quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Na era do escritor marqueteiro

 domtotal.com
Ser escritor num mundo que pouco lê parece ser a mais quixotesca das missões.
Elitismo à parte, a tradição literária ocidental resiste  à indústria cultural.
Elitismo à parte, a tradição literária ocidental resiste  à indústria cultural.

Por Ricardo Soares*
Os escritores é que definem as mutações da literatura, dizem muitos teóricos. No entanto são eles, teóricos, que não abrem mão de chancelar as mutações dizendo afinal o que vale e o que não vale como "novidade" . Ao se renderem a tal literatura de mercado , ao voltarem as costas para a inovação, também refugada pelas editoras, não prestam serviço algum a qualquer vanguarda. Na sociedade do espetáculo viceja e vigora então a lógica de quem se divulga mais aparece mais. O escritor mais do que o mascate de si mesmo tem que ser o marqueteiro de si mesmo.

Os valores tradicionais praticados por grande parte dos romancistas brasileiros - técnicas narrativas lineares e tradicionais - os colocam numa zona de conforto grande  ainda mais quando o conluio torna-se completo com aquela mal disfarçada "aliança" tácita entre poucos curadores e seus amigos autores onde uns levam os outros para cima e para baixo nas feiras e congressos nacionais e internacionais.

Há quase um ano participei e ajudei a organizar com a escritora Márcia Denser um encontro de escritores em São Paulo - no Centro Cultural -  que , talvez pretensiosamente, se chamou  "Literatura de Confronto". Na verdade não estávamos querendo confrontar autor nenhum mas de certa forma protestar contra a postura passiva do mercado que sempre incentiva o museu de grandes novidades enquanto finge que aposta na "inovação" . Se essa lógica valesse em tempos de Joyce e Guimarães Rosa, só para citar dois notáveis exemplos, talvez eles nunca tivessem se tornado conhecidos.

Ser escritor num mundo que pouco lê  ou lê aquilo que o "deus mercado" pede parece ser a mais quixotesca das missões. O sucesso é medido em tiragens não em novas miragens que um criador possa proporcionar ao seu leitor. No entanto , elitismo à parte, a tradição literária ocidental resiste  à indústria cultural. Ou se funde a ela produzindo muitas vezes obras instigantes independente se isso deixa tudo, digamos, muito "homogêneo".

Sempre me recordo da feliz definição de Oswald de Andrade que sonhava com o leitor que fosse consumir os "finos biscoitos" que ele fazia mas hoje parece que todos estão mais para consumidores de "cookies industrializados" como escreveu recentemente a teórica Leyla Perrone Moisés. A produção , sobretudo a nativa, adapta-se ao consumo e por ele é discretamente festejada fabricando-se assim "falsos brilhantes", autores tão rasos que dá até desânimo ler sobretudo porque sequer se deram ao trabalho de ler as gerações passadas.  Aliás  quando leio o que alguns desses "escritores" falam por aí tenho a certeza de que jamais abriram uma página de Rubem Fonseca, Sérgio Sant'Anna, Samuel Rawet, Ivan Angelo, Dalton Trevisan, Roberto Drummond, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu só para citar alguns exemplos.

Tenta-se com esses falsos brilhantes se chegar a mais leitores promovendo eventos literários  onde esses  autores e obras são apresentados como espetáculo. Resta a dúvida se apenas são vistos  mas não lidos porque as vezes parece que  o público numeroso é composto apenas de espectadores e  caçadores de selfies e não de verdadeiros leitores . Os escritores por outro lado se iludem e muitos surfam na tal onda das  "celebridades" pois assim terão chance de vender mais livros. É uma lógica perversa diante da qual poderia se redefinir a ocupação dos escritores entre aqueles que escrevem e os que prescrevem a curto prazo.

*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor , roteirista e jornalista. Autor de sete livros, dirigiu 12 documentários e inúmeros programas de televisão em várias emissoras. Escreve às segundas e quintas no DOM TOTAL.

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