Terno (SP), ICONILI(MG)e Mákina Kandela (Chile/Colômbia). No Palco New Zion tem Dom Pepo, Mentol Trio, Gato Feio e Tempo Plástico. Além dos show tem Encontro de Sounds, Food Trucks e outras atrações que podem ser conferidas na página do evento no Facebook.
Savassi Festival – De 24 de Junho a 04 de Julho rola o festival anual de jazz. A maioria das atividades são gratuitas e realizadas em espaços públicos. O evento que acontece desde 2003, com edição em Nova York desde 2013, também acontece nas cidades de Uberlandia, Nova Lima e Rio de Janeiro. Além de shows, realiza-se também lançamentos de CDs, concursos, workshops, residência artística, lançamentos de obras inéditas, fomento a colaborações, recolhimento de alimentos não perecíveis e parcerias com comerciantes locais. Maiores informações em http://www.savassifestival.com.br.
Arraial de Belô – As festas juninas e julinas já chegaram à cidade, desta vez com programação ampliada. O Arraial de Belô 2016 trás, alé do tradicional concurso de quadrilhas e grandes shows na Praça da Estação, promove cerca de 400 atrações durante 2 meses de festa. São mais de 60 festas agregadas, circuito gastronômico junino com dez restaurantes participantes, cursos e oficinas e muito mais. A programação completa pode ser conferida no site da Belotur: http://www.belohorizonte.mg.gov.br/evento/2016/06/arraial-de-belo-2016.
Gilmar P. da Silva SJ
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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