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Escolhamos a melhor parte e escutemos Jesus. Ele nos fala através de todas as coisas.
Cristo vem até nós através das alegrias, dos sofrimentos e de todos com quem nos encontramos.
Por Marcel Domergue*
Referências bíblicas
1ª leitura: "Meu Senhor, não prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo" (Gênesis 18,1-10)
Salmo: Sl 14(15) - R/ Senhor, quem morará em vossa casa?
2ª leitura: "O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado" (Colossenses 1,24-28)
Evangelho: "Marta recebeu-o em sua casa. Maria escolheu a melhor parte" (Lucas 10,38-42)
O pão da Palavra
A ligação entre a Palavra e o alimento está muito presente nas Escrituras. Ezequiel recebeu a ordem de devorar o Livro, tema que o Apocalipse irá retomar (Ezequiel 2,8-3,3; Apocalipse 10,9). Até mesmo na linguagem corrente se fala em "devorar um livro", "alimentar-se" de um autor, beber as palavras de um orador… E "nem só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca de Deus" (Deuteronômio 8,3).
Pela palavra, o outro nos invade, nos informa, nos forma e reforma. Mas só a Palavra de Deus merece que nela depositemos fé total. O alimento representa a relação que mantemos com a natureza, com a terra e com o trabalho dos homens. Ele pode ser objeto de partilha ou de litígio.
A palavra, que normalmente nos faz viver da sabedoria dos outros, pode tornar-se sarcasmo ou injúria. A Palavra de Deus é criadora da nossa humanidade e do universo, de onde ela a fez brotar.
Em João 6, a Palavra fez-se pão. Tudo isso encontramos na Última Ceia de Cristo e, a este respeito, a Paixão é que dirá a última palavra. Enquanto espera, Maria, irmã de Lázaro, antecipa o acolhimento da Carne e do Sangue que serão entregues por nós, nutrindo-se da Palavra.
Marta e Maria
Por que Marta foi censurada, enquanto se esforçava para receber bem a Jesus? Este lhe diz duas palavras: "Tu te preocupas e andas agitada". Tendo em vista o quê? Sem dúvida, preparar uma refeição que fosse especial, fora do costumeiro. Para ela, a visita de Jesus parece ser uma exigência, geradora de deveres.
Não se dá conta de que aquela presença é o presente mais extraordinário que Deus nos pode dar. Jesus não veio até nós para fazer-se servir, mas para nos anunciar a Boa Nova: que Deus é o inimigo do nosso mal e da nossa morte. Ele profere a Palavra que faz viver.
Marta quer "alimentar" Jesus, que está a caminho de Jerusalém, onde se dará a si mesmo em alimento. Maria escuta a sua palavra. Assumir estar "quite" com Deus, imaginar poder dar a Ele o que Lhe é devido, em resumo, querer fazer o necessário para considerar-se justo, isto é o que gera "inquietude e agitação". Determinada maneira de se falar em "méritos" a se adquirir não escapa a esta ilusão.
Aí, nos encontramos fechados na contabilidade narcísica das nossas boas condutas. Maria põe-se inteiramente aberta à Palavra criadora. Não se ocupa consigo mesma, apenas com ele que, falando com ela, faz com que ela exista. Por outras palavras, Paulo diz a mesma coisa quando explica que passamos do regime da Lei e das obras da Lei ao regime da fé (Gálatas 2,15-21). Daqui em diante, não tenhamos mais o olhar voltado para nós mesmos, mas para o Cristo, presença de Deus.
O amor é que comanda
Será, então, que nestas condições podemos fazer qualquer coisa, não importa o que? Pois, como diz Paulo (1 Coríntios 10,23), "Tudo é permitido". Acrescenta, no entanto, imediatamente: "mas nem tudo edifica". Decide-se, assim, não em função do que é permitido ou proibido, mas do que é construtivo ou destrutivo.
O que constrói é o amor que nasce da fé. E ao amor não se comanda. Ao contrário, ele é que nos "comandará". Às vezes, é bom preparar uma refeição, da mesma forma que Marta, mas com outro espírito: sem inquietude e sem agitação, sem se deixar "açambarcar" (versículo 40). Muitas vezes, temos nos sacrificado demais a uma religião legalista e moralizadora. "Ama e faze o que quiseres", escreve Santo Agostinho.
Então, tudo o que fizeres será expressão deste amor. Mas ainda há aí uma armadilha: não nos cansamos de "experimentar o amor". Trata-se antes, como fez Maria, de nos abrirmos para receber. E o que recebemos? O Espírito, que é amor. O Espírito abre-nos às palavras que o mundo e a vida nos dirigem.
Cristo, hoje, de fato não nos visita mais como visitou Marta e Maria. Ele vem até nós através de todos com quem nos encontramos, através das alegrias, dos sofrimentos e, até mesmo, dos crimes dos nossos contemporâneos. Escolhamos a melhor parte e escutemos Jesus. Ele, sem cessar, nos fala através de todas as coisas.
Sítio Croire
*Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês.
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