terça-feira, 16 de agosto de 2016

Há estupro contra homens e dentro do casamento

  domtotal.com
Há estupro contra homens e dentro do casamento
Com alteração na legislação, as mulheres não são as únicas vítimas deste crime.
67% da população tem medo de ser vítima de agressão sexual.
67% da população tem medo de ser vítima de agressão sexual.


Por Renato Campos Andrade*
Em junho deste ano o Brasil foi balançado, mais uma vez, com uma inquieta denúncia de estupro coletivo. Uma adolescente, de 16 anos, acusou vários “homens”, cerca de 30 (trinta), de a terem estuprado. A notícia correu o país e várias manifestações incompreensíveis e machistas chegaram a indicar a própria vítima como culpada do crime cometido contra ela.

Infelizmente, a notícia não é inédita e nem as manifestações irracionais. Felizmente, manifestações de repúdio a essas exposições, taxadas como advindas da “cultura do estupro”, difundiram-se pelo país e pelo mundo.

A revista BBC, em reportagem de maio do corrente, fez um resumo das tristes estatísticas do Brasil, das quais se destaca:

-         70% (setenta por cento) das vítimas são crianças e adolescentes;

-         Dados de 2014 apontam que o Brasil tinha um caso de estupro a cada 11 minutos;

-         67% da população tem medo de ser vítima de agressão sexual. O percentual sobe para 90% entre mulheres. Entre homens, 42% temem ser estuprados.

-         No mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia.

Absolutamente alarmante, chocante e revoltante. Diante disso, é preciso detalhar a conduta criminal e tornar mais clara sua gravidade.

A Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, fez uma releitura do crime de estupro, de maneira a indicar que estupro é:

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o  Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

O estupro ocorre quando a vítima não consente com o ato do agressor. Pior ainda quando são vários os criminosos, como ocorre nos casos de estupro coletivo. Sem consentimento, não há prazer, mas crime.

No caso da adolescente do Rio de Janeiro já citado, alegou-se que a jovem se embriagou e se drogou. Absolutamente irrelevante para caracterizar o crime de estupro. Muito se discutiu sobre a conduta da estuprada, mas o que importa, conforme o professor da Escola Dom Helder, Alexandre Kawakami, em publicação no Dom Total, de forma taxativa e perfeita é que: “se a mulher está num estado em que não pode expressar o seu consentimento, é porque ela não o deu”.

Conforme explicita a advogada, especializada em Ciências Penais e presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB-MG – Subseção Nova Lima, Eduarda Couto Pessoa Othero, em seu artigo Estupro, um crime contra a dignidade sexual, estupro deixou de ser apenas “conjunção carnal” descrita como introdução do membro masculino na mulher, para incluir qualquer ato libidinoso praticado mediante constrangimento, violência e grave ameaça. Segundo ela, “a nova definição abrange atividades como sexo oral, sexo anal e outros atos que favoreçam o prazer sexual do autor, as quais eram tipificadas como ‘ato libidinoso’”. 

Ela aborda uma questão sensível na sociedade que é a existência deste crime entre cônjuges. “A violência sexual havida entre os cônjuges foi desconsiderada como estupro durante décadas”. A sociedade machista e conservadora simplesmente fechava os olhos quando o crime era praticado na constância da união matrimonial.

De maneira brilhante, Eduarda Othero afirma que “esse posicionamento é inadmissível à luz da Constituição de 1988, que estabelece a igualdade de gêneros. E, em 2006, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, entrou em vigência, explicitando no artigo 7º, inciso III, que a violência sexual é um dos tipos de violência possíveis nas relações domésticas contra a mulher”.

Destaca-se que a lei ampliou a conduta e alterou a redação. Antes existia o crime de estupro apenas quando a mulher era a vítima. Agora a conduta criminosa pode ser praticada contra o homem, tendo em vista a inserção da palavra “alguém”, ao invés de “mulher”. Quanto a esta alteração, recomenda-se a leitura do artigo Paradigma atual do estupro: o homem como vítima, do advogado e pós-graduando em Ciências Criminais, Vítor Burgarelli.

Ele explica que até 2009 o crime de estupro era mês restrito e que a lei estendeu o instituto “passando a não mais delimitar que apenas a mulher seria vítima do crime, bem como que a prática de qualquer ato libidinoso seria meio hábil para sua consumação (quando o ato praticado passa a ser considerado crime)”.

A alteração na legislação era absolutamente necessária. Nas palavras do de Vítor Burgarelli, “uma estrutura social que se pretende igualitária deve reconhecer o consentimento como expressão essencial das relações sociais. Tais relações são estabelecidas entre seres humanos de uma mesma hierarquia de vontade, que jamais podem servir de objeto aos desejos e ideal de autoridade de outras”.

O crime de estupro possui um desdobramento ainda mais grave, que ocorre quando a conduta é praticada contra vulnerável, casos em que o consentimento é irrelevante.

A defensora pública de Minas Gerais; professora universitária; pós-graduada em Direito Civil e Direto Processual Civil, bem como em Didática do Ensino Superior; e mestranda em Direito Penal e Criminalística, Marta Xavier de Lima Gouvêa, relata no artigo Estupro de vulnerável: análise crítica face ao ordenamento que se trata de vulnerável o menor de 14 (quatorze) anos e toda pessoa que puder oferecer resistência física e mental. Já a “se uma vítima entre 14 (catorze) e 18 (dezoito) anos não deficiente mental ou capaz de oferecer resistência consentir com o ato sexual estaremos diante de uma figura atípica, ou seja, não constitui o crime tipificado nos artigos 213 ou 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal”.

A gravidade da conduta, para ela, é destacada pelos tribunais superiores Atualmente, de acordo com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tipo “estupro de vulnerável” previsto no artigo 217-A do Código Penal não admite qualquer possibilidade de flexibilização ou de prova contrária à presunção absoluta de violência contra o menor de 14 anos.

Já sobre as demais vítimas vulneráveis, a defensora pública diz que “com relação às pessoas que, por deficiência mental ou física não podem oferecer resistência, é necessária uma análise da incapacidade mental por perito para que possa configurar o crime de estupro de vulnerável, devendo a sintomatologia de a incapacidade mental ser manifesta, passível de ser percebida por leigos. Caso contrário, o sujeito será absolvido por erro quanto ao elemento do fato, visto que a incapacidade mental admite graus variados e, muitas das vezes, os sintomas se ocultam do próprio médico, ainda mais do leigo”.

A sociedade, juntamente com o Estado, deve lutar contra esse crime. Se existe uma “cultura do estupro”, que ela seja urgentemente substituída pela “cultura do respeito”.


Sugestão de pauta

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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

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